Thursday, February 14, 2019

Overlord, de Julius Avery

Overlord parece um guião de Roger Corman com efeitos especiais mais requintados, ficando uma vez mais provado que é a escrita, e não a técnica, que comanda o sonho. Na véspera do final da Segunda Guerra Mundial, um batalhão aliado tem como espinhosa missão destruir o centro de comunicações montado pelos nazis no topo do castelo de uma terriola francesa. Mal eles sabem que um médico maluco faz aí testes para a criação do super-soldado ariano e, depois de uma hora de tédio e aborrecimento, lá começam a manifestar-se as criaturas escondidas nas catacumbas da igreja, experiências falhadas com militares e aldeões transformados em zombies fortes mas frouxos. Infelizmente, o casting não testou os talentos da banda e as coreografias são tão básicas como um Andy Serkis constipado.

Para quem se questionar sobre o título, não há qualquer overlord em cena, mas a noite em questão é a véspera do Dia D, em que os Aliados puseram pé nas praias da Normandia via Operação Neptune, depois de outros terem aterrado de pára-quedas na Operação Overlord. Wyatt Russell, filho de Kurt Russell, tem o cabelo mais amarelo do catálogo, mas Pilou Asbæk diverte-se mais. Jovan Adepo, que teve de fazer frente a Denzel Washington em Fences (2016), é o herói. Mas o filme, produzido pela Bad Robot de J. J. Abrams, é uma desilusão de ponta a ponta.

Overlord 2018

Unfriended: Dark Web, de Stephen Susco

O passo seguinte ao found footage parece ser o laptop thriller, com o primeiro Unfriended (2014) a ser, pelo menos, a terceira longa metragem a usar a técnica de exibir toda a história pelo ponto de vista de um monitor de computador, sendo as interacções entre o narrador e os restantes intervenientes através da troca de mensagens em redes sociais, pesquisas no google e visualização de chats e vídeos. É um método de composição estético-narrativa que remonta a 2010 (Internet Story, 2010) e foi aprimorado em Noah (2013), duas curtas-metragens que abriram as portas para The Den (2013) e Open Windows (2014). A curta-metragem Webcam (2012) também foi esticada na longa-metragem Ratter(2015).

Se Unfriended era um thriller onde uma suicida regressava dos mortos para vingar-se daqueles que a tinham levado ao suicídio por bullying, a sequela (2018mantém o modelo gráfico do laptop thriller mas abandona o sobrenaturaloptando por uma trama onde é uma organização sádica que aterroriza um videochat de jovens em game night. É quase uma sequela directa de The Den (2013), ao ponto de, a dada altura, ser aberto um ficheiro de vídeo no computador de POV que é literalmente retirado desse filme. Inspiração ou homenagem, desconhece-se, mas o certo é que mais vale assistir ao drama original de Melanie Papalia do que a esta amostra requentada que nem sabe de que filme é sequela.

Unfriended: Dark Web só arranca ao cabo de meia hora, absorvido a desenvolver insatisfatórios personagens centrais pelos seus diálogos banais e nada que faça interessar pelo seu destino. Adiante-se que os poucos actos de violência são perpetrados off cameratendo como único efeito visual uma rudimentar distorção da imagem quando um dos vilões aparece em cena, para mascarar a sua identidadeA carreira de Stephen Cisco, aqui a estrear-se na realização, tem um currículo pindérico como guionista dos dois primeiros The Grudge (2004 e 2006), Red (2008) e Massacre no Texas 3D (2013). Unfriended: Dark Web é o seu primeiro guião não adaptado e, ainda assim, parece que é.

Curiosamente, Timur Bekmambetov (realizador da trilogia Night Watch, de Wanted e de Ben-Hur) produziu os laptop thrillers Unfriended, Unfriended: Dark Web, Unfollowed (ainda por estrear) Searching (2018) antes de apostar na realização do seu próprio laptop thriller Profile (2018).

Unfriended: Dark Web 2018

The Den 2013, de Zachary Donohue

Depois de participar em Smiley (2012), trama sobre um assassino mascarado que mata quem receber três vezes o comentário I did it for the lulz num chat roulette (chat por webcam com pessoas ao calhas), Melanie Papalia é agora a protagonista de uma história semelhante, que tem como curiosidade ser exibida quase exclusivamente do ponto de vista de um monitor de computador. Percursor do actualmente chamado laptop thriller, espécie de update do found footageuma jovemdecide fazer um trabalho sobre interactividade na internet através do site de videochats The Denmas acaba alvo de assédio por parte de um grupo de hackers sádicos que, aparentemente, aí escolhem as suas vítimas. 

