Tuesday, May 14, 2019

Suspiria, de Dario Argento


Clássico giallo de Dario Argento, Suspiria é uma história de bruxas passada numa escola de dança alemã. O enredo é tão infantil que foi escrito para ser representado por crianças de doze anos, com a idade das actrizes a ser elevada para os vinte por critérios ético-comerciais impostos pela produção, não caía bem matar crianças inocentes em encenações de estética requintada em sadismo. Foi trocada a idade das vítimas mas mantida a ingenuidade dos diálogos, reage a essa imposição o realizador com um mergulho da imaginação no décor de padrões e palete a imitar Branca de Neve e os Sete Anões (1937) e a inquietante banda sonora dos Goblin (inspirada em Philip Glass) a tocar alta no set para arrancar representações de constante sobressalto, vive muito o suspense de Argento da constante colaboração com esta banda de rock progressivo italiana, com os cenários e a iluminação a lutarem por igual protagonismo.

Fiel à escola de cinema italiano, Argento conduziu as filmagens sem gravação de som, sendo a sonoplastia adicionadaem pós-produção, queixando-se Jessica Harper, a protagonista, da confusão de cada actor representar na respectiva língua, em autênticos diálogos de surdos, e haver carpinteiros a martelarem no estúdio ao lado durante a rodagem. Joan Bennett, como a directora da escola, queixou-se da desorganização e lentidão da produção italiana, em que a maquilhavam e vestiam para uma cena de uma fala com cinco horas de antecedência. A cidade alemã de Freiburg, onde se passa a trama, foi pronunciada Friburg na versão inglesa, cidade suíça sem relação. Uma frase em latim que soa clara na versão italiana é indecifrável na inglesa. A escola de dança foi recriada em estúdio em Itália, mas as cenas de exteriores foram filmadas na Alemanha. Há efeitos especiais de um amadorismo risível (uma personagem salta de uma janela para cima de vários rolos de arame farpado, mas é óbvio que se trata de arame normal, sem espinhos). Uma personagem com uma única cena (Udo Kier) traz luz a todo o mistério, falando de bruxas e complots despreocupadamente, algo que lhe terá sido confidenciado por uma personagem que parecia confidenciar também na protagonista, mas afinal a manteve na ignorância de todos os dados que lhe permitiriam fazer sentido dos acontecimentos bizarros que assombravam a escola.

Em larga medida, Suspiria é uma instalação artística de simplicidade naïf, mais preocupada com os sentidos do que com a concisão da narrativa e é nesse sentido que pode (e deve) ser saboreado, revelando-se quase inacreditável a competência da manta de retalhos num espectáculo audiovisual ditado pela surpreendente coincidência com que as partes se colam de forma coesa. É certo que ninguém ouve os saltos altos em soalho de madeira, mas também que asmaçanetas foram recolocadas à altura dos cotovelos das actrizes para que estas tivessem de abrir as portas com a mesma dificuldade que crianças.

Suspiria 1977

Ghost Stories, de Jeremy Dyson e Andy Nyman

Andy Nyman e Jeremy Dyson escreveram a peça de teatro (em 2010) tendo em conta o potencial de uma transposição para cinema e, dizem, resistiram a ofertas financeiramente leves de venderem o guião a Hollywood, já que a sua vontade era a de controlarem o produto final e Andy Newman queria continuar como protagonista no filme. E, se era para fazerem pouco dinheiro, como é apanágio das fitas de baixo orçamento, que tivessem a fama e o proveito.

Dizem-se inspirados pelas histórias de fantasmas de M.R. James, escritor britânico do século XIX que se dedicou ao género mas, pela minha experiência com um volume completo dos contos deste autor, o que sempre me desiludiu nele foi a incapacidade de, apesar dos promissores inícios, não ter desfechos satisfatórios. Por exemplo, iniciar um conto com a premissa de, da janela do seu quarto, ver uma criatura descer pela fachada da torre em frente, aderindo à parede com pés e mãos, e entrar por uma janela; o narrador junta um grupo de amigos e invadem a divisão por onde teria entrado a criatura mas, para sua desilusão, não encontram nada no seu interior; e assim termina a narrativa.

