Monday, March 19, 2012

Rosewood Lane, de Victor Salva

 
Filme de suspense para chorar. Para chorar este cineasta que nunca chegou a ser, por infortúnio e mea culpa. Victor Salva começou a realizar curtas-metragens aos 12 anos e foi uma delas (Something in the Basement), multi-premiada, que despertou o interesse de Francis Ford Coppola, que produziu a sua primeira longa-metragem (Clownhouse – Eles Matam, 1989) e lutou por que a Disney lhe entregasse o seu primeiro filme de estúdio (Powder – Poder Especial, de 1995). Ambos filmes foram manchados pela prisão por pedofilia de Salva que, com trinta anos, terá filmado actos sexuais com o protagonista de doze nos bastidores de Clownhouse, sendo que o actor fez campanha contra Powder, o que foi difícil para a Disney, direccionada para o público infantil. Isto não impediu que A Natureza da Besta (1995) fosse o direct-to-video mais visto da New Line nesse ano ou que Jeepers Creepers (2001) fosse uma inesperada e arrepiante surpresa boa.
 
Rosewood Lane chega depois de ter escrito um episódio da sérieMestres do Terror (2008), mas é tão pedestre e anónimo que seria preferível estar assinada por Alan Smithee. Um bom realizador costuma ser capaz de dar a volta por cima a um mau guião, mas aqui a responsabilidade é a dobrar, já que também assina a história, que se resume a isto: uma psicóloga vai morar para a casa que pertenceu ao pai e é alertada por um vizinho de que o rapaz da bicicleta que faz a entrega de jornais na zona é má rês. A partir daí, o rapaz começa a incomodá-la, aparecendo-lhe dentro de casa diversas vezes e chegando a empurrar-lhe o ex-namorado pelas escadas abaixo. A polícia é compreensiva, mas não pode fazer nada por ela, já que o rapaz é menor e os pais lhe servem de álibi.
 
O mais importante neste filme seria criar uma atmosfera de tensão e que o adolescente de bicicleta parecesse realmente maligno. Mas o primeiro defeito começa na escolha do actor: Daniel Ross Owens não só não sabe representar, como tem 28 anos, o que o torna totalmente errado para o papel. E o mais estranho é que Victor Salva insiste nele para o seu próximo filme, Haunted (2012), actualmenteem produção. Nada disto parece tornar recomendável Jeepers Creepers 3 (2013), ainda em pré-produção.
 
Mais assustadora do que um adolescente de 28 anos, a protagonista Rose McGowan tem um corpo estranho a apoderar-se-lhe da cara. A actriz, de 37 anos, reforçou as cirurgias plásticas que já tinha iniciado em 2007, ostentando um aspecto envelhecido, com os cumprimentos do exagero de botox nas faces e colagénio nos lábios.
 
Não importa quantas vezes se coce a cabeça, a aposta em Rosewood Lane é incompreensível. Mais parecido com um telefilme de baixo orçamento e servido por actores de TV (Rose McGowan, Ray Wise, Lauren Velez e Leslie Anne-Down), é inepto em todos os sentidos, nomeadamente na capacidade de destilar apreensão ou medo, quanto mais curiosidade numa trama que, no final, fica por explicar. Sim, porque uma cena com os pais do adolescente mostram um actor diferente e, no funeral do desfecho, aparecem dois gémeos, uma amostra do que, aparentemente, seriam trigémeos, antes de um ramo de árvore amparar a queda de um deles. Uma estupidez do início até à gargalhada final do vilão. O compositor de Jeepers Creepers 1 e 2, Bennett Salvay, apresenta uma partitura moderadamente inspirada.
 