The Den demora a arrancar e lá para o final vê-se obrigado a alterar a técnica para câmaras não ligadas ao computador que até aí tinha dominado o POV, mas é conciso e não estica a corda. O grau de envolvimento do público irá depender da sua paciência, mas o esforço é recompensado se a exigência for mediana. Os efeitos especiais são pindéricos e a acção abanada, mas Melanie Papalia dá conta do recado de ter um filme inteiro às costas.

The Den 2013

A Maldição da Casa Winchester, dos Irmãos Spierig

Filme de fantasmas para arquitectos. A casa onde se passa a trama existe realmente e permite visitas diárias a turistas, chama-se The Winchester Mystery House, situa-se em San José, Califórnia, e tem dez mil janelas, duas mil portas, quarenta e sete lareiras, quarenta escadas, treze casas de banho e nove cozinhas, ou assim diz a brochura. Esta mansão ao estilo vitoriano foi aumentada durante trinta e oito anos de construção contínua, sete dias por semana, vinte e quatro horas por dia, correndo a lenda de que isto se deve ao facto de todas as vítimas de espingardas da marca Winchester, de que ela era herdeira como viúva do armeiro, virem clamar vingança e ela querer sossegá-las com uma última morada condigna.

Ao jeito dos Piratas das Caraíbas, saga que começou como uma atração nos parques temáticos da Disney, Winchesteré uma forma de aproveitar a mansão já dita assombrada pelo folclore local e expandir na lenda com uma história de terror. Pela impossibilidade de filmar dentro da casa verdadeira, a mesma foi reproduzida em diversos estúdios, o que não impediu a Lionsgate de, ao comprar os direitos sobre o aspecto da propriedade, passar a impedir os turistas de a fotografarem. Talvez esta ganância não tenha agradado a um dos espíritos, que destruiu grande parte dos cenários. Estou a brincar, a maldição não é real. E os turistas já eram proibidos de fotografar o interior desde 1989.

O guião de Tom Vaughan foi revisto pela dupla de gémeos realizadores e não se sabe quem estragou mais a pintura, mas o guião é fraco e a realização serviçal. De notar que o par de australianos nascidos na Alemanha é apressado a puxar o gatilho (Undead, 2003, e Daybreakers, 2009), mas desenvolveram uma superior adaptação de um conto de Robert A. Heinlein (Predestiation, 2014). Contudo, a sua entrega para a saga Saw (Jigsaw, 2017) não trouxe nada de novo e Winchester é novo retrocesso.

Winchester 2018

Hold the Dark, de Jeremy Saulnier

A poesia mórbida da solidão fria dos lugares inóspitos, agarrados a tradições tão simples quanto antigas de bem, mal e mais ou menos, a navegar por entre o branco da neve enquanto se desenham as construções individuais de valores tão pessoais que rejeitam o que é diferente como pertencendo a um artificial colectivo. Isto e uma narrativa que não faz o menor sentido para os sentidos treinados quando, subitamente, dois velhos amigos se cruzam e, a partir daí, é tudo tratado a tiro. A neve do Alasca vai derretendo até nada ter de concreto, há destinos que estão traçados desde o berço.

Jeffrey Wright recorda o passado de quando tinha uma carreira pela frente, Alexander Skarsgård e Riley Keough mantêm o registo de todos os seus trabalhos, James Badge Dale continua fiel ao figurino de morrer em 99% dos seus papeis e Jeremy Saulnier, com um guião adaptado pelo seu amigo de infância Macon Blair do livro de William Giraldi, mostra que continua a ser difícil defini-lo.

Hold the Dark 2018

A Casa de Jack, de Lars von Trier

Começa como um mau filme de Tarantino (Uma Thurman ajuda à ilusão) e prossegue como um filme mau de pleno direito. Von Trier sem tripé, com a objectiva a acompanhá-lo para onde quer que se vire, a colar com cuspo episódios soltos da vida de um assassino em série anónimo e polvilhando-os de diálogos em voice over entre o protagonista e uma voz na sua cabeça (na voz inconfundível de Bruno Ganz)