Ghost Stories tem uma trama simplória e desprovida de originalidade ou garra. Segue um indivíduo que se apresenta como responsável por um programa televisivo onde desmascara impostores do sobrenatural e recebe do seu mentor a missão de tirar a limpo o truque por trás dos três casos que não conseguiu resolver. O homem, que trabalha sozinho e sem uma câmara de filmar, apesar do seu programa ser de um conhecido meio audiovisual, decide investigar os processos, sendo que essa investigação se limita exclusivamente a ouvir uma testemunha por processo e nem sequer se desloca aos locais das aparições: no caso de um fantasma que aparece numa fábrica, entrevista a testemunha num pub; no caso de um atropelamento numa estrada num bosque, entrevista em casa da testemunha; no caso de uma casa assombrada, entrevista num monte ao ar livre. Esta indigência narrativa resulta, porventura, de, na peça teatral, não ser um investigador mas um professor de parapsicologia a conduzir uma palestra onde apresenta casos antigos, situação em que um homem só seria suficiente e o local indiferente. O final, que aglutina os vários contos colocando os seus narradores na esfera do protagonista, lembra os antigos Contos do Imprevisto, mas de então para cá o recurso está mais do que estafado. O filme é uma embaraçosa e aborrecida desilusão que conta com Martin Freeman, Alex Lauther (o miúdo da série The End of the F***ing World) e Paul Whitehouse.

Ghost Stories 2017

All Hallow's Eve, de Damien Leone

Ao esvaziarem o saco do trick or treating, em noite de Halloween, duas crianças descobrem uma cassete de vídeo no meio dos doces e convencem a babysitter a assistir ao conteúdo. O VHS tem a qualidade gráfica de um exploitationamador e três histórias diferentes, uma espécie de showcase das qualidades do realizador em episódios de suspense e gore, um projecto experimental e de baixo orçamento que fica ainda mais claro quando se percebe que foi a forma que Damien Leone encontrou para dar maior visibilidade às suas curtas metragens The 9th Circle (11 minutos, 2008) e Terrifier (19 minutos, 2011), construindo uma trama básica em seu redor. 

É cómico que a babysitter interrompe a reprodução da cassete por duas vezes, em momentos aparentemente ditados por circunstâncias ocorridas no seu segmento específico, mas sempre que retoma o visionamento, este começa numa curta metragem diferente. Ainda assim, as interpretações são razoáveis e os valores de produção escapam ao escrutínio. O palhaço Art (Art the Clown), agora mais conhecido como o slasher da longa-metragem Terrifier (2016), entra em duas das curtas e faz ainda uma aparição àqueles que assistiram à cassete. 

All Hallow's Eve é um exercício em suspense atmosférico com laivos de terror, lembrando a primeira curta as primeiras experiências em vídeo de Clive Barker ou de Elias Merhige. Apesar de esquemático e egocêntrico, Damien Leone consegue entreter e inquietar, controlando de forma estanque o resultado final de forma equiparável às antologias VHS(2012 e 2013). Quanto às actrizes, Marie Maser parece-se com Samantha Mathis e Katie Maguire parece boa actriz. Mike Giannelli é o homem por trás da máscara, o que não volta a acontecer em Terrifier (2016), onde é substituído por David Howard Thornton.

All Hallow's Eve 2013

Terrifier, de Damien Leone

Terrifier é o exercício por excelência em clown slashing, resumindo em menos de hora e meia tudo o que um fã deste subgénero procura. A única preocupação com o enredo prende-se com o constante e acutilante fornecimento de gore,utilizando um chicote com bisturis e tesouras, facas, serras, martelos, sacos plásticos e, quando não há mais nada à mão, as próprias mãos. Neste prisma, Terrifier é extremamente bem sucedido, porque não tenta ser mais do que aquilo que é, uma noite tensa de stalking e homicídio com três jovens mulheres por quem torcer, praticamente toda passada na garagem e cave de um edifício que, pela decoração, mais parece um personagem de pleno direito. O suspense é real e a economia de meios não o priva de solidez nos efeitos especiais, na iluminação cénica e na banda sonora temática.

A máscara de palhaço é perturbadora e o homem por trás da máscara tem boa mímica. É a terceira vez que é dada vida a Art the Clown, mas a primeira representada por David Howard Thornton. Na curta metragem Terrifier (2011) e na longa All Hallow's Eve (2013), foi Mike Giannelli quem se escondeu por trás da farda. A mudança foi positiva. No campo das reclamações, há que referir que serial killer é o único que agride as vítimas consistentemente até garantir a sua morte, ao contrário destas que, assim que o atacam com algo encontrado pelo caminho, fogem após o primeiro golpe, largando a arma, o que lhe permite recompor-se e retomar a perseguição. Portanto, já sabem, quando estiverem nessa situação, não parem até se assegurarem de que a ameaça foi eliminada.
Terrifier 2016

