Tuesday, July 20, 2010

A Nightmare On Elm Street, de Samuel Bayer

Freddy Krueger é uma instituição. Infanticida de rosto queimado, humor corrosivo e uma luva com quatro lâminas soldadas, nasceu das mãos de Wes Craven e dos bolsos quase vazios do estúdio independente New Line. Oito longas metragens (incluindo Freddy vs Jason, 2003), uma série televisiva e dezenas de comics depois, volta ao cinema, para mais uma ronda, não de pesadelos, mas de bocejos.

Michael Bay, a repousar de Pearl Harbor (2001) e antes de sonhar em carregar as baterias dos Transformers (2007), decidiu dedicar a sua produtora Platinum Dunes a remakes de terror dos anos 70 e 80.Massacre no Texas (2003), Amityville (2005), Terror Na Auto-Estrada(2007) e Sexta-feira 13 (2009) precederam Pesadelo em Elm Street(2010). Com Leatherface, Jason Voorhees e John Ryder em carteira, admira que não tenha conseguido apropriar-se de Michael Myers (Halloween, 2007).

Pesadelo em Elm Street (1984) foi o primeiro filme da produtora New Line, até então mera distribuidora de celulóide alheio. Abraçando o projecto enquanto estúdio, viu-se em sérias dificuldades financeiras e chegou às portas da falência. A dada altura, as filmagens chegaram a parar por falta de financiamento, mas com recurso à imaginação e à criatividade, até uma tela de spandex simulou uma parede através da qual o rosto do mal tentava atravessar o tecido da realidade. O eventual sucesso do filme e o estatuto de culto que atingiu permitiu à New Line dedicar-lhe seis sequelas e auto-intitular-se de A Casa Que Freddy Construiu.

Para o remake, Michael Bay escolheu Samuel Bayer, não aceitando as suas negativas até este sucumbir à proposta. Realizador devideoclips para bandas como Garbage, Cranberries, Green Day e Blink 182, a sua inexperiência em longas metragens faz desta aposta uma autêntica roleta russa. Apesar disso, a confiança de Michael Bay nele foi tal que o contrato com a Platinum Dunes o coloca à frente de mais dois projectos, nomeadamente Fiasco Heights (2011) e Pesadelo Em Elm Street 2 (2012).

Samuel Bayer não era a pessoa indicada para trazer Freddy Krueger das cinzas. Nem é o facto de ser estreante, o qual poderia revelar-se irrelevante na face de méritos evidentes, mas o indesculpável autismo relativamente à sensibilidade exigida por este género cinematográfico. A condução do suspense, no território do terror, não se prende com a descoberta de um mistério mas, essencialmente, em criar um desconforto tal que faça o público recear pelos personagens e saltar a qualquer ruído ou movimento súbito. Convém frisar que este requisito tem de, impreterivelmente, ser controlado pelo realizador e não ser desviado, como uma nota de segundo plano, para o departamento de efeitos sonoros ou para o compositor.

Uma das razões para a longevidade da saga foi, sempre, a emanação de carisma por atrás da máscara. Mais do que os adereços (luva, chapéu e cara queimada), o que cativava em Robert Englund era o seu porte, o modo como se conduzia em cena, a linguagem gestual e o olhar. Cândido e simpático actor de cabelos loiros encaracolados (assim o recordavam os espectadores da série V, entre 1983 e 1984), Englund libertou-se desse fardo ao interpretar o assassino indestrutível. Ao contrário dos congéneres Michael Myers e Jason Voorhees, Freddy era capaz de expressar oralmente o seu ódio e não tinha pejo em mostrar o rosto. O chapéu, em vez de ocultar-lhe as feições gretadas, constituía um sinal de vaidade. O remake não quis seguir a via das oneliners mordazes do personagem, opção desconcertante, se tivermos em conta que um sádico em posição de poder gosta de rebaixar as suas vítimas através da chacota, é uma necessidade básica do prazer que retira da humilhação do outro. Gozar com alguém é um sinal de crueldade. Concede-se que o Freddy de Wes Craven não teve muitas oportunidades de fazer standup, mas também é certo que ele não era o herói do filme, mas o monstro que se ocultava na sombra. Heróis eram os adolescentes que tentavam perceber o que lhes estava a acontecer. Era com esses adolescentes que nos sentíamos identificados e quem queríamos que vencesse o duelo final. Para isso, era imprescindível criar empatia, eles tinham de parecer pessoas normais numa situação improvável. E não é assim tão difícil para um realizador consegui-lo; Chuck Russell, convidado a dirigir a terceira instalação (1987), fez com que nos preocupássemos com cada uma das vítimas do filme, através da construção de características individuais a cada uma delas.

