Wednesday, November 19, 2008

Nada a Esconder, de Michael Haneke



O novo filme deste realizador austríaco apresenta-se como um mistério. Uma espécie de cassete de vigilância, em VHS, com horas a fio da fachada da casa de uma família, é-lhes deixada à porta dentro de um saco de plástico, anonimanente. Os destinatários desconhecem o significado da cassete e o seu remetente, mas está criada a desconfiança. O medo e a insegurança instalam-se rapidamente. As cassetes sucedem-se, tornando-se pistas. mas, no final, permanece a incógnita.

Cabe aqui perguntar qual o objectivo de um filme de mistério? À primeira vista, é a investigação do mesmo, a desconstrução das pistas até à solução final. O enredo é tanto melhor quanto mais pistas fornecer. Especialmente quando contraditórias, para que duvidemos das certezas que fomos somando e das dúvidas que permanecem ou se avolumam. No final, a solução deverá surgir como um choque, o culpado deverá ser aquele que menos se espera, a justificação deverá ser plausível e assimilável, ainda que possa ser rebuscada. Os meios empregues para o apuramento da verdade deverão fazer sentido.

Então, o que dizer de um mistério que permanece insolúvel no final do filme? Primeiro de tudo, fica a sensação de desilusão, o crescendo de pistas não serviu para nada, a nossa curiosidade não foi satisfeita. Se temos as questões quem-como-quando-porquê, pelo menos três delas deverão ser pacificadas. David Lynch não foi o primeiro a subverter esse molde, mas é talvez o seu expoente máximo. Tanto na série “Twin Peaks” como nos filmes “Estrada Perdida” e “Mullholand Drive”, as pistas servem apenas para confundir, e confundir é a palavra de ordem. Trocar as voltas, baralhar e voltar a dar até à exaustão, até não haver um plano que faça sentido. Mas as pistas, autênticas rasteiras e piscadelas de olho, são suficientes para nos manter ocupados. Reside aqui o encanto do mistério insolúvel, aquele que assim permanece para além do genérico final. Continua-se a pensar e a juntar cenas durante muito tempo depois.

Michael Haneke sempre se debruçou sobre o desconhecido, sobre o penoso e por vezes bizarro e macabro.

“Funny Games”, tratava do rapto e tortura de uma família numa casa de praia. “A Pianista” espreitava os desejos de sado-masoquistas de uma reprimida professora de piano de meia idade ainda a viver com a mãe. “Código Desconhecido”... era sobre isso mesmo.

Mas, em Haneke, nem tudo o que reluz é ouro. O tema do mistério que vem do passado e é preciso desenterrar tem dado os seus frutos no cinema, na TV e na literatura, e é aqui usado com cautela. Cautela ou retraimento? No final, o filme esvazia-se de conteúdo e anula-se a si próprio. Como já se disse, a solução não é apresentada, e as pistas, se acaso disso se trata, não convencem. O complot que a última cena sugere é fútil e incapaz de provocar os resultados obtidos. Mistura o improvável com o impossível.


Ainda assim, consegue manter-nos a maior parte do tempo com as antenas a funcionar e os olhos e ouvidos atentos a cada imagem e som.

Será capaz de interpretar dados que eu não fui? Chegará a conclusões que eu não cheguei? Só há uma maneira de sabê-lo.

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