Rosewood Lane 2011

A Mulher de Negro, de James Watkins

 
Depois de dez anos a voar de vassoura, Daniel Radcliffe largou o manto de invisibilidade e viu-se que era adulto, ainda que da altura de um hobbit. Apesar desta desconcertante condição, o actor encontrou trabalho e o director de fotografia baixou o tripé. A Mulher de Negro baseia-se no livro homónimo de Susan Hill, publicado em 1983 e adaptado por Jane Goldman no seu primeiro trabalho a solo (anteriormente co-guionista de Stardust, Kick-Ass e X Men Primeira Classe).
 
O filme é produzido pela Hammer Films, fundada em 1934 e que teve os seus títulos memoráveis entre os anos 50 e 70, lançando nomes como Peter Cushing, Vincent Price e Christopher Lee. Após três décadas de interrupção e de ser vendido duas vezes (em 2000 e em 2007), o estúdio recomeçou, lentamente, a filmar, mantendo a fidelidade ao género que sempre melhor o definiu: Wake Wood(2008), Deixa-me Entrar (2010) e The Resident (2011) foram os resultados medianos antes de A Mulher de Negro.
 
Para este último, foi escolhido James Watkins, um nome que fez algumas ondas com o seu filme de estreia, Eden Lake – Lago Perfeito, mas ondas num lago não duram muito, a somar à desilusão que já era como guionista (My Little Eye e A Descida Parte 2). De cruz, Watkins assinou aqui uma história de fantasmas edwardianos que regurgita todos os clichés aglutinados por M. R. James, já no início do século XX.
 
Uma pequena localidade rupestre britânica, dada a nevoeiros e dilúvios enlameados, alberga uma terrível maldição. Desde que a Senhora do Casarão da Península ganhou o título simplificado de A Mulher de Negro, quem põe os olhos nela despoleta a morte de uma das crianças locais. Esse medo é reacendido pela chegada de um advogado citadino, que vem inventariar os papéis da dita e que tem tudo a perder, já que, se não serenar a bruxa nos próximos três dias, o seu filho poderá ser a vítima seguinte.
 
Sôfrego a agarrar o público, o realizador precipita-se na exposição de todos os pontos-chave da trama: três crianças saltam para o precipício e, antes de termos tempo para respirar, já podemos responder a um questionário sobre o protagonista: a sua esposa faleceu há quatro anos, ao dar à luz, e o viúvo ainda não recuperou completamente, ao ponto do processo que a firma lhe colocou nas mão ser a última oportunidade que lhe dão. Nessa época, o desemprego já não era motivo de alegria. Tendo de ausentar-se para terras da Mulher de Negro, pai e filho combinam o reencontro para sexta-feira, já que o ar do campo poderá fazer bem a ambos. E a caminho ele se mete, no comboio que o levará ao lugarejo onde vai desmontar os valores de produção.
 
A Mulher de Negro é um filme de terror tradicional. Coerente, mas sem originalidade, não tem nada a oferecer para além da competência narrativa e da surpresa que foi ver Daniel Radcliffe reproduzir um Hugh Jackman em miniatura. A quem o género for familiar, não só o filme não trará novidade, como manter-se-ão um passo à frente dos personagens.
 
The Woman In Black 2011

A Presa, de Joe Carnahan

Um avião cai nas paisagens inóspitas do Alasca e um grupo de sobreviventes é perseguido por uma alcateia de lobos, que os abate um a um, diminuindo-lhes o número e a esperança. A este one trick poney se reduz A Presa: neve e lobos.
Ian MacKenzie Jeffers adaptou o próprio conto Ghost Walker a meias com o realizador Joe Carnahan, que contratou Liam Neeson para protagonista depois de trabalhar com ele em Soldados da Fortuna, de 2010. O filme segue o percurso dos sobreviventes e os seus esforços por manterem o inimigo à margem, enquanto caminham para a civilização, em condições adversas, e debatem a natureza impiedosa de um Deus das falsas esperanças vs. inexistência do Senhor. Nada de novo e nada de mais.
The Grey 2012

