Wednesday, November 19, 2008

À Prova de Morte, Quentin Tarantino


Quentin Tarantino e Robert Rodriguez continuam a trilhar os caminhos de terra, evitando a pavimentada via rápida domainstream, nem que se seja por opção estética ou como manifesto de conteúdos. Desta feita, decidiram realizar Grindhouse, uma sessão dupla em memória dos verdadeiros exploitation movies dos anos 70, filmes sem meios nem estrelas, que carregavam nos únicos ingredientes ao seu dispor, a sensualidade e a violência, para atrair plateias. Eram filmes com poucas cópias, que percorriam os EUA de lés a lés, perdendo qualidade e excertos a cada projecção, alguns dos quais vieram a tornar-se objectos de culto. Robert Rodriguez dirigiuPlanet Terror, uma abordagem camp aos filmes de zombies, e Tarantino preferiu carregar no acelerador.

Devido ao fracasso comercial da ideia nos EUA (houve quem saísse no intervalo entre ambos filmes e não regressasse, desconhecendo que se seguia outra longa-metragem), os distribuidores europeus optaram por exibir os dois filmes separadamente. À Prova de Morte, a metade de Tarantino, ganhou mais vinte minutos de duração, incorporando-se-lhe um suposto missing reel (bobina perdida), uma cena de lap dance com Vanessa Ferlito que ele pretendia guardar para o DVD.

Tarantino espreguiça-se no seu reino, sem a menor preocupação em deixar a sua marca, já que sabe que ela estará sempre patente, faça o que fizer. Este é, afinal de contas, um dado adquirido em toda a sua obra, quer tenha apenas escrito os argumentos (Assassinos Natos, True Romance, Aberto Até de Madrugada) ou realizado os filmes (Cães Danados, Pulp Fiction, Kill Bill).

Assim como Aberto Até de Madrugada começava como um thrillerintenso e descambava num shoot ‘em up entre vampiros e motards,À Prova de Morte também tem duas partes bem distintas. A primeira é um thriller de construção lenta, a homenagear Sean S. Cunningham (Sexta Feira 13) e John Carpenter (até pela utilização do seu actor fetiche, Kurt Russell – a cicatriz de Stuntman Mike é no mesmo olho que o personagem Snake Plissken tinha a pala de pirata em Escape from NY e Escape From LA) e a segunda é mais Russ Meyer, trocando as mamalhudas de outrora por uma beleza mais delgada, embrulhando a guerra dos sexos num combate sem quartel entre duas potentes máquinas do asfalto (tendo um dos carros sido levado apenas para um test drive, teria sido engraçado ver a cara do proprietário aquando da devolução do mesmo em formato ferro-velho, mas o realizador abreviou a história para que terminasse em pleno clímax).

Onde o fetiche de Meyer eram os seios opulentos, para Tarantino é a pedolatria, e muito se tem falado de como ele exibe esse pormenor nos seus filmes (Uma Thurma, Selma Hayek, Juliet Lewis e Bridget Fonda) – mas apesar de os pés de Sydney Poitier serem omnipresentes (em total exagero) e os de Rosario Dawson terem direito a um close-up (Kevin Smith também os apreciou em Clerks 2), a verdade é que temos oito mulheres e apenas duas são contempladas. Serão os das restantes demasiado feios, ou o cachetnão foi suficientemente alto para se despirem... dos tornozelos para baixo?
À Prova de Morte é uma obra menor na filmografia de Tarantino, um cabotino exercício de estilo sem esforço, objecto conceptual para entreter, parodiando a si próprio tanto quanto homenageia os clássicos. Temos os deliciosos diálogos cheios de trocadilhos, os pés, o suspense e a violência. E temos também riscos na imagem e cortes abruptos, para parecer um filme antigo e já estragado (artifício que, por distracção (?), ficou praticamente esquecido na segunda metade do filme).

Mas, apesar de ser um trabalho desigual e por vezes mal compactado, pode contar-se com uma boa gestão da tensão e uma empolgante cena de perseguição, digna de figurar nos anais do género. Com a apelativa circunstância de ser totalmente rodada por duplos, à moda antiga (old school), ao contrário de The Fast and The Furious e outros tantos que agora se fazem em CGI. E o choque frontal que a se assiste a meio do filme é esmagador (e repete três vezes para que se veja o estado em que ficaram as três vítimas, pormenor inesquecível).

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