Tuesday, September 17, 2013

Silent Night, de Steven C. Miller

Silent Night, Deadly Night (1984) foi um Halloween (1978) de pacote que se revelou da gama Tang e despoletou Gremlins (1984) em contacto com a água. Durante cinco anos, cada Natal teve um por baixo da árvore, abandonando a narrativa do Pai Natal Assassino ao terceiro filme, substituído por bruxas más no quarto e bonecos malignos no quinto.
Entalado na chaminé desde 1991, o título foi recuperado em 2008 (só concluído em 2012) e transformado em reboot para consumo caseiro. Libertou o Pai Natal numa terrinha de polícias incompetentes, a matar clichés (o casal adúltero, a criança respingona, o padre libidinoso, a produção porno, o traficante de droga, a jovem desinibida) e anónimos. Malcom McDowell é uma espécie de Nicolas Cage, nunca se negando a exibir a falta de talento num filme à sua medida e Jaime King já perdeu as medidas que tinha quando era modelo.
No desfecho, um flashback ajuda a entender algumas das mortes, mas não todas, chamuscando a ideia de vingança e conspurcando a de justiça divina. No meio da parvoíce, uma curiosidade (spoiler): enquanto que, no filme original, o maníaco assistiu ao assassinato dos pais por um homem vestido de Pai Natal, aqui o maníaco é filho de um homem que se disfarça de Pai Natal para matar a esposa e o amante. Repete-se a cena de um neto com um avô catatónico no hospital, mas aqui é caricata (diz-se que o velho não reage há um ano, mas o neto rouba-lhe a carteira recheada que está em cima da cómoda… a carteira esteve ali durante doze meses?). As únicas palavras do assassino são Not nice, com uma voz perfeitamente normal, após ser agredido por Donal Logan. A homenagem à scream queen Linnea Quigley é baça e o topless que acaba na debulhadora é de Cortney Palm. Um título semelhante, Silent Night Bloody Night (1972) tem remake para 2013 e também inclui um maníaco mascarado de machado ao ombro.

Silent Night 2012

A Purga, de James DeMonaco

Uma América do Norte rebaptizada concede, por ano, uma janela de doze horas de liberdade aos seus constituintes para que cometam impunemente os crimes que entenderem, legitimando a sede de sangue do cidadão comum. Durante este período, não há intervenção policial nem responsabilização, pelo que se convida à participação generalizada. A efeméride chama-se Purga e destina-se ao ajuste de contas directo, seja para abater o patrão ou a esposa adúltera, como simples escape, para furar o balão da raiva acumulada, gastando a munição em desconhecidos. A alternativa é trancar-se em casa e esperar pela manhã.
 
Esta premissa traz à memória filmes de caçadores de mendigos, como Hard Target (1993) e Surviving The Game (1994) ou aventuras pós-apocalípticas sem lei, como Mad Max (1979) ou Cherry 2000 (1987), mas, afinal, a Purga, propriamente dita, reduz-se ao pano de fundo de uma invasão residencial por sociopatas, tão próximos de The Strangers (2008) que até usam máscaras ou, indirectamente, Vacancy (2007). Se atentarmos na mítica frase de Patrick Swayze, “Because we live here”, até está próximo de Amanhecer Violento (1984). Em vez da ausência institucional de polícia, podíamos ter uma moradia em local isolado, a ser assaltada por meliantes violentos e o resultado seria idêntico, os de dentro a defenderem o forte e os de fora a criarem o pânico a cada investida. 
Depois de Sinistro (2012), o terror dá uma segunda oportunidade a Ethan Hawke. Taking Lives (2004) e Daybreakers (2009) já lhe tinham preparado o terreno, mas as comparações inclinar-se-ão para o remake de Assalto À 13ª Esquadra (2005), escrito pelo mesmo James DeMonaco responsável pelA Purga. Em muitos aspectos, trata-se de uma readaptação do filme de John Carpenter (Assalto À 13ª Esquadra, 1978), agora com civis em vez de polícias. No caso de Assalto À 13ª Esquadra, uma esquadra fora de mão, em último dia de funcionamento, recebia um hóspede inesperado e os membros de uma gang cercavam o edifício, decididos a resgatar o prisioneiro e a matarem quem se lhes metesse no caminho. NA Purga, uma família pacífica barrica-se em casa, mas acaba por acolher um indivíduo ferido que lhes entra pelos portões; o grupo que o persegue está decidido a entrar na casa para reavê-lo, custe o que custar. Ethan Hawke, o polícia decidido a enfrentar os assaltantes de Assalto À 13ª Esquadra, é aqui o pai de família, disposto a defender os seus de quem quer purgá-los.
 