Mientras Duermes, de Jaume Balagueró

Jaume Balagueró licenciou-se no género fantasmagórico com o excelente Os Sem Nome (1999) e, entretanto, obteve o doutoramento através de provas dadas com Escuridão (2002), Frágeis (2005) e doisRec (2007 e 2009). O sucesso deste último título, sobre um prédio em quarentena sob ataque de zombies, conduziu a um remakeamericano e respectiva sequela. O cineasta está de volta, com um novo thriller, também passado quase integralmente no interior de um edifício, mas isento de elementos sobrenaturais. Excepcionalmente, não assina o guião, que é obséquio do amigo Alberto Marini, produtor executivo de Escuridão e Frágeis.
Enquanto Dormes é um filme inquietante, um exercício de suspensefocado na mente retorcida do porteiro de um prédio residencial. À superfície, trata-se de um homem normal, que visita diariamente a mãe no hospital e cumpre os seus deveres profissionais com diligência. Contudo, tem um método muito peculiar de relaxamento: para além de enviar cartas anónimas de conteúdo perturbador à bela condómina do 5ºB, todas as noites se esconde debaixo da cama dela até ela adormecer e, num manto de impunidade, desdobra-se em maldades, que incluem a adulteração dos seus produtos de beleza, provocando-lhe irritações na pele, e outras de contornos mais negros.
O domínio de Balagueró está em manter a curiosidade centrada nas motivações do protagonista. Porque atormenta ele esta condómina? Terá a ver com um dos relatos que se ouve na rádio durante o genérico, onde um homem diz que, sem os filhos, perdeu a razão de viver, prender-se-á com a mãe incapacitada, haverá outra razão lógica, ainda por descobrir, ou é ele, pura e simplesmente, psicopata? A explicação, depois de muita tensão, não falta. Enquanto Dormes agarra a atenção da audiência de forma impiedosa, ainda que não lhe faça gelar o sangue. Luis Tosar e Marta Etura asseguram representações convincentes.
Mientras Duermes 2011

Ao Lado da Pianista, de Denis Dercourt

Mélanie, uma aspirante a pianista de 10 anos de idade, treina incansavelmente para a audição de aceitação ao Conservatório de Música mas, quando a Sra. Fouchócourt, do júri de admissão, se predispõe a assinar um autógrafo durante o recital, a pequena desconcentra-se e é rejeitada. Isto faz com que baixe a tampa do piano e substitua o seu objectivo. A oportunidade de vingança surge dez anos depois.
Escrito e realizado por Denis Dercourt, Ao Lado da Pianista conduz o seu mistério de forma lenta e concertada, aproveitando bem os cenários, a música e a relação de dependência entre as personagens, mas vive demasiado à custa de coincidências. A personagem de Mélanie, dez anos depois de ter sido recusada pelo Conservatório, ao qual nunca mais tentou ingressar, vai estagiar para o escritório de advogados do marido da Sra. Fouchócourt e oferece-se para tomar conta do filho dele durante o verão, período em que a esposa se prepara para alguns concertos radiofónicos importantes para a sua carreira, e encontra-a pouco confiante por causa de um recente acidente rodoviário. Tudo lhe corre de feição. Ganha a afeição da pianista e até faz rolar entre ambas uma certa atracção lésbica, apenas de modo a poder dar a estocada final em toda a família Fouchócourt: ausenta-se do seu papel de vira-pautas num momento crucial e a prestação da pianista ressente-se, mas ainda assim esta declara o seu amor pela jovem por escrito e esta fá-lo ler ao marido, destruindo assim a harmonia do lar e ainda magoa as mãozinhas do menino ao ensiná-lo a tocar depressa demais.
Sobram as representações excelentes de Catherine Frot e de Déborah François (também por lá anda Pascal Greggory, mas muito secundário) e a banda sonora de Jerome Lemonnier, que enquadra bem as faixas de Chostakovitch, Schubert e Bach.
La Tourneuse de Pages 2006

