Tuesday, October 28, 2014

O Coleccionador de Olhos 2, de Jen e Sylvia Soska

O Coleccionador de Olhos é um filme de 2006 que não merecia uma sequela, nem o público que a mesma, a acontecer, fosse ainda pior do que o original. Derek Jacobs, Kane para os fãs da WWE, volta a interpretar o brutamontes imbecil que, no original, arrancava os olhos às vítimas e, agora, nem isso faz, deixando o título descabido. Os eventos seguem imediata cronologia, com os cadáveres do primeiro filme a chegarem à morgue, juntamente com o cadáver do assassino, que se revela familiar de Michael Myers, tanto pela invencibilidade quanto pela escolha de usar máscara, aqui uma coisa de plástico transparente que atrás afivela como um instrumento de masmorra. As novas vítimas serão três trabalhadores da morgue e dois casais encomendados como carne para canhão.
Gregory Dark, realizador de filmes pornográficos e responsável pelo original, dá lugar às gémeas góticas Jen e Sylvia Soska, que granjearam alguma fama com American Mary (2012), mas a boa vontade esgotou-se. A história é básica, as mortes genéricas, o suspense nulo. Danielle harris, a Lacey Chabert do terror, uma scream queen com tantos anos disto que já devia estar afónica, finalmente parece uma mulher e não uma miúda embirrante (vale o que vale). Katharine Isabelle é outra que o cinema constantemente unta de sangue de xarope e, como foi American Mary para as Soskas, regressou para o mais horripilante overacting. Greyston Holt, que parece um irmão mais novo de Ken Marino, tem tamanho para dar luta a Kane, mas não dura um segundo.
O mais absurdo é o labirinto em que se transforma a morgue, chegando ao ridículo de Kane, que nunca ali esteve, se orientar melhor do que quem ali trabalha. Os sobreviventes, fugindo dele e sabendo, pela lógica, que o deixaram para trás, continuam a caminhar com medo de poderem encontrá-lo pela frente. E, assim que elegem um esconderijo, nunca se coíbem de fazer barulho. Como único elogio, o departamento de guarda-roupa está de parabéns na selecção dos soutiens com efeito pushup, pois nunca se viu tanta fartura em pratos tão económicos.
See No evil 2 2014

Housebound, de Gerard Johnstone

Comédia de terror neozelandesa que explora os clichés todos, misturando a filha rebelde, o vizinho tenebroso, o fantasma que se cobre com um lençol, actividade paranormal, pessoas que habitam entre as paredes, o psicólogo que não ajuda, a pulseira electrónica que não deixa a protagonista sair de casa, a investigação policial e o drama familiar. 
Escrito e realizado por Gerard Johnstone, Housebound teria ganho com uma montagem mais amiga do ritmo, contornando a saturação. Como está, não é má nem boa, entretém. Apenas fica por entender como é que um tribunal ordena que uma mulher de 29 anos (apanhada a roubar uma caixa Multibanco com explosivos) seja entregue ao cuidado da mãe e do padrasto, num castigo domiciliário de 8 meses com pulseira electrónica, sem que isto seja do interesse ou sugestão da ré ou dos familiares envolvidos, sendo que ela já não habitava com eles antes do sucedido. Ou, então, a actriz Morgana O’Reilly é, evidentemente, madura demais para o papel.
Housebound 2014

The Town That Dreaded Sundown, de Alfonso Gomez-Rejon

Quando Ryan Murphy, produtor e argumentista de Glee e de American Horror Story, se cruzou com uma cópia de The Town That Dreaded Sundown (1976), perguntou a Alfonso Gomez-Rejon, um dos realizadores das duas séries, se estava interessado em dirigir o remake. Nesse momento, houve esperança. Depois envolveram Roberto Aguirre-Sacasa, um argumentista de Glee e do remake de Carrie (2013).
O original A Cidade Que Receava O Anoitecer é um dos primeiros slashers norte-americanos, anterior a Halloween (1978) e a Sexta-feira 13 (1981), um filme de culto de Charles B. Pierce, realizador autodidacta estreado em 1972 com um modesto falso documentário de terror, feito com financiamento local e a participação de familiares e amigos, que ninguém quis distribuir até o próprio alugar o cinema da avenida e enchê-lo durante três semanas; o filme acabou por fazer 25 milhões de dólares (A Lenda de Boggy Creek, 1972). Mais tarde, veio a trabalhar com Clint Eastwood por diversas vezes, como cenógrafo e argumentista (arrogando-se até a autoria da frase «Go ahead, make my day»). O slasher baseava-se no caso verídico de um serial killer nunca apanhado, que vitimou oito pessoas em redor de Texarkana, cidade fronteiriça entre o Texas e o Arkansas, em 1946. Graficamente violento, o filme contrapunha a investigação de um ranger aos homicídios e a reconstituição dos mesmos, que reduziu para cinco, por restrições de agenda.
O primeiro comentário a fazer ao remake é que, não obstante apresentar-se como tal, é, tecnicamente, uma sequela, visto incorporar na narrativa não só os factos descritos no filme original (1976), como excertos deste são vistos pelos novos personagens. A trama situa-se em 2013, onde um assassino volta a matar, seguindo o figurino e a sequência do homicida encapuçado de 1946. Com base em registos antigos e alguma especulação, a heroína investiga.
The Town That Dreaded Sundown (2014) pode queixar-se do baixo orçamento e do estúdio lhe ter cortado 15 minutos (como está, tem 84 minutos), mas a montagem foi feita com prata da casa, neste caso Joe Leonard, regular da série Glee e, assim sendo, independentemente da distribuição da culpa, há que lamentar o resultado final, um vulgar e limitado slasher de qualidade directa para vídeo. Para além de alguns enquadramentos interesses e efeitos de fotografia invulgares, mais sensíveis no início da película, fica o chorrilho de clichés, o bocejo da matança e um final de arrancar os cabelos pela cretinice. Se a ideia geral já foi usada pelo mediático A New Nightmare (1994) e pelo obscuro Hills Run Red (2009), entre outros, o desfecho com explicações imbecis decalcadas de Scream (1996) esgota a paciência. Em retrospectiva, não estamos sequer perante um filme de terror, porque lhe falta a atmosfera tétrica e incómoda, o frio na espinha, o salto na cadeira, mas de um policial sonso, onde prolifera o amadorismo. A banda sonora do sueco Ludwig Göransson também não convence porque, se funciona no ruído industrial que acompanha o assassino, perde-se na leveza das cenas mais calmas, esvaziando a inevitável tensão.
The Town That Dreaded Sundown 2014