Relativamente a James DeMonaco, há que elogiá-lo pelo guião de O Negociador (1998) e ridicularizá-lo pelo de Skinwalkers (2006). Ao encarar A Purga, e não obstante a bola curva que se revela a questionabilidade moralizadora irrealista do conceito, convém reduzir o filme ao que realmente é: uma noite de tensão entre o colectivo lobo mau e os cinco porquinhos, num braço de ferro salteado de peripécias para identificar o público com os protagonistas, perante o inesperado e traumático evento nocturno. No que concerne à gestão do suspense, nada há a apontar, é tão milimétrico que permite fazer vista grossa à previsibilidade da história. Por exemplo, quando o grupo de encapuçados surge vestido a rigor, vem imediatamente à memória que os vizinhos dos protagonistas se reuniram numa festa, apesar de terem negado haver uma. Já tinha ficado estabelecido que estavam incomodados pela recente riqueza, exteriorizada em renovações à casa, da família-alvo se dever aos sistemas de segurança que vendera por todo o bairro. Seriam, então, os vizinhos a fazerem uma visita para, passe o eufemismo, testarem o andar modelo? Que outra razão poderiam estes engalanados ter para esconderem o rosto, numa noite em que o próprio Governo incita à brutalidade? Quando o líder da alcateia retira a máscara e se revela um estranho, imaginei ali uma oportunidade perdida, mas estava apenas a antecipar-me.
 

The House on Sorority Row, de Mark Rosman

Após uma partida mal sucedida, onde a madre de uma residência de estudantes acaba no fundo da piscina, uma figura passa a festa dessa noite a matar as jovens que considera responsáveis. Tendo em conta que a saga Sexta Feira 13 já era uma trilogia em 1982, é fácil concluir que The House on Sorority Row (1983) não é mais do que uma variação básica do género slasher, a seguir-lhe as pisadas no interior de uma república feminina. Jason Voorhees, o assassino imortal de Sexta Feira 13, era uma criança que se afogava alvo de uma partida num campo de férias, e a sua mãe voltava para vingar-se quando o parque, anos mais tarde, foi reaberto. É contar as semelhanças.
 
The House on Sorority Row é um and then there was one de pacote, estreia de Mark Rosman como argumentista e realizador, curiosamente antes de transitar para o universo televisivo da Disney, onde se enterrou no anonimato. O filme conta com as participações de Harley Jane Kozak e Eilleen Davidson, que viriam a tornar-se familiares do público da programação diurna, tem dois toplesses como manda a receita e o assassino torna-se previsível assim que se vê a decoração do sótão. No campo das contradições, o médico (mistura de obstetra e psiquiatra?) que assistiu ao trabalho de parto da madre (na cena de abertura) parece surpreso pela sobrevivência do filho desta (perto do clímax), mas numa cena de hospital vemo-lo gravar uma mensagem sobre um paciente demente (antes dos crimes), que necessitaria de três meses de internamento imediato, e não parece credível que estivesse a referir-se à própria madre.
 
O desfecho é hilariante, com a única sobrevivente do massacre a disparar vários tiros à queima-roupa sobre o agressor e este, qual Michael Myers vestido de arlequim, nem sequer reage às balas (continua a avançar sem uma única contracção); porém, descarregada a arma, ela socorre-se de um espeto (uma boneca sem cabeça, onde o espeto encaixaria) e ele sente imediatamente dor, tropeçando na abertura do sótão e caindo pelo fosso. Seria uma pistola de alarme?
 