Assinalados que ficaram os pontos principais do sucesso de Pesadelo Em Elm Street, aos quais se acrescenta a cereja no topo do bolo (as mortes mais criativas e impressionantes que a imaginação pode garantir), cabe analisá-los no remake. E o panorama é desolador. Primeiro, o actor. Jackie Earle Haley pode ter sido uma estrela televisiva infantil (com carreira iniciada em 1972) votada ao esquecimento e resgatada por Pecados Íntimos (2006), mas quem acha que este anão foi imponente como Rorschach, em Watchmen(2009), esquece-se que o que ele tinha de ameaçador era não se ver que era ele (gabardina com chumaços, chapéu, luvas e máscara). Como Freddy Krueger, Haley fracassa a todo o comprimento (e altura). A modulação de voz (que já praticava em Watchmen) assemelha-o ao Batman de Christian Bale (algo que já não funcionava em Bale) e, de guarda roupa e maquilhagem, não escapa ao ridículo. A máscara, só por si, não tem o potencial ameaçador da de Pesadelo Em Elm Street III e IV (as melhores, porque a partir da Parte V as opções nesse campo foram no sentido da simplificação e do encurtamento de tempo de aplicação, em detrimento da qualidade do efeito). Pode a nova versão ser mais realista, mas retira toda a expressividade ao rosto do actor e quase não lhe permite abrir os olhos. Roubado da verbosidade camp, Jackie Earle Haley teria de apostar grandemente na pose. E esta fracassa. Freddy Krueger não deveria ser um leprechaun de ombros estreitos e baixa estatura, sem a menor credibilidade a não ser porque o argumento o impõe. Na sequência em que Thomas Dekker (Jessie) se encolhe todo só pela mera presença de Freddy, a única questão que se coloca é a da incompreensível cobardia do adolescente, porque Haley, pura e simplesmente, não mete medo.

O argumento não é capaz de decidir-se entre a recauchutagem do original e a introdução de elementos novos. Uma vez que todas as sequelas seguiram o fio condutor básico de um grupo de adolescentes a ser atacado nos seus sonhos, a primeira metade do filme dá exactamente essa sensação, a de não passar de mais uma amorfa sequela, desinspirada e anónima, a recordar algumas cenas bem familiares, mas nunca com a mesma frescura. O ensemble juvenil é um saco de fantoches, que vão sendo retirados aleatoriamente do mapa sem que se chegue a conhecê-los ou a sentir nada por eles. Quando finalmente sobram dois, a indiferença é total.

Em vez de ser um infanticida, Freddy Krueger é, agora, pedófilo. Não há grande novidade, já que essa era a ideia inicial de Wes Craven, abandonada por receio de censura (Silent Night, Deadly Night, estreado na mesma altura, foi alvo de piquetes de pais por o seu assassino se vestir de Pai Natal e retirado antecipadamente das salas). O que é nova é a possibilidade de Freddy ser inocente das acusações. O que poderia ter sido interessante, se bem conduzido. Mas o guião de Wesley Strick e de Eric Heisserer não acertou em nada. Assiste-se a uma total ausência de realidade, ao ponto de se duvidar se não é tudo um sonho enfadonho, do qual pode acordar-se saindo rapidamente do cinema. O excesso de mise-en-scéne, por parte do realizador, e de teatralidade nas representações despe a película da sensação de quotidiano, fundamental a que se sinta a diferença entre este e os sonhos. Aqui, os personagens não convivem, não existem. Estão lá apenas para deambularem, como figurantes, até serem mortos. Na impossibilidade de nos identificarmos com eles, resta apenas o vazio de uma fórmula transformada em indigesto videoclip.

Pesadelo em Elm Street (2010) torna flagrante o quão dispensável realmente era fazer-se um remake. O original é uma obra coesa, que continuará a ser lembrada por muitos anos, enquanto que a nova versão revolta o cinéfilo pelas péssimas opções tomadas. Desajustadas foram as escolhas de realizador, argumentistas e actores. Para além de Jackie Earle Haley, incorrecta foi também a contratação da anoréxica Mara Rooney (Heather Langenkampf permanecerá nos nossos corações como a única e verdadeira Nancy) e dos emos Thomas Dekker e Kyle Galner. À crítica escapa a bela Katie Cassidy e os veteranos Clancy Brown e Connie Britton, tão secundários que até dói.

