A história de Sweeney Todd circula pelos palcos britânicos desde 1847 e tem sido rescrita a cada adaptação dramatúrgica. Christopher Bond contextualizou-a para um pequeno teatro no West End em 1973, incorporando nela elementos do Conde de Monte Cristo e da tragédia jacobina, onde o compositor Stephen Sondheim assistiu a uma representação e decidiu transformá-la num musical (o que só viria a suceder em 1979). Mas um compositor precisa de um director, e foi da ideia de obsessão de Sondheim, moldada pela achega de Harold Price (sobre a dinâmica envenenadora do capitalismo na revolução industrial), que nasceu a verdadeira força de Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco de Fleet Street. Indispensável foi ainda o contributo de Hugh Wheeler de humanizar um personagem que à partida seria vaiado de cada vez que entrasse em cena: era necessário elevar o melodrama ao conceito de tragédia.
Pautada pela vingança, a história do barbeiro demoníaco (a distribuidora portuguesa optou por terrível) marca assim o retorno de um profissional da navalha, injustamente condenado por um crime que não cometeu, devido à avareza de um juiz que lhe cobiçava a mulher. Homem psicologicamente mudado por 15 anos de cativeiro, instável e sedento de retribuição, encontra em Ms. Lovett, pasteleira de ofício, que se torna sua senhoria e amante, a cúmplice ideal para os homicídios tresloucados na barbearia. Ele mata os clientes e ela transforma-os em pasteis de carne. A isto se chama um casamento saboroso, leia-se, de conveniência.
Quanto às verdadeiras origens do serial killer da gilete, a referência imediata é Jack, O Estripador, mas a alusão a um barbeiro e a uma pasteleira reconduz-se a um crime real ocorrido em Paris, circa 1825, com os mesmos recortes canibais a incorporarem os pasteis de Ms Lovett. Em vão tentou, porém, e dois livros lhe dedicou, o historiador Peter Haining provar a existência de um verdadeiro Sweeney Todd.
Tim Burton é um realizador de cinema que prima pelos protagonistas sombrios. Deu asas a Batman, tesouras a Edward, uma bicicleta a Pee-Wee e uma camisola de angorá a Ed Wood. Indeciso sobre a arma a dar a Johnny Depp na sua última colaboração (é a sexta), deu-lhe duas: a navalha e a voz. Assim, enquanto mata os seus clientes com a lâmina, pode fazer o mesmo à audiência que não leve earplugspara o cinema.
A presente adaptação baseia-se exclusivamente no musical de Stephen Sondheim, mas não inclui todas as canções nem consegue dar a impressão de que, do acto I para o acto II, há um intervalo de semanas. Assim, precisa ainda de mais corda o filme do que o musical, visto que tudo acontece aos tropeções e sem qualquer apego à credibilidade. Atreve-se a deixar de fora elementos cruciais, como quem separa a carne do osso na construção de uma tarte e se esquece de que uma boa história precisa de um esqueleto. E, devido a uma certa montage de sucessivas gargantas cortadas ao serviço, cabe perguntar se realmente havia tão grande clientela a querer fazer a barba à noite, à luz de velas, num estabelecimento que nem tabuleta tinha à porta.
E que estranho não foi ouvir Ms. Lovett chamar Sweeney Todd de Mr. T, como se esse nome não tivesse já direitos de autor. Ou que, pelos meus cálculos, as vítimas que escorregam da cadeira não deveriam cair num fosso que conduz à cave, mas estatelarem-se no meio da pastelaria, situada directamente por baixo da barbearia. Enfim, num filme tão mal calculado, o que é mais um erro ou outro?
Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street 2007
Obrigado por partilhares da minha visão!!!
ReplyDeleteQue ideia mais triste teve o Tim Burton de fazer um musical com isto... se tivesse feito um filme sério seria possivelmente algo memorável agora assim foi mesmo para esquecer!
Resta saber se o Tim Burton sabe fazer um filme sério, porque até o Batman meteu uma cena final com balões, uma pistola que abate um avião e um criminoso que se diverte a atirar baldes de tinta a peças de museu :P
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