The House on Sorority Row 1983

Irmandade de Sangue, de Stewart Hendler

Remake, só em título parcial, de The House on Sorority Row (1983)Sorority Row é o típico teenage slasher de serviço, que se diz baseado no guião Seven Sisters, de Mark Rosman (realizador e argumentista de The House on Sorority Row), mas mistura desbragadamente Gritos (1996) e Sei O Que Fizeste No Verão Passado (1998). No original, uma partida de um grupo de elementos de uma fraternidade feminina termina com a morte da madre da residência, mas a festa dessa noite tem um convidado surpresa; no remake, a partida não envolve a madre (Carrie Fisher, nesse papel, até vem ajudar na recta final) e há um hiato de oito meses entre o crime e a vingança, mas a ideia base de ir depenando o grupo uma a uma mantém-se.
Apesar de reconhecer-se algum cuidado na composição narrativa e gráfica e o filme avançar de forma satisfatória e sem tempos mortos, a racionalização final para os homicídios é de tal modo frágil que a desilusão é tão mais brutal quanto o guilty pleasure que se foi acumulando. Retroactivamente, este percalço arruína qualquer reacção até aí positiva. O clímax é grosseiro e canhestro, ao ponto de incluir personagens humanas que são violentamente agredidas no rosto e se levantam de seguida, sem um arranhão ou um queixume. Desconhece-se onde andaria o departamento de maquilhagem quando mais era necessário, mas debilitou a contenção do descrédito e aumentou exponencialmente o desinteresse no sucedido superveniente.
O uso de togas para confundir a identidade do assassino é mais um treçolho do que uma piscadela de olho a Gritos e a distância de vários meses entre o acidente e a vingança soa demasiado a Sei O Que Fizeste No Verão Passado, que aqui passaria para Outono. Briana Evigan, Leah Pipes e Jamie Chung tentam encher o olho à plateia, com Rumer Willis (filha de Bruce Willis) a camuflar-se, sem sucesso, entre elas. Fica apenas na memória uma morte que envolve uma garrafa e uma chave de roda para pneus. Pouco gore e nudez fugidia de duas figurantes.

Sorority Row 2009

Chamada de Emergência, de Brad Anderson

Ninguém sabe há quanto tempo Halle Berry esperava por esta chamada, de dedos já adormecidos na posição de figas, as unhas roídas pelo nervosismo de não saber se alguma vez voltaria a ter um papel que não fosse troçado, sem ter de expor o torso novamente. O filme esteve para ser realizado por Joel Schumacher, que já manteve Colin Farrell numa cabina pública durante um filme inteiro, com Kiefer Sutherland do outro lado da linha, a fazer horas para ser chamado para a série 24. Brad Anderson, realizador de suspense que saltita entre a televisão e o cinema desde 1995, aceitou ser o contacto de emergência, questionando-se se conseguiria reduzir a camada adiposa infantil de Abigail Breslin (Zombieland, 2009), como fizera com Christian Bale para O Maquinista (2003), mas a actriz não teve a mesma força de vontade. Esta produção dos Estúdios WWE e da Troika Pictures não faz milagres, mas pode contar-se com uma premissa inesperada, um thriller escorreito e acção emocionante.
Não se confundindo com Cabine Telefónica (2002), Cellular (2004) nem Compliance (2012), Chamada de Emergência assenta no telefonema entre uma vítima de sequestro e a operadora do serviço de 112 (911 nos EUA) que recebe o pedido de socorro, desdobrando-se em mensagens de encorajamento, conselhos de sobrevivência e alertas à polícia no terreno. O terceiro acto tem sido criticado por ocorrer após a chamada telefónica ser desligada, mas a lógica permanece: o lamento mais frequente dos operadores é, depois de passarem o recado aos agentes de uniforme, não saberem o desfecho dos acontecimentos que lhe são narrados – e a protagonista não quer que tal suceda desta vez, convencida de que o raptor é um assassino que já escapou às malhas da justiça uma vez e tem com ele uma vingança pendente. Na concretização, o argumentista Richard D’Ovidio (cujo currículo assentava em apenas dois títulos de 2001: 13 Fantasmas e Exit Wounds) não vai para além do credível, ficando apenas por explicar porque é que ninguém revolveu, à procura de pistas, a cabana do raptor, deixando essa missão para a protagonista, horas mais tarde. Entre os imperceptíveis pontos que ajudam a cimentar a nota positiva, assinala-se a salutar a eleição do filme Bridesmaids (2011) como o favorito das personagens.