Shut In: Reféns do Medo, de Farren Blackburn

Seis meses depois de sobreviver a uma colisão frontal com um camião, da qual resultou a morte do pai, um jovem continua paralisado e irresponsivo e é a mãe quem cuida dele, passando a trabalhar de casa no conveniente trabalho como psicóloga. Das entranhas da habitação com acesso ao lago ouvem-se ruídos abafados e a mãe tem constantes sonhos e alucinações. A primeira ideia que vem à cabeça é de que se trata de mais uma variação de Patrick (1978), filme sobre um comatoso com poderes telequinéticos, capaz de alterar a percepção daqueles que o rodeiam e de provocar danos físicos sem se mover. A referência é obscura, mas Patrick teve uma sequela (Patrick Still Lives, 1980) e um remake (2013), pelo que o reaproveitamento da ideia básica não seria descartável. Shut In revela-se uma coisa diferente, porém, e muito pior. Mesmo muito pior.

Naomi Watts e Oliver Platt fazem pela vida, Jacob Tremblay volta a ser fechado numa casa depois do mais interessante Room (2015) e Charlie Heath é introduced, apesar de não ser estreante. Estreante é Christina Hodson como argumentista, que, independentemente desta triste apresentação, rapidamente trepou a escada do sucesso, assinando sozinha Bumblebee (2018) e Birds of Prey (2020). Farren Blackburn é um realizador tarefeiro com uma longa carreira televisiva e apenas uma longa-metragem no currículo (Hammer of the Gods, 2013).

De todas as coisas que fazem rolar os olhos neste filme, a mais articulada é o título. Desde o início, fica a impressão de que shut in (“preso dentro”) se refere ao isolamento a que se votou a mãe para cuidar do filho acamado, depois que se trata do isolamento da casa por causa de um nevão, mais tarde descobre-se que há uma criança escondida dentro da casa e, na recta final, o filho anda a pregar as janelas e portas para impedir que a mãe e o menino escondido fujam. Portanto, muitos exemplos sucessivos de shut in. Mas este apontamento é irrelevante face aos pormenores de péssima escrita que nos são enfiados garganta abaixo. Quando percebemos que o filho irresponsivo estava, afinal, a fingir uma existência comatosa durante seis meses, colocam-se, obviamente, demasiadas questões. Não só como é que enganou os médicos que assistiram à sua recuperação no hospital como a mãe, que teria de alimentá-lo, lavá-lo, ajudá-lo a fazer as necessidades fisiológicas e movê-lo da cama para a cadeira e vice-versa todos os dias. Até quando a mãe, num assomo de desespero, decidiu afogar o filho na banheira, durante o banho, este não reagiu. 

O vilão acaba por ser, assim, um adolescente magrinho e que passou uma longa temporada deitado, apenas se levantando às escondidas, que é joelhado nas virilhas (algo que o sound design fez soar como um soco na cara num filme de artes marciais de Hong Kong) e agredido com uma frigideira mas continua a levantar-se como se fosse o Michael Myers. Quando o filho se põe a pregar as janelas e portas, a mãe comporta-se como se estivesse presa no interior da casa, sem ter como sair, quando todas as referidas janelas e até a porta da rua têm vidros. Enfim, uma fita série B que vive de um único twist que não sabe gerir.

Shut In 2016

Jogo Perigoso, de Mike Flanagan

Em 1992, Stephen King publicou dois romances autónomos, cujas narrativas corriam independentemente uma da outra, mas se cruzavam num momento de telepatia durante o eclipse que escureceu simultaneamente ambos cenários. Terror psicológico no seu melhor, Dolores Clayborne foi dedicado à mãe e O Jogo de Gerald à esposa e às irmãs dela. Dolores Clayborne foi tristemente adaptado ao cinema em 1995 por Taylor Hackford, incapaz de instilar emoção aos personagens sonâmbulos, apesar do guião de Tony Gilroy. O Jogo de Gerald apresentava um desafio superior, razão provável para ter demorado tanto a ser adaptado.