Apesar das notas de imprensa postularem que se trata da narrativa do muito inteligente e auto-intitulado Sr. Sofisticação em transformar cada homicídio numa obra de arte, aquilo que fica para a posteridade é uma fita extremamente aborrecida na sua estrutura contrita e cujas dissertações apenas revelam a estreiteza de raciocínio de um simplório com a mania de grandeza. Há diversos elogios ao Terceiro Reich, seja pela sua astúcia na criação de caças da Força Aérea ou na engenharia de construção de monumentos, um instante de auto-bajulação em que compila excertos dos seus filmes anteriores, faz referências a martelo, como a do vídeo Subterranean Homesick Blues de Bob Dylan ou ao Inferno de Dante, no mais simplório cop out de que há memória para despachar o filme sem se comprometer (fica até a ideia de que o protagonista é conduzido ao Inferno sem sequer ter morrido primeiro, como se fosse uma excursão só de ida). 

Outrora polémico e controverso, Lars von Trier é aqui apenas vulgar no seu aproveitamento, intitulando o filme A Casa Que Jack Construiu, uma famosa rima infantil que associa ao protagonista engenheiro, decidido a construir uma casa mas que demole ainda nos alicerces, insatisfeito tanto com a estrutura em cimento como em madeira e destruindo alguns modelos em miniatura, vamos é ouvir Glenn Gould ou David Bowie, o primeiro com imagens de arquivo e o segundo só com o volume no máximo (no final, à pressa, empilham-se uns cadáveres e diz-se que a casa está pronta e é muito original, vamos descer aos esgotos e chamar-lhes Inferno, mal iluminado é tudo o mesmo). Também um dos incidentes se limita a plagiar o conto de Ray Bradbury The Fruit at the Bottom of the Bowl (1948), no qual o assassino revela uma compulsão obsessiva em limpar impressões digitais e demais provas da cena do crime, já superiormente interpretado por Michael Ironside na série Hitchcock ApresentaRiley Keough, filha de Elvis Presley, prossegue na sua carreira de olhar no vazio enquanto a filmam, aqui descobrindo os seios para que Matt Dillon possa apertar alguma coisa enquanto debita um dos piores textos do guião.

The House That Jack Built 2018

Blue Ruin, de Jeremy Saulnier

Violência puxa violência e um sem-abrigo que vive no carro onde os pais foram assassinados é subitamente trazido à realidade quando recebe a notícia de que o homem condenado pelas mortes foi posto em liberdade. As acções têm repercussões e não surpreende que o desamparo dê lugar a um inesperado objectivo armado, longe de adivinhar a espiral de agressão que se seguirá.

A paródia sanguinolenta Murder Party (2007) já não se via do espelho retrovisor quando Jeremy Saulnier decidiu que teria de dar o tudo por tudo para que o seu sonho de tornar-se cineasta não morresse na distância. Realizador, produtor, argumentista e cameraman a trabalhar como director de fotografia em projectos de terceiros, apostou numa campanha Kickstarter para financiar-se e construiu o guião em redor da imagem do seu amigo de infância e protagonista do primeiro filme, construindo uma narrativa de vingança com os pés assentes na terra do baixo orçamento com ideias práticas, equilibrando o cérebro e o coração tanto na narrativa como na logística.

Macon Blair, protagonista de Blue Ruin (2013), não se confunde com Charles Bronson, pelo que todo o processo de vingança e de lidar com as pontas soltas é muito mais intensa e desesperada, assente no realismo da sua figura frágil, o que investe a audiência nos seus intentos em controlar as dificuldades criadas por não ter pensado num plano de acção, acabando por ter de reagir às consequências do seu primeiro impulso. Blair volta a marcar presença nos filmes seguintes de Saulnier (Green Room, 2015, e Hold The Dark, 2018), com papeis mais modestos, tendo paralelamente co-escrito Pequenos Crimes (2017) e escrito e realizado I Don't Feel At Home In This World Anymore (2017), ambos para a Netflix. Em 2018, adaptou Hold The Dark para Saulnier, guardando um papelito para si e continuando na casa que a Netflix lhe arranjou.

Saulnier já acreditava que Blue Ruin marcaria o seu óbito como realizador, tendo gasto as respectivas economias no projecto e não encontrando receptividade por parte de estúdios ou distribuidoras, especialmente depois da rejeição da sua candidatura a Sundance, quando o Prémio da Quinzena dos Realizadores, secção paralela ao Festival de Cannes, o catapultou para a certeza de que a cinefilia gostava da sua voz particular e que queria ouvi-la de novo. Os seus filmes seguintes foram jogadas laterais, a apostar novamente no thriller modesto em lugares inóspitos, mas o realismo dos seus personagens em situações anormais continua a surpreender, ainda que um grande filme esteja ainda por revelar.