As cenas do original que são revisitadas são: a morte de Kris/Tina no tecto do quarto (mais curta e menos impressionante, mas os cortes no peito não desmerecem), a cena da banheira (que, no entanto, é interrompida antes que o Freddy a puxe para o fundo), Kris embrulhada em plástico no corredor da escola (mas Nancy não a segue), a mãe de Nancy é puxada para o mundo dos sonhos (no original, através da janela da porta, aqui através do espelho) e Jessie é atravessado pela luva de Freddy (como Jesse não apresenta as costas da camisa rasgada, como seria o caso se Freddy realmente atravessasse o seu corpo com as lâminas, suponho que a revisitação seja de Pesadelo Em Elm Street II, onde, por duas vezes, Freddy ataca do interior do corpo da vítima para fora).

Entre as cenas novas, conta-se o flashback da morte de Kruger. Trôpego e pouco emotivo, com Jackie Earle Haley a mostrar-se assustado e cobarde, em vez de um homem odioso em pânico por se ver acossado e em perigo. Isso confere algum sentido à ideia da sua inocência, mas conflitua com as revelações finais e com a maldade pura que se espera do título. Entre as incongruências do guião (e já nem falo da prova de natação, em que o nadador adormece e sonha, enquanto o corpo se afoga), encontra-se o ataque de Freddy a Nancy, no jipe. Apesar de ele a arrancar do assento para o parque de estacionamento chuvoso, ela acorda dentro do veículo e não no chão (em oposição, quando Kris é morta, Jessie vê-a cirandar pelo tecto e não a estrebuchar na cama – se numa situação o que acontece no sonho acontece na vida real, porque é que isso não acontece na outra?).

A Nightmare On Elm Street 2010


The Killing Room, de Jonathan Liebesmann

O terceiro filme de terror de Jonathan Liebesmann (Darkness Falls, 2003, e Massacre no Texas: O Início, 2006) continua a não trazer nada de novo ao género. Desta feita, o enredo lembra vagamente O Cubo (Vincenzo Natali, 1998), mas com uma única célula e sem o apoio de qualquer ciência exacta. Um grupo de quatro desconhecidos é conduzido a uma sala branca onde as mesas e as cadeiras estão aparafusadas ao chão. Tendo respondido a um anúncio de uma farmacêutica, descobrem que vão ser cobaias de uma experiência totalmente diferente, assente no pressuposto de que apenas um sobreviverá ao teste, que será composto por quatro fases. A primeira inicia-se com o homicídio à queima roupa de uma das cobaias.

Tecnicamente, este estudo em psicologia de choque é competente, com Liebesmann a manter a pressão nos personagens e espectadores com firmeza, a revelar controlo dos artifícios visuais e plásticos, mas a falta de um argumento consistente eventualmente transforma-o numa mera curiosidade. Além disso, o objectivo por trás da experiência é tristemente falacioso e não resiste nem a uma análise lógica. Assente na ideia de lavagem cerebral e controlo da mente dos pacientes, apresenta o raciocínio de que uma pessoa que se decide a sacrificar a vida pelo bem comum é um potencial bombista suicida a favor dos EUA, que procura assim jogar pela mesma cartilha que o terror árabe. Mas, quando o método é a tortura de cidadãos anónimos, através de uma impiedosa limitação cognitiva por coacção física e psicológica, não me parece que se desenvolva grande boa vontade a favor do carrasco, neste caso um Governo que se comporta de forma vil para com aqueles que jurou proteger. Na minha opinião, está assim a criar anti-americanos e não o contrário.

Chloe Sevigny, Timothy Hutton e Peter Stormare dão o seu melhor, e em grande medida justificam a atenção. De resto, é uma aposta na forma, por falta de conteúdo.

The Killing Room 2009

Grace, de Paul Solet

Filme de abertura do festival de Sundance 2009, Grace é uma obra cerebral, uma meditação sobre nascimento, parto e matriarcado. Paul Solet desenvolveu a sua própria curta-metragem de 2006 num argumento mais complexo, mas tão frio e concentrado em si próprio que aliena o espectador, sendo incapaz de gerar empatia ou emocioná-lo.

Exercício intelectual, subtil e contido sobre a maternidade no seu mais grotesco, Grace alicerça-se numa visão carnívora das relações familiares e traça bissectrizes entre a alimentação e a gestação, sendo a hierarquia existencial definida por um braço de ferro entre a força das mulheres e a subjugação dos respectivos homens, com o bem estar dos filhos como objectivo cimeiro de toda a realidade.

