Friday, December 19, 2008

Eden Lake, de James Watkins

O argumentista de O Olho Que Tudo Vê (2002), Gone (2007) e A Descida 2 (2009), em 2008 sentiu-se com coragem de realizar e o resultado foi Eden Lake. Cabe esclarecer que O Olho Que Tudo Vê era um thriller pindérico que ia a reboque dos concursos em formato reality show e Gone um inane road movie com um psicopata de cartilha. A Descida 2 terá a tarefa ingrata de suceder a uma pequena obra-prima de terror (A Descida, de Neil Marshall, 2005) e irá com certeza desiludir.

Eden Lake é, como as restantes obras mencionadas, uma desilusão. Impressionado com o facto de as criaturas malignas do filme francês Eles (2006) serem adolescentes, decidiu atirar um casal londrino para um fim de semana de campismo selvagem, desconhecedor do quão selvagem este iria ser. O casal monta tenda numa praia situada algures por trás de um imenso pinhal e é incomodado por um grupo de jovens barulhentos, mas não satisfeito com uma primeira noite cheia de apreensões, decide ficar e repetir a proeza. Primeiro erro? Infelizmente, não. Antes desse, já outros se tinham verificado e qualquer pessoa com o mínimo de juízo teria feito as malas e ido procurar outro poiso. Talvez por isso, é tão difícil simpatizar com o casal protagonista, mesmo depois de os problemas começarem. Há algum suspense e emoções tépidas, mas a intenção de manter um tom realista na perseguição montada faz com que não se assista a nada de novo. Na recta final, a protagonista acaba por dar muito pouca luta e o desfecho, em vez de ser chocante, é patético. Além disso, custa a acreditar que seis adolescentes de famílias diferentes estejam fora de casa mais de 24 horas sem que nenhum dos pais queira saber deles, nem sequer da rapariga do grupo.

A actriz Kelly Reilly está muito querida em As Bonecas Russas (2005), mas em regra é embirrante e antipática, como em A Residência Espanhola (2002) e Ms Henderson Presents (2005). Em Eden Lake, faz de parvinha, o que não é um passo na direcção certa. Michael Fassbender, de 300 (2006) e Fome (2008) também não é empático. E isto é o pior que podem ser as vítimas de um filme de perseguição por quem devemos torcer.

Eden Lake 2008

Saturday, December 6, 2008

Rovdyr, de Patrik Syversen

Com apenas 73 minutos de duração, Rovdyr é a versão norueguesa do survival horror, sub-género de terror em que um pequeno grupo de jovens é perseguido numa floresta por caçadores furtivos e tem de lutar pela sobrevivência. Infelizmente, ao cabo de mil variações do tema, Rovdyr não apresenta uma única novidade, ficando-se inclusivamente entre os menos inspirados. Tecnicamente competente ao início, acaba por revelar-se como um projecto sem ambições, cuja construção do suspense é desbaratada por um desenvolvimento vulgar. Os maus não abrem a boca e os bons fartam-se de berrar. Absurdo é o facto de os maus serem apresentados como super-homens na sua primeira aparição, mas rapidamente se tornarem idiotas sem uma estratégia de caça e passíveis de serem facilmente caçados, inclusivamente abandonando armas em locais acessíveis.

Fica a curiosidade de este ser o segundo slasher produzido na Noruega (O primeiro foi Fritt Vilt, 2006) e o segundo a ter classificação de Interdito a Menores de 18 Anos (o primeiro foi Naboer, 2005). A banda sonora está a cargo do inglês Simon Boswell, que já compôs para Danny Boyle (Pequenos Crimes Entre Amigos) e Clive Barker (O Senhor das Ilusões), mas aqui o seu segredo é não se ouvir.

Rovdyr 2008

Quarentena, de John Erick Dowdle

É muita lata o realizador John Erick Dowdle atribuir-se créditos de argumentista (e à sua mulher Drew) quando Quarentena segue, sem desvios, o original [Rec], de que é o remake directo. Ainda mais incompreensível é a sua existência, sendo [Rec] um filme espanhol do ano passado, com distribuição internacional, nomeadamente nos EUA (por muito que custe aos americanos ler legendas).