Blue Ruin 2013

Às Cegas, de Suzanne Bier

Face ao sucesso de Um Lugar Silencioso (2018), os estúdios rapidamente procuraram um projecto rival e, se os primeiros não podiam fazer barulho para não serem ouvidos por extraterrestres carnívoros, a Netflix encontrou um onde as pessoas tinham de andar vendadas para não serem levadas ao suicídio por aspiradores de folhas invisíveis. Curiosamente, ambas produções deram os primeiros passos em 2013, no caso de Às Cegas com o livro de estreia de Josh Malerman, no de Um Lugar Silencioso com um guião independente. A dinamarquesa Suzanne Bier, depois do êxito da série O Gerente de Noite (2016), avançou para trás das câmaras.

Sandra Bullock é a protagonista, John Malkovich um chamariz, Sarah Paulson um favor e Trevante Rhodes um bónus. Parminda Nagra faz de médica, porque é o que sabe fazer (quem jogava como Beckham era a Keira Knightley), mas acumulou uns quilos desde E.R. De resto, Às Cegas é um pastiche pouco original de Noite dos Mortos Vivos (1968) e The Happening (2008), onde forças invisíveis levam ao suicídio em massa e um grupo de desconhecidos se tranca numa casa para fugir ao perigo. 

Desta vez, o perigo é olhar para certas e indeterminadas criaturas que conduzem à loucura e ao suicídio, a menos que se seja já louco, condição que permite identificar beleza nas ditas e conduz a um desejo incontrolável de que outros também as vejam, com consequências previsíveis. Claro que, num mundo de cegos, quem tem um olho é rei e as criaturas devastam as ruas, mas não entram, por alguma razão, dentro das casas que tenham as persianas para baixo. Já dizia Ken Jeong num episódio da série Community: o fogo não atravessa portas, não é um fantasma. A solução final também está longe de ser original, mas vamos deixá-la invisível para que possam cegar quando a virem.

Bird Box 2018

Bereavement, de Stevan Mena

Segundo filme de uma trilogia iniciada com Malevolence (2003) e terminada com Killer (2018), Bereavement (2010) é mais uma historieta sobre uma criança raptada por um serial killer e que existe como papel de parede de uma trama paralela sobre uma adolescente que visita o pai na terrinha. Quando a jovem decide ajudar a criança, que vê à janela de uma casa abandonada à beira da estrada onde faz o seu jogging, o serial killer decide aumentar a série e a criança hesita entre os ensinamentos satânicos do maníaco ou a sua inata boa natureza. Alexandra Daddario (antes de Texas Chainsaw Massacre 3D, 2013, e True Detective, 2014) é a única justificação para assistir a um filme escrito, produzido, musicado, editado e realizado por um homem que não devia aproximar-se de nenhuma dessas funções, e não só pelos seus lindos olhos. Michael Biehn é uma sombra do homem que salvou Sarah Connor.

Bereavement 2010

Zombies Party - Uma Noite... de Morte, de Edgar Wright

Simon Pegg e Nick Frost são dois roommates que adoram o pub local e, quando a sua localidade é infestada por zombies, é lá que buscam refúgio, não sem antes recolherem a mãe e a ex-namorada de Pegg. Nem tudo corre de acordo com o planeado e as peripécias sucedem-se na mediania entre a economia e o entretenimento. O filme custou quatro milhões de libras e colheu trinta, dando incício à trilogia do corneto, referência preguiçosa ao facto de Pegg e Frost também comerem esse gelado nos filmes Hot Fizz (2007) e The World's End (2013), realizados por Wright, já tendo o trio trabalhado junto na série Spaced (1999).

Shaun of the Dead 2004

Halloween H20, de Steve Miner

O bom filho à casa torna e, se der dinheiro, ainda melhor. Vinte anos depois de Michael Myers perseguir as babás de Haddonfield, aquela que sobrou para contar a história continua a ter pesadelos sobre o seu regresso. Irmãos para efeitos desta sequela, a sétima entrada na saga faz tábua rasa da história dos filmes três a seis e comemora a data redonda da estreia de 1978 (quando John Carpenter criou o fenómeno) com o regresso de Jamie Lee Curtis como Laurie Strode, agora directora de um colégio privado sob identidade falsa, algo que não deterá o irmão saudoso por lhe apertar os ossos.