Não sendo original, o conceito por trás de Grace está longe de poder ser espartilhado num género. Dificilmente caracterizável como terror, centra-se na relação de uma mãe vegetariana e do seu bebé, que revela intolerância láctea mas predilecção por sangue. Tanto a direcção de fotografia de Zoran Popovic como a banda sonora de Austin Wintory têm como missão filtrar a vida da película e concentrar-se nos espaços neutros, vazios, da percepção, evidenciando o alheamento dos personagens e o seu elevado grau de perturbação.

Infelizmente, toda esta precisão em agrilhoar um surrealismo subliminar em nuances imperceptíveis transforma-o num objecto estéril, inacessível, janela para um universo impessoal e limitado a mecanismos básicos, intrínsecos ao estudo quase laboratorial dos personagens. Jordan Ladd e Gabrielle Rose estão perfeitas para os seus papéis. No desfecho do que poderia sintetizar-se de Mamas, Moscas e Sangue(sempre com um bebé a tapar o ângulo de visão mamário), um conflito físico muito mal concretizado e um escape ainda pior engendrado. Demasiada preocupação estética esvaziou o filme de sentimento, ficando a presunção sozinha no prato, seja este de pastosa comida macrobiótica ou suculenta e sangrenta carne vermelha.

Grace 2009


O Lobisomem, de Joe Johnston

O Lobisomem (The Wolfman), de 2010, é a quarta película do mesmo título. Enquanto o filme mudo de 1924 era um melodrama sem referência a licantropos, o de 1941, sim, faz subir o pano à criatura peluda e dentuça que, com mais ou menos liberdades criativas, polvilha ainda o imaginário da Sétima Arte. A maldição fora lançada seis anos antes, pelo mesmo estúdio (Universal), num infeliz O Lobisomem Londrino (1935). Ambos filmes tiveram em comum o responsável pela maquilhagem, Jack Pierce, que estabeleceu o visual do monstro para as décadas seguintes. O remake de 2010 é uma recriação directa do Lobisomem de 1941, seguindo os mesmos eventos e personagens e apenas alterando a progenitura do animal, permitindo o confronto entre duas criaturas famintas. Curiosamente, enquanto que O Lobisomem de Londres referia a lua cheia como despoletador da transformação do homem em lobo, O Lobisomem de 1941 não era tão específico, deixando ficar em aberto a coincidência com as fases da lua. A nova versão mete os pés pelas mãos, porque associa o ciclo lunar directamente à metamorfose, mas depois faz a lua aparecer quando é conveniente à acção, em vez de adequá-la às fases da lua. É exemplo gritante o facto do protagonista, metendo-se a caminho na manhã depois de ter-se transformado, demorar precisamente 29,53 dias (é o tempo que separa duas luas noites de lua cheia) a percorrer o espaço entre Londres e a casa de família no campo, para não perder a oportunidade de transformar-se quando dava jeito.

O sucesso do Lobisomem na década de 40 fê-lo surgir em quatro outros filmes, sempre como personagem secundário (Frankenstein Meets Werewolf, House of Frankenstein, House of Dracula e Abbott & Costello Meet Frankenstein) e com o mesmo actor por baixo da pilosidade excessiva (Lon Chaney Jr.). Os anos 80 viram-no ressurgir em massa, com as novas técnicas animatrónicas e de maquilhagem a permitirem mutações mais visualmente gratificantes. São casos disso a saga The Howling (com seis filmes entre 1981 e 1991), O Lobisomem Americano em Londres (1981), A Companhia dos Lobos(1984), O Lobijovem (comédia adolescente com Michael J. Fox, 1985), Bala de Prata (Baseado no livro de Stephen King, Cycle of the Werewolf, 1985) e até o videoclip de Thriller, do cantor Michael Jackson (dirigido por John Landis, realizador de O Lobisomem Americano em Londres). Os anos 90 cansaram-se do bicho, com O Lobisomem Americano em Paris (1997) a ser recebido com frieza.

No novo milénio, nem Ginger Snaps (2000), apesar de ter tido uma sequela e uma prequela, nem Dog Soldiers (2002) saíram da obscuridade e a dupla Kevin Williamson e Wes Craven (Gritos, 1996) envergonharam-se com a apresentação de Amaldiçoados (2005). Quem restabeleceu a dignidade do mito foi Stephen Sommers que, depois de se ter divertido duas vezes com A Múmia (1999 e 2001), juntou no mesmo saco Drácula, Frankenstein e Lobisomem contra o desenvolto Van Helsing (2004).