A premissa de [Rec] era simples. Uma jovem repórter de TV iria acompanhar dois bombeiros numa missão de rotina e dar por si fechada num prédio com uma população crescente de zombies. Tratava-se então de gerir o suspense durante sensivelmente uma hora, com a totalidade da filmagem a fazer-se pela objectiva do cameraman.

Quarentena decide fazer o mesmo, mas à americana. O que nunca é bom sinal. Em vez da querida e amorosa Manuela Velasco no papel da repórter, temos uma embirrante e histérica Jennifer Carpenter (Dexter e O Exorcismo de Emily Rose), que em vez de dizer «Hola, soy Angela Vidal» pronuncia o apelido como Vaidél. Os bombeiros, pelo aspecto dos seus bíceps, passam mais tempo no ginásio do que a apagarem fogos. Os moradores do prédio, em vez de serem pessoas anónimas, são quase todos actores reconhecíveis por um ou outro papel. Assim, perde-se de imediato a ideia de estarmos a assistir a algo real. Os bombeiros são Jay Hernandez (Hostel) e Jonhathon Schaech (Road House 2, 8MM 2, duas sequelas apenas no título), o cameraman é Steve Harris (The Practice e O Rochedo) e os moradores incluem Rade Serbedzija (O Santo e Missão Impossível 2), Greg Germann (Ally McBeal) e Marin Hinkle (Começar de novo). Em vez de concentrar a atenção na história, é um erro permitir que tantos rostos distraiam a atenção.

É impossível não tecer comparações face a um remake tão apressado. Sem a frescura snuff de [Rec] nem o companheirismo entre a repórter e o cameraman, o espectador sente-se menos inclinado a ter empatia por ela. Enquanto que no original os inquilinos se reúnem voluntariamente no átrio do prédio, aqui são obrigados a sair dos seus apartamentos sem justificação lógica. Em vez de tentaram organizar-se, os sobrevivente parecem baratas tontas. No final, o antigo gravador de bobinas que facilitava alguns esclarecimentos confusos, limita-se a dar estática.

Para quem viu [Rec], Quarentena é como assistir ao Psicho de Gus Van Sant. Uma repetição cena-a-cena, sem a menor centelha ou emoção. E havia lugar a melhoramentos, porque [Rec] não é uma obra-prima, mas um vulgar filme de zombies num cenário diferente. Por exemplo, não faz sentido reproduzir a cena imbecil em que, depois de uma menina se ter transformado e mordido a mãe, o polícia se aproxima dela cheio de paninhos quentes e tenta dar-lhe a mão para levá-la para junto dos outros. Que polícia se ofereceria ao contágio com tamanha ingenuidade?

É legítimo perguntar se a versão de Hollywood tem melhores efeitos visuais, mas infelizmente o orçamento deve ter sido esgotado nos cachets. A solução foi a de abanar violentamente a câmara, técnica ancestral de realizadores de série Z para evitar a identificação de efeitos especiais demasiado económicos, aqui levada ao extremo, e poupar na electricidade, optando por lanternas. [Rec] manteve as luzes do prédio acesas, permitindo assim ver melhor o que se passava. Isso em nada prejudicou o suspense e evitou que tivesse de franzir-se tanto a vista à procura de pormenores.

Em [Rec], a criatura do clímax, iluminada por uma distorcida nightvision verde, era desproporcional, contribuindo isso para uma dose de inquietação, mas em Quarentine é apenas uma pessoa magra em cuecas. Com tudo isto, quando a repórter, histérica, grita que vão morrer, porque «eles não se ralam connosco», só me apeteceu dizer, com sotaque brasileiro, No, Michael, they don’t care about us.

Quarantine 2008

Fronteira(s), de Xavier Gens

Após um assalto, um grupo de skinheads em fuga pára num motel da França profunda e é perseguido, torturado e morto pela família de canibais que gere o espaço hoteleiro. Será um caso de maus que enfrentam piores, mas sinceramente não é o suficiente para criarmos qualquer empatia com as supostas vítimas. É mais uma versão de Massacre no Texas, ao ponto de incluir uma cena em que a única sobrevivente em fuga apanha boleia de um canibal que a traz de volta e ainda uma refeição em família com a nova aquisição feminina à mesa.