Com Josh Hartnett, Michelle Williams, Janet Leigh (a mãe de Jamie Lee Curtis num curto cameo com algumas falas e nenhuma relevância), LL Cool J, Joseph Gordon-Levitt e Adam Arkin. Produto do seu tempo (pós Gritos, 1996, e Sei O Que Fizeste No Verão Passado, 1997), Halloween H20 é terror para adolescentes, com jumpscares a cada cinco minutos, um enredo distraído, uma realização tarefeira e um máscara económica. No final, Laurie decapita Michael. Fade out.

Halloween H20 1998

Oldboy, de Spike Lee

Em 2003, o coreano Chan-wook Park adaptou a manga japonesa Oldboy e foi corrido a prémios, pelo que Steven Spielberg manifestou interesse em americanizar o título, mas o guião de Mark Protosevich não o convenceu e a receptividade a Indiana Jones e o Reino da caveira de Cristal (2008) arrefeceu-lhe a vontade de arriscar. Passaram-se alguns anos de rescritas e ofertas não aceites antes de Spike Lee, sem um sucesso desde The Insider (2006), esticar o braço para o cheque, primeiro defendendo entre dentes o seu trabalho e mais tarde criticando o estúdio por não ter podido mostrar os quarenta minutos que lhe cortaram na montagem. No final, o remake amealhou apenas um quinto do que custou, o que é justo, porque vale um quinto do filme coreano e, tendo em consideração que custou trinta vezes mais, percebe-se bem a dimensão do desperdício.

Demasiado orgulhoso para o seu próprio benefício, Spike Lee ouviu a única recomendação de Chan-wook Park como um desafio e, a partir daí, parece ter-se empenhado unicamente em produzir um resultado tão diferente que, descascado de todas as complexidades que o enriqueciam, parece um genérico filme de vingança com um estilo visual inspirado na Sin City de Frank Miller e Robert Rodriguez; uma estética musculada, mas bem assente no chão, em oposição à de Chan-wook Park, que fervilhava de surrealismo como o cérebro incontrolado do protagonista. O guião apaga e altera constantemente pormenoresnarrativos em detrimento da experiência cinéfila, ao ponto de o protagonista, que era, no original, a pessoa mais estranha, pelo seu comportamento, fisionomia e penteado (o que fazia todo o sentido, porque ele era a peça que não encaixava, o desenraizado, aquele que procurava respostas com um atraso de quinze anos), aqui são os outros que têm aspecto bizarro, tanto nos tiques como na indumentária. E, se na manga o período de detenção era de dez anos e no filme de 2003 quinze, oremake sobe a parada para os vinte anos, discutivelmente para que o sexo entre dois personagens-chave não seja ilegal.

Oldboy é a história de um homem encarcerado durante duas décadas num quarto de hotel que, após libertação, procura a identidade do culpado mas, porque o visado considera a vingança uma reacção demasiado mesquinha, obriga-o a investigar as razões para o seu acto. O protagonista é agora um morenaço (apesar de não sentir na pele o sol há vinte anos) de cabelo rapado (em oposição ao icónico despenteado de Min-sik Choi), bem composto e de poucas palavras, muito sério e compenetrado, que faz uma investigação muito superficial mas a quem as respostas vão caindo no colo. Josh Brolin é o estoico anti-herói, de emoções muito contidas até ao clímax, onde é frustrante a sua débil tentativa de emocionalidade aberta, Elizabeth Olsen tem um desempenho sóbrio, mas uma personagem vazia e inconsequente (nem no clímax se pode atribuir-lhe importância, já não está ciente da sua participação), e os antagonistas Samuel L. Jackson e Sharlto Copley têm maneirismos tão teatrais que os esvaziam em consistência e realismo. A revelação final é apressada e desprovida de impacto, filmada com desinteresse e a depender exclusivamente da sensibilidade prévia do público.

É pena que Spike Lee não tenha dado o seu melhor ou que o seu melhor seja apenas isto. Há um claro contraste negativo face ao original, uma simplificação excessiva em que todos os desvios do original são para pior, migalhas de um filme muito melhor. Beligerante como sempre, Spike Lee não quis que o resultado figurasse como uma Spike Lee joint, por não se rever na criação deste mundo, mas ficou beliscado na controvérsia sobre direitos de autor dos cartazes promocionais, que o artista plástico Juan Luis Garcia afirmou não lhe terem sido pagos, mas Lee reiterou não o conhecer nem dever-lhe nada. Falta humildade ao realizador, mas também senso comum ou uma visão original.

Oldboy 2013