Quando Mark Romanek (Câmara Indiscreta, 2002) se fartou das intromissões engravatadas da Universal e bateu com a porta, Joe Johnston ocupou-lhe o lugar à frente do remake de 2010. Responsável pelos efeitos ópticos das miniaturas na primeira trilogia da Guerra das Estrelas (1977 a 1983) e de Salteadores da Arca Perdida (1981), Johnston saltou para trás das câmaras da Disney comQuerida Encolhi Os Miúdos (1989) e As Aventuras de Rocketeer(1991). Seguiram-se alguns episódios do Jovem Indiana Jones,Jumanji (1995), Parque Jurássico III (2001) e Hidalgo (2004). Na senda, Capitão América (2011).

Johnston entregou o argumento já desenvolvido por Andrew Kevin Walker a David Self, para ditos melhoramentos. Walker é o escritor de Se7en (1995), um dos thrillers mais fascinantes de sempre, mas deixou o seu nome morrer na praia, remontando a 1999 os seus últimos contributos para a Sétima Arte. 8MM é interessante, podendo ter sido mais chocante se não tivesse sido estrelado pelo apático Nicolas Cage (Joaquin Phoenix bem se esforçou por compensar essa falha) e A Lenda Do Cavaleiro Sem Cabeça, um dos trabalhos mais criativos de Tim Burton, até se move numa realidade próxima à doLobisomem. Self, pelo contrário, é um nome que nunca teve brilho. Duas adaptações vergonhosas é tudo o que salta à vista no seu minguado currículo: A Mansão (1999) e Estrada da Perdição (2002).

Esta desconstrução do tema só tem pertinência para explicar o falhanço do projecto. Primeiro, o enredo. Traz de volta os personagens clássicos, mas esquece-se de que deveria ser um romance desfigurado em tragédia por uma horrenda maldição. Desvia a atenção do casal para concentrá-la na relação parental, mas nem uma nem outra têm força para se erguerem. É uma história sem garra, onde os actores não têm emoção, nada se lendo nos seus olhos cansados para além das olheiras do aborrecimento. Anthony Hopkins, que já provou carne humana na saga de Hannibal Lecter (1991 a 2001) e se comportou como um animal em Instinto (1999), parece unicamente preocupado em pronunciar as suas falas com precisão, perdendo em dicção para Hugo Weaving, que já mostrara saber debitar Vs sem se engasgar (V de Vingança, 2005). Benicio Del Toro e Emily Blunt não sentem nada um pelo outro, caindo assim metade do enredo na inconsistência.

O monstro, em si, é uma criação muito limitada, seguindo-se o modelo semi-realista de A Maldição do Lobisomem (1961). A maquilhagem ficou a cargo de Rick Baker, Oscar de Melhor Maquilhagem por O Lobisomem Americano em Londres e responsável pela mutação de Michael Jackson em Thriller. A passagem de homem a lobo, porém, foi toda feita em CGI, assim como grande parte da corrida pelos telhados e ruas de Londres, pela necessidade de velocidade (a sequência da palestra e subsequente fuga recorda King Kong em Nova Iorque, num tom mais discreto). O resultado é um lobisomem muito mais humano do que lobo, com excesso de pêlo e patas de animal (que se vêem muito pouco). Os dentes, infelizmente, incidem para a frente (a dentadura é colocada à frente dos dentes do actor), atribuindo-lhe feições, não ferozes, mas imbecis.

Para além de referir que, da primeira vez que se vêem as garras do licantropo, este as move com o mesmo efeito que Freddy Kruegger em Pesadelo Em Elm Street (1984), detenho-me noutro pormenor. NoLobisomem de 1941, o protagonista compra uma bengala com cabeça de lobo num antiquário, por se ter apaixonado pela lojista, que viria a ser o seu interesse sentimental nesse filme. Agora, é um desconhecido, interpretado por Max von Sidow, quem lha oferece, numa viagem de combóio. O objectivo desta oferta não é claro. Poderia ser para desviar a atenção sobre quem era o verdadeiro lobisomem (se seria ele), mas a verificar-se pela negativa, a cena é insustentável (fala-se de um extended cut a ser editado em DVD, com mais 17 minutos de enredo, que desenvolve esse personagem). Insustentável é também a banda sonora de Danny Elfman, que a compôs integralmente plagiando a de Wjociech Kilar para o Drácula de Francis Ford Coppola (1992). Depois de a montagem cortar meia hora de película, o estúdio contactou Paul Haslinger (compositor deUnderworld (2003), outro filme com vampiros e lobisomens), mas acabou por voltar atrás (a proposta electrónica de Haslinger não se enquadrou no espírito vitoriano de 1891) e a reaproveitar a partitura de Elfman, um erro evidente, porque cola desnecessariamente os dois ícones.