Uma vez desencantados com a pobreza do guião e com a montagem acelerada e cheia de efeitos e filtros de vídeo, não há gore que nos traga de volta a boa vontade. Película de sadismo engarrafado e histerismo em piloto automático, Fronteira(s) não respira o suficiente para haver lugar à criação de suspense. É tão grande a sua intenção de impressionar graficamente que o desequilíbrio é notório.

Próximo de Alta Tensão (Alexandre Aja, 2003) e Mártires (Pascal Laugier, 2008), Fronteira(s) também aposta em mulheres fortes, mas até isso já não é novidade desde os anos 70. Bem regado de sangue e desmembramentos, com resultados desiguais conforme os casos, é curioso reparar na aceitação cultural da violência mas que a pudicícia se mantém na nudez, ao ponto de se dar banho a uma mulher que mergulhou numa pocilga sem lhe tirarem a cueca e o soutien e a seguir deitarem-na já sem roupa numa cama lavada (mas cobrindo-lhe o corpo); não seria mais higiénico lavarem-na já nua?

Frontiere(s) 2007

Patologia, de Marc Schoeleman

Escrito e produzido por Mark Neverdine e Brian Taylor, as cabeças por trás de Crank, Patologia é um thriller passado na morgue. Um grupo elitista de estudantes de medicina, exibicionista e com evidente carga bad boy, decide adoptar o novo e ambicioso aluno da turma. O desafio é que, para além de esquartejarem cadáveres durante o dia, à noite cada um tem, rotativamente, de trazer um novo espécime para a mesa, ganhando pontos por originalidade homicida e dificuldade na determinação da causa de morte.

Mais post mortem do que torture porn, Patologia aproxima-se de um CSI em que os patologistas, com demasiado gosto pelo bisturi, antes de estudarem o morto, tiraram-lhe a vida. O argumento apresenta algumas surpresas inesperadas e bem vindas, como a dúbia moralidade do protagonista, que participa voluntariamente na onda de crime e sente falta da intensidade viciante da adrenalina e descarga sexual quando está com a namorada, uma mosquinha morta em comparação com a depravação a que se habituou. Infelizmente, são desperdiçadas as oportunidades de mergulhar nesse mundo que lembra as matilhas de vampiros de Near Dark, Os Rapazes da Noite e O Pacto, e ficamos com um projecto que tem medo de arriscar, não compõe minimamente um único personagem e desperdiça demasiado cedo o material, como o facto do chefe da matilha, frio e controlado, se tornar subitamente num desequilibrado histérico. Relativamente a este, é de notar a composição de Michael Weston, actor que ingressou na equipa do Dr. Gregory House para a quinta temporada da série, mas tem aqui um papel bem parecido com o do próprio House no que toca a ego e fanfarronice.

Marc Schoeleman não soube o que fazer com o material disponível e, qual projecto da geração pós-MTV, banqueteia-se no óbvio da camada rasa e, para mal dos seus pecados, confunde melancolia com tensão. Enquanto thriller, dispersa-se no grafismo de algumas autópsias e em meia dúzia de esgares, o erotismo assenta fugazmente na latente sensualidade de Lauren Lee Smith que não perdeu o hábito (a chef de A Letra L e ninfomaníaca de Vem Comigo) esquecido por Alyssa Milano (Poison Ivy 2, Embrace of the Vampire, belos tempos), aqui tão baça que mete dó. Milo Ventimiglia, o protagonista, já foi contratado para os próximos dois filmes da dupla Mark Neverdine e Brian Taylor, e filmou Patologia entre as duas primeiras temporadas de Heroes.

Pathology 2008

Saw V, de David Hackl

Já sem Darren Lynn Bousman ao leme (mas dirigiu a cena de abertura), a saga de Saw não dá mostras de abrandamento, tanto mais que conserva um personagem, no final, em posição para novo jogo. A realizar está o estreante David Hackl, que já era production designer da franchise desde Saw II e director da unidade de apoio desde o III.

Ao cabo de cinco películas, o conceito por trás de Saw continua a ser abraçado, desdobrado-se em esquemas de perpetuação da imagem de marca, chegando ao cúmulo de matar o cérebro das operações (Jigsaw) em Saw III, mas mantendo-o omnipresente até à data, através do rosto do fantasmagórico Tobin Bell. Os flashbacks permitem dar corpo a uma história inicialmente envolta em mistério e as revelações provam-se labirínticas o suficiente para que a lógica não se perca, oferecendo-nos um percurso iniciático cheio de nuances daquele que antes não passava de uma voz cavernosa em meia dúzia de cassetes áudio.