Mike Flanagan tem criado um nome para si no nicho dos realizadores-co-argumentistas de terror, com Jeff Howard aajudá-lo a transpor Occulus (2013), Somnia: Before I Wake (2016) Ouija: A Origem do Mal (2016) e dois episódios dA Maldição de Hill House (2018), entretendo-se ambos actualmente na adaptação de Sei O Que Fizeste No Ano Passado(remake do filme de 1997), ainda sem realizador anunciado]O Jogo de Gerald acaba por ter mais a ver com Hush(2016), que Flanagan escreveu com a namorada (entretanto esposa), em que uma surda-muda tentava sobreviver ao ataque de um serial killer dentro da sua casa no campo. Em O Jogo de Gerald, este e a mulher chegam à casa de campo para uma escapadela de fim de semana quando ele tem um ataque de coração e a deixa algemada à cama, a lutar pela própria sobrevivência enquanto um cão vadio se entretém a comer o cadáver e uma criatura de trevas a visita de noite. Stephen King, que nunca foi um mero escritor de sustos, colocou a protagonista (o livro mais valia ter-se intitulado Jessie's Escape) em constantes diálogos interiores com a versão puritana dela própria, uma boa amiga e a ex-psicóloga. O filme substitui estas duas últimas vozes pela do marido e a economia funciona, com Carla Gugino a fazer um brilharete e Bruce Greenwood a ajudar a cada passo. Kate Siegel, esposa do realizador, tem um pequeno cameo, ela que, em Hush, já tivera a oportunidade de, brevemente, partilhar o ecrã consigo própria. Henry Thomas, o Elliot de E.T. (1982), faz de pai em flashbacksMencione-se que a Netflix, no mesmo ano, estreou também a adaptação de 1922, outra história de King.

O Jogo de Gerald é a adaptação possível do romance híbrido, que liga a urgência da luta contra a morte por parte da protagonista com um lavar de roupa suja interior que lhe permitirá, finalmente, renascer como uma fénix, sem se esquecer da ligação ao eclipse que une a história à de Dolores Clayborne, menos evidente por não se sentir a necessidade de clarificá-la sem que haja intenção por parte da Netflix em readaptar esse livro. Há urgência na vontade de sobreviver para além das algemas que a prendem à cama de uma casa onde irá passar fome e sede até desfalecer numa morte agonizante, sem ninguém à vista para além de uma criatura fantasmagórica que a visita à noite e não deixará de ser esclarecida a contento. As soluções não são rebuscadas e, não se não se apoiando em óbvios jump scaresa narrativa vai-se alimentando da curiosidade da audiência até drená-la de qualquer relutância.

Gerald's Game 2017

Hush, de Mike Flanagan

Mike Flanagan e Kate Siegel conheceram-se em Occulus (2013), onde ela tem um pequeno papel, e escreveram Hush(2016) durante o namoro que culminou em casamento antes da estreia, sobre uma surda muda que habita sozinha numa casa no campo e é perseguida por um serial killer que se entretém a assediá-la depois de se inteirar da sua condição. Curiosamente, durante este processo de intimidação, o assassino continua a socorrer-se de pequenos barulhos que só podem ser dirigidos ao cinéfilo ou são, admita-se, força do hábito, porque a vítima não pode ouvi-los.

A seu favor, o filme tem tensão e a protagonista é credível, mas o assassino é demasiado pachorrento e de aspecto débil para que, quando a heroína lhe acerta com a flecha lançada por uma besta potente, imediatamente acima do coração, este não seja derrubado pelo mero impacto e imobilizado cheio de dores no chão em consequência, assim como uma martelada num braço que lhe deixa o martelo agarrado ao braço também não parece obter grande reação, como se fosse apenas um incómodo passageiro, inclusivamente parando de sangrar apenas porque sim. Mais tarde, quando ela se fecha na casa de banho, ele parece materializar-se na banheira, ainda que a câmara se foque tanto no rosto dela para que acreditemos que ele possa ter entrado pela janela ou tecto. 

Enfim, Hush é um slasher com uma premissa simples e um desenvolvimento escorreito, mas sem impacto, conduzido numa linha de relativo realismo como se este, por si só, fosse mais valia suficiente. Kate Siegel está de parabéns e o seu domínio da linguagem gestual favorece a personagem. Mike Flanagan, o realizador, ia ver três filmes seus estrearem nesse ano (2016), mas Before I Wake cairia vítima das dificuldades financeiras do estúdio e só seria exibido em 2018 através da Netflix. Hush e Ouija: Origin of Evil tiveram melhor sorte, este útlimo obtendo uma receita de 80 milhões de dólares, assim cimentando a bancabilidade deste realizador que começou a carreira a financiar-se pelo Kickstarter (Absentia, 2011). Até Gerald's Game (2017), dirigido posteriormente aos títulos mencionados, estreou primeiro, também na Netflix.

Hush 2016