No fundo, o que pode dizer-se de O Lobisomem é que perde a oportunidade de marcar o seu território. Passa-se em pleno período vitoriano (1891) e desperdiça a oportunidade gótica, o que seria uma verdadeira homenagem ao género do terror. Lobisomem não assusta nem parece preocupar-se com isso, como se a transformação do monstro fosse como ver o Super-Homem despir-se numa cabina telefónica. Ele é mais um super-herói, incompreendido como quase todos (em vez de ser mordido por uma aranha radioactiva, foi mordido por um lobo), uma espécie de Incrível Hulk ou de King Kong. A referência a Hulk até permite uma piscadela de olho à versão de Ang Lee (2003), onde pai e filho se enfrentam até à morte. Sem dar o menor peso aos personagens, como espera o filme capitalizar em sentimento se o lobo se limita a matar figurantes, não convence no par amoroso e desfaz o infortúnio em bocejo? Sem a elegância ou a fluidez narrativa do original, o remake não passa de mais uma fita de lobisomens.

The Wolfman 2010


A Gruta, de Olatunde Osunsanmi

Quando se julgava que afinal havia outra, desconhecia-se a existência de uma terceira. No ano de 2005, não foram dois, mas três, os filmes com alpinistas em apuros. Neil Marshall lançou um grupo de aventureiras às entranhas da Terra (A Descida), Bruce Hunt atirou os seus à água (A Caverna) e Olatunde Osunsanmi passou completamente despercebido.

Olatunde Osunsanmi só viria a realizar novamente quatro anos depois (O Quarto Grau, 2009) e o seu percurso tem sido mantido na sombra, talvez porque ninguém se interessou em iluminá-lo. Também pouco iluminado é Within, que mudou de título para The Cavern, a aproveitar a boleia dos outros mencionados. Escrito e realizado por Osunsanmi antes deste ter aprendido a escrever e a realizar, o filme segue um grupo de oito spelunkers ao interior de uma gruta do Cazaquistão, onde são eliminados sumariamente enquanto correm às escuras. Literalmente.

As cenas exteriores do prólogo recorrem a um efeito de intensificação das cores, apenas para realçar a banalidade dos eventos, e o resto é filmado com recurso exclusivo à iluminação dos capacetes e lanternas dos actores, que pouco mais permitem ver do que focos estroboscópicos e muita imagem de câmara sacudida e até invertida, quando a opção não é pelo próprio bréu. O realizador deve ter considerado que estes artifícios reforçavam o realismo, mas não passam de infeliz economia de meios.

Ninguém sabe as motivações da equipa para além de querer explorar uma gruta ainda não cartografada ou porque se filmou ao largo de Los Angeles e se localizou em epírgafe o cenário como Cazaquistão, sem a preocupação de criar um ambiente que nos colocasse no Médio Oriente. O filme começa numa estepe, mostra a garganta de uma gruta e desenvolve-se no seu interior. A rodagem que devia ser claustrofóbica é tão disparatada que anula os efeitos que espera conseguir. Se surpreende, é pelo anedótico da caverna de papel maché e espuma pintada, como as dos parques temáticos. Numa cena aquática em que o monstro surge duas vezes (mas só se vê a água a esparrinhar), a música soa épica quando devia ser grotesca, confundindo o seu objectivo. Os actores gritam a plenos pulmões, mas não é o mesmo que uma banda sonora decente. Estes novos realizadores não aprenderam nada com John Carpenter?

A criatura assassina passa o filme inteiro fora do campo de visão, para no desfecho se perceber porquê. Sim, parece um fato de gorila com uma caveira de ruminante, porque é. Umas fotografias e uma analepse depois, salta sobre as mulheres do grupo, que guardou para sobremesa, e supõe-se que vá violá-las, mas alguém começou a jogar futebol com a câmara e há um corte abrupto para a ficha técnica. Se alguém recorda o horrível Eegah!, de 1962, poderá rir-se da inspiração de Olatunde Osunsanmi (já agora, tem nacionalidade norte-americana). O que poderia ter sido uma medíocre curta metragem transforma-se numa tortura pelo tédio.

Within / The Cavern 2005