Desde Saw IV que a fórmula se articula em duas partes distintas, factor ignorado nos três primeiros tomos mas agora recorrente. Numa delas, tentam ligar-se os pontos soltos, descobrindo como os novos personagens não aparecem por acaso, já andando na sombra há muito tempo, e que os factos de Saw IV ocorreram paralela e simultaneamente aos de Saw III e os de Saw V imediatamente a seguir. É algo que pode ser encarado mais como um extra do que como um motor da acção, mas a curiosidade mórbida por árvores genealógicas encontra aqui satisfação. A segunda parte são os jogos de vida ou morte, que representam a raiz do título, sendo que Saw é um trocadilho entre puzzle (Jigsaw) e serra (saw). Desta vez, porém, o jogo não tem tempo para respirar. As etapas são apressadas e os jogadores demasiado automáticos nas suas reacções. Não perde a coerência, mas não tem a menor espontaneidade.

Em suma, Saw V não investe em nada de novo, apenas se limitando a agir em conformidade com aquilo a que os fãs se habituaram. Entre o comodismo e a inventividade, podia ser pior. Contudo, a produção em série extinguiu o factor surpresa. Até Charlie Clouser, antigo membro dos NIN e encarregue da banda sonora desde o início, limita-se a reciclar o tema original e a compor algumas variações mundanas.

Saw V 2008

Nas Costas do Diabo, de Guillermo del Toro

Blade 2 (2002) e Hellboy (2004) estabeleceram em Hollywood o realizador mexicano Guillermo del Toro, e não há dúvida de que ambos trabalhos apresentam uma solidez a toda a prova. Após ter visto Cronos (1993), o aclamado Pedro Almodóvar indicou a del Toro que pretendia produzir o seu filme seguinte. Em 1997, houve ainda tempo para Mimic, uma experiência irrepetível para o realizador, por causa das constantes discussões com o produtor Bob Weinstein (produtor do filme e dono da Miramax), num projecto que era para ter sido apenas uma curta metragem de 30 minutos.

Com produção El Deseo S.A., Nas Costas do Diabo é o filme que Guillermo del Toro apresenta como o irmão de O Labirinto do Fauno, uma história de fantasmas de uma pobreza estarrecedora, tão penoso de assistir como vácuo é de ideias.

Passado num infantário, durante a guerra civil espanhola, por onde vagueia um menino falecido desde a noite em que uma pesada bomba caiu de um avião mas não deflagrou, pairando esta ainda no pátio, como uma sentença de morte à espera de ser escrita. Ao lar doce lar dos meninos abandonados chega um novo órfão, daqueles decididos a solucionar mistérios, e entre essa pessegada e um empregado que divide o seu tempo como amante da directora do orfanato e a sonhar com o ouro que esta guarda no cofre, arrasta-se uma película sem a menor chama.

Optando por uma abordagem clássica e académica, o filme tropeça em todos os clichés do género, incluindo o do menino que se esconde no armário para não ser apanhado pela alma penada, que roda a maçaneta do lado de fora e se esquece que as almas penadas atravessam paredes. Se Marisa Paredes (musa de Almodóvar) e Frederico Luppi (que pudemos ver este ano em O Enigma de Fermat e já representara para del Toro em Cronos e em O Labirinto do Fauno), estão irrepreensíveis, infelizmente pouco contribuem para a história. É Eduardo Noriega (que Alejandro Aménabar dirigiu em Tesis e Abre Los Ojos) quem tem uma prestação sem a menor credibilidade, que recai unicamente em esgares e frases cuspidas sem determinação. Para piorar as coisas, é o seu personagem que faz despoletar todos os acontecimentos.

Para além dos pindéricos efeitos especiais em photoshop trial version, fica a questão: se o que a alma penada queria era vingar-se de um personagem específico e podia vaguear por todo o orfanato, porque desperdiçou inúmeras oportunidades de atacar alguém que nunca se escondeu?

El espinazo del diablo 2001