The Call 2013

Stoker, de Chan-wook Park

Em ano de remake de Oldboy (2003), o realizador do original é libertado em Hollywood, mas deixa-se enredar pela sua superficialidade. Surreal e improvável, Stoker (2013) é um filme perdido no formalismo. Nas imagens que acompanha ou captura, nos sons que exacerbam o movimento ou a interrupção, na sensação que provoca o enquadramento de um plano. É um óptimo sítio para começar mas, eventualmente, deveria passar para o plano secundário e permitir à narrativa descolar. Stoker, porém, é mais observação do que deslocação.
Inicialmente sob o pseudónimo Ted Faulke, o guião é obra de Wentworth Miller, o protagonista de Prison Break (2005-2009), escrito entre a fuga da prisão e a participação em Resident Evil: Afterlife (2010). Como inspiração e ponto de partida, apresenta Shadow of a Doubt, de Hitchcock, de que o Sul-coreano Chan-wook Park terá gostado, justificando este projecto como o seu primeiro salto americano pelo tom negro mas sossegado, que lhe permitia colocar inúmeros toques pessoais. Até à data, Park aliava a escrita à realização: Oldboy (2003), Sympathy For Mr Vengeance (2002), Mrs Vengeance (2005), I’m A Cyborg But That’s OK (2006) e Thirst (2009). O título não é um trocadilho com o nome do autor de Drácula.
 
Quando as rodas da narrativa finalmente avançam, surpreendendo quem se perdera no slideshow de diapositivos, o percurso centra-se numa família disfuncional e idiossincrática, num momento simultaneamente de perda e reencontro, e assenta as suas estruturas no desabrochar e amamentação do espírito psicótico. O instante em que a mente quebra ou, mais propriamente, se completa, entendendo que aquilo que lhe faltava para estar inteira era provocar, ou assistir, à morte de outrem, é uma experiência enriquecedora, do ponto de vista cénico, ocorrendo entre um cinto no bosque e um duche masturbado, mas Stoker está, infelizmente, infestado de enguiços, com situações muito mal resolvidas, especialmente aquelas passadas em território escolar, autênticas pedras no sapato de um realizador proveniente de uma realidade diferente da retratada, e aquelas onde a morte é manifestada como materialização e não como mera presença. É, no seu todo, uma obra vazia, estéril, um mistério que exige certos passos para ser credível, mas onde as circunstâncias são manipuladas de modo a obtê-la, o que lhes retira naturalidade e remete para um campo teatral, com embrulho e laçarote, sem a intensidade com que deveria ser vivida.  
Tão adequada é a atmosfericamente negra partitura de Clint Mansell (a substituir um Philip Glass demissionário) como a prestação do elenco (Mia Wasikowska, Nicole Kidman e Matthew Goode), ainda que o papel de Tio Charlie tivesse servido como uma luva a Colin Firth, o primeiro contratado, antes de chegar a Matthew Goode, aquele que Wentworth Miller envisionara ao escrever. Em conclusão, Stoker é um híbrido, uma mistura de géneros e proveniências, que peca por falta de equilíbrio, no seu esforço consciente por causar estranheza, mas encanta o suficiente com a sua imagética eclética e intriga policial.
Stoker 2013

O Dia das Mentiras, de Fred Walton

Na febre dos remakes de horror, Fred Walton viu dois dos seus trabalhos mudarem de século: o thriller Chamada Misteriosa (When a Stranger Calls, 1979) e o anti-slasher O Dia das Mentiras (April Fool’s Day, 1986). O primeiro tornou-se clássico pela frase We've traced the call... it's coming from inside the house e o segundo não.
 
April Fool’s Day corresponde ao dia 1 de Abril, em Portugal conhecido por Dia das Mentiras, mas que nos EUA se aproxima mais de Dia das Partidas, que é no que se entretêm os personagens durante todo o dia, na ilha onde foram passar o fim-de-semana (copos que vertem, cadeiras que se desmontam, torneiras que esguicham, charutos explosivos, luzes que acendem outras quando são apagadas, etc). Depois, aparentemente, começa o Jogo dos Dez Negrinhos (apelidado nos EUA de E Não Sobrou Nenhum, por razões de correcção política), com as vítimas a abandonarem o palco, uma a uma.
Sem gore nem nudez, resta-lhe apostar tudo na reviravolta final, que surpreende tanto quanto desilude. No fundo, é uma experiência semelhante à de Gritos (Scream, 1996), onde as incongruências são corrigidas pela pista que faltava. Infelizmente, consistência nem sempre é sinónimo de entretenimento. Ainda assim, Walton mantém o serviço fluido, sem que o público se queixe muito das colheradas não saberem a nada. A banda sonora de Charles Bernstein, compositor de Pesadelo em Elm Street (1984), foi editada em CD, mas não fica no ouvido. Na retina, algumas caras conhecidas: Deborah Foreman, Ken Olandt e, claro, Thomas F. Wilson (o Biff de Regresso ao Futuro, 1985).   

April Fool’s Day 1986