O Dedo Anelar, de Diane Bertrand

Inspirado no livro de Yoko Ogawa, O Dedo Anelar foi escrito e realizado pela francesa Diane Bertrand, que talvez alguém recorde deUm Sábado na Terra (1996). Enganadoramente, apresenta-se como um thriller erótico, mas está longe disso. Ainda que invulgar e curioso, é mais correctamente descrito como uma viagem ambiental sobre um território inquietante.
A personagem central, Íris, perdeu a ponta do dedo anelar na passadeira de montagem de uma fábrica de refrigerantes e procura novo emprego, divagando sozinha por sítios inóspitos (por exemplo, num estaleiro), aos quais a câmara de Alain Duplantier tira cauteloso partido. É por acaso que dá por si junto a um laboratório e se torna aí recepcionista. Simultaneamente à fria atracção que desenvolve pelo patrão, partilha o quarto de hotel com um marinheiro sem nunca se cruzar com ele, pois têm os horários cruzados: ele ocupa o quarto de dia e trabalha à noite; na véspera de embarque, quase invertem a situação, mas a concretização é frustrada.
O local de trabalho é um velho casarão perdido num bosque, ao qual Íris tem de chegar por ferry. A câmara não se detém muito no cenário exterior, preferindo a idade das paredes e o vazio interno. O laboratório é composto por corredores delapidados e escadas de madeira com corrimãos de ferro, quartos fechados e uma pequena piscina seca na cave. Anteriormente um albergue, mantém ainda duas hóspedes de idade, mas é dada a indicação de que há mais de 300 quartos e apenas um vazio, ocupado outrora por uma ex-recepcionista. Os diálogos são enigmáticos e esparsos, com alguns perto do final despudoradamente óbvios, mas nenhum chega a esclarecer os mistérios que circulam pela habitação.
O laboratório é especializado na preservação de objectos, que o perito chama de espécimes, e que define como coisas que as pessoas querem salvar, por motivos sentimentais, mas têm de esquecer para poderem prosseguir com as suas vidas. Uma menina quer conservar cogumelos que cresceram nas cinzas da sua casa incendiada, uma mulher a música de uma partitura, um velho oriental o seu tabuleiro de mahjong. Esses objectos não são restituídos ao donos, mas estes podem visitá-los se o entenderem. O que torna o negócio ainda mais bizarro.
A história é vaga e surreal, diluindo-se em matéria para conjunturas, mas a realizadora não dá mais do que pistas errantes para conclusões nunca abordadas, se é que as ambicionou. Essa indeterminação, em última análise, falha o filme enquanto história, pois tantas pontas soltas assumem-se como um trabalho incompleto, apenas esboçado. Podia ter sido mais.
Neste quadro de mistério e coqueteria visual, as melodias de Beth Gibbons, rosto feminino da banda Portishead, são como uma chuva de brilhantes que consolida o todo de forma deliciosa, faltando apenas mencionar o impressionante tour de force de Olga Kurylenko, estreia da bela actriz de Hitman (2007) e Quantum of Solace (2008). É a expressividade do seu rosto que encanta o cinéfilo, com o lamento de que o seu corpo seja desamparado pela má gestão de Diane Bertrand, que não consegue invocar o erotismo para além da embaraçada exposição da modelo. O enigmático e hirto Marc Barbé, como o responsável pelo laboratório, podia ser sósia de Aidan Quinn.
Quanto ao enredo, na sua etérea digestão, presta-se ao inquisitivo da temática e à multi-interpretação do desfecho. Terá sido tudo um sonho? Afinal, Íris desmaia após perder um dedo na fábrica e o filme termina quando ela parece ter feito as pazes com esse trauma, descalçando os sapatos oferecidos pelo patrão e saindo para a luz, leia-se realidade. Mas, também pode concluir-se que ela é a recepcionista do quarto vago, que o patrão soltou para “arejar” e que no final volta para a prateleira. Duas conclusões antagónicas, com espaço para mais, ficando o catálogo aberto para quem vier a seguir.
L’Annulaire 2005