Wednesday, November 19, 2008

Terror nas Montanhas, de Alexandre Aja


É a isto que está reduzido o cinema de terror actual? A história não é nova nem original, para não falar de que se trata de um remake de um filme de 1977 que contava já com uma sequela, daquelas que são papel químico do primeiro, apenas com vítimas novas e toca a andar.
O facto de ambos terem sido realizados por Wes Craven, criador da saga de Freddy Krueger e “Scream”, não é só por si grande recomendação, porque Craven é capaz do melhor e do pior (“A Serpente e o Arco-Íris”, “A Última Casa À Esquerda”) e apadrinhou para aí porcarias como “Wishmaster” ou “Dracula 2000”.

Algures no profundo deserto norte-americano – é indiferente onde fica, apenas importa ser no meio do nada, um cenário inóspito, abrasador e sem ninguém por perto para ajudar – uma família que viaja de roulotte vai ficar imobilizada e tornar-se carne para canhão de um grupo de mutantes canibais que mais não fazem do que mostrar os dentes podres e as cabeças dilatadas enquanto tentam atacá-los.
Logo aí, temos um cliché absolutamente estúpido e que nunca teve lógica, mas é adoptado por todos os aspirantes a realizador e funciona apenas até determinado ponto. Enquanto o inimigo age na sombra, é como um fantasma. Ninguém os vê, são extremamente rápidos e silenciosos, não deixam rasto. Chegam a raptar vítimas mesmo nas barbas dos heróis e eles nem dão por nada. Mas, assim que podemos vê-los, são atarracados, deformados, movem-se pesadamente, respiram ruidosamente, fazem imenso espalhafato e soltam grunhidos esurdecedores. Por outras palavras, às urtigas com a coerência.

Assim, já pusemos a originalidade e a lógica de parte, não sobra muito. Para além de ser a terceira instalação com este título (passado no mesmo deserto, com os mesmos canibais assassinos e vítimas indefesas “standard”), vive de um expediente utilizado até à exaustão – as vítimas são levadas ao extremo da sanidade e têm de contra-atacar, porque é matar ou morrer. Esta é a simplicidade do cinema de terror mais simplório. Funcionou bem nos anos 70, mas foi explorado até ao limite da paciência nos anos 80.
Nos bosques perto do lago foi o Jason de “Sexta Feira 13”, no mar foi o tubarão de “Jaws”, na estrada foi o camião assassino de “Duel” ou os carros apocalípticos de “Mad Max”. Os lunáticos assassinos vêm em todos os tamanhos e feitios, mas costumam ser grandes, feios e sanguinolentos como as suas armas brancas bem afiadas. Por essa razão, é impossível não fazer referência ao iniciático “Massacre no Texas”, no qual uma família de canibais, um dos quais um gigante deformado com predilecção para usar máscaras feitas de pele humana, dizimava um grupo de jovens que se aventurava numa carrinha Volkswagen tipicamente hippie pelo interior americano (assim de relance, quantos pontos de contacto divisaram?).

Rapidamente, em comum entre dúzias de filmes de baixo orçamento (sendo que entre contratar um argumentista ou uma equipa de efeitos especiais opta-se sempre pela última), temos o espaço vazio, a família de assassinos e o pequeno grupo de vítimas. Não precisam de mais, podem fazer o vosso filme. Recentemente, os australianos decidiram estragar o seu próprio turismo e seguiram esta regra à letra com “Wolf Creek” (claro que, como eram pobres, ficaram-se por um psicopata e três vítimas, mas vai dar ao mesmo) e os americanos, mais espertos no que respeita ao turismo, decidiram afugentar antes quem quisesse ir passear pela Eslováquia, no filme “Hostel”. Partilham a aposta no gore e na tortura violenta onde claramente não há imaginação para mais (a massa cinzenta foi feita para espalhar pelo chão, e não para usar enquanto ainda está presa dentro do crânio). O sadismo é a cor da moda.

“Terror nas Montanhas” vem completar o círculo e reunir os clichés todos. Lembram-se de “Brokedown”, com Kurt Russell? Pois é, algures num cenário já aqui mencionado, Kathleen Quinlan era raptada e o marido tinha de resgatá-la. Habituada a facínoras, desta vez é a mãe da família perdida no deserto dos canibais mutantes. E não era de imaginar outra coisa, já que o seu marido é interpretado por Ted Levine, outrora o assassino Buffalo Bill no “Silêncio dos Inocentes”. A eles juntam-se os três filhos, o marido da filha mais velha, o bebé fruto dos dois últimos e ainda dois pastores alemães chamados “Bela” e “Monstro”. A filha mais nova é interpretada por Emile De Ravin, que já foi extraterrestre em “Roswell” e presenciou outras maluqueiras e medos na mega-série “Lost”. Billy Drago, temido como barão de droga em dezenas de policiais, filmes de artes marciais ou de acção durante os anos 80 e parte dos 90, limita-se aqui a duas cenas rapidíssimas e sem uma única fala, como parte do clã mutante.
Do trôpego e pouco empático conjunto de humanos, só há a lamentar não se cumprir a regra de ouro mais importante de todas, a de que há apenas um único sobrevivente. Por falar nisso, a verdade é que há sobreviventes a mais. Sem falar no marido da filha mais velha, que acaba por revelar-se um inesperado e absurdo super-homem, metade da família e dos cães fica para contar a história (pelo menos não é como o filme “Wolf Creek”, que dizia basear-se em factos reais e o único sobrevivente não presenciou nenhum dos eventos relatados na segunda metade do filme). E o que dizer do previsível final, de que pelo menos um dos mausnão morreu? Alguma vez se escapará a mais este cliché?
Antes que me esqueça, explico a razão pela qual os assassinos da montanha são mutantes. Vem logo no genérico inicial, a par de imagens de cogumelos atómicos. Aquela região desértica foi palco de testes nos anos 50 e os mineiros da área recusaram-se a deixar as suas casas. Escondendo-se nos subterrâneos das minas, escaparam à extinção, mas não a transformações genéticas e mentais que pelos vistos duraram décadas (é que nada nos é dito sobre a trama nao se tratar no presente, ou seja, cinquenta anos depois...). E vivem este tempo todo sem número de contribuinte nem pagarem segurança social. É de loucos!
O filme original tinha um quê de sátira social, em que os primitivos mineiros lunáticos tinham feito progredir a espécie sem recurso a mães de fora e os heróis/vítimas eram citadinos educados e habituados à tecnologia, sendo o combate entre dois tipos de família nuclear (passe o pleonasmo). Mas nesta nova versão nem se percebe que os maus sejam uma família, já que raptam bebés de viajantes (com aspecto normal) e só se vê uma mulher mutante (feia e careca, mas com aspecto humano - só é mutante porque está numa cadeira de baloiço a pentear uma boneca, LOL). Humanos contra mutantes, venha o Diabo e escolha. "X Men III" tem o mesmo tema.
Em suma, falta faísca a este remake. A história é um charco de clichés e até onde se afasta do original de 1977 piora as coisas. A acção pretende ser um electrizante poço de medo e tortura, mas demora demasiado a arrancar e depois a entrega é demasiado discreta (não basta ser feio como a noite e ter um machado nas mãos, há muito que isso não impressiona de per si).
Se não há faísca, se não há paixão, para quê repetir um filme que nunca foi sequer uma meca do terror? O realizador apenas trazia na carteira o filme "Alta Intensidade", um exercício em euro-terror em que também não escapava um único cliché. Abaixo Alexandre Aja, rei do Terror Cliché!

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