The Scribbler, de John Suits

Uma das actrizes principais da primeira temporada de Arrow e secundária na segunda (Katie Cassidy), duas actrizes de Buffy Caçadora de Vampiros (Eliza Dushku e Michelle Tratchenberg), dois actores de 4400 (Billy Campbell e Garret Dillahunt) e uma estrela porno com uma bandolete de orelhas de coelho (Sasha Grey). Michael Imperioli e Gina Gershon tomam conta das crianças.
Numa primeira análise, The Scribbler parece prometer um pouco de Identidade Misteriosa (2003) e Pesadelo Em Elm Street 3 (1987) /Bad Dreams (1988), ao introduzir uma paciente com múltipla personalidade num edifício cheio de doentes mentais que são eliminados um a um mas, no final, está muito mais próximo do remake de Toolbox Murders (2003) ou Amityville: Nova Geração (1993) – onde, curiosamente, há também uma personagem chamada Suki. Qualquer relação entre a maquineta cheia de fios e cabos que vai sofrendo alterações e o pesadelo cyberpunk Testsuo (1989) é mera coincidência.
Dan Schaffer é o autor da obscura graphic novel de 2006 e John Suits é o não menos obscuro realizador/produtor de muito baixo orçamento e talento de Breathing Room (2008). Juntos, reduzem The Scribbler a um exercício de incompetência. Uma jovem esquizofrénica, sujeita a tratamentos de choque para suprimir as suas identidades suplentes, é enviada para uma casa de recuperação para continuar o tratamento sozinha. Trata-se de um edifício de 13 andares, que deveria estar cheio de gente, mas do qual só conhecemos a meia dúzia que se vai estatelando do telhado para a entrada, e só lhes conhecemos o aspecto físico, porque não passam de figurantes. De cada vez que a heroína se sujeita ao tratamento, sofre falta de memória e alguém “salta” do telhado, para que se suspeite da culpa de uma das suas personalidades, supostamente a escrevinhadora (scribbler), que mais não faz do que rabiscar nas paredes mensagens invertidas; ou que se passe tudo na cabeça dela e as vítimas sejam as suas duplas. No final, assiste-se a uma luta de artes marciais entre a heroína e a vilã, tão risível quanto surpreendente, como se ambas se tivessem ligado à matriz e, subitamente, I know kung fu.
The Scribbler 2014

Thursday, September 18, 2014

The Rover, de David Michôd

Estou atrás do meu carro. Tem três pessoas dentroViu-o? Quando, aparentemente, o direito à propriedade se sobrepõe ao da vida humana, o carro de um homem é um bem intocável e é seguro dizer que a história vai acabar mal para alguém. O Rover arranca devagar, mas vai experimentando as mudanças pelo caminho e o som de tiros nunca é de aviso nem do escape. Esotérico e implacável, avança pelas planícies desertas do outback australiano com uma determinação invulgar, dez anos depois do colapso, dentes podres e maus cortes de cabelo para Guy Pearce e Robert Pattinson, com Scoot McNairy a manter-se na corrida da visibilidade desde Monsters (2010).
A segunda longa-metragem de David Michôd parte de uma ideia de Joel Edgerton, actor que dirigiu em OReino Animal (2010), onde também representava Guy Pearce. O Rover é uma espécie de western, com um homem a fazer o que for preciso para reaver o seu carro, o que fica explicado no final, mas não é a única coisa que faz coçar a cabeça até lá. Tem também lugar para amizades forjadas na terra e onde o sangue se confunde com a água, o cão é o melhor amigo do homem e o destino da mulher está nas mãos do marido.
The Rover 2014 

A Maldição 3, de Toby Wilkins

Maldição que nasce torta, nem à terceira se endireita. Desta vez, é explicada tantas vezes que mais parece a versão para totós e o enquadramento “terror em prédio de apartamentos” parece saído da linha de montagem monótona, num frete lento e excruciante. Sem personagens empáticas, assiste-se indiferentemente ao destino de meia dúzia de Zé ninguéns às mãos da contorcionista desgrenhada com pouca vitamina D. Depois disto, o realizador de Splinter (2008) mudou-se para a televisão. 

The Grudge 3 2009

O Último Destino 3, de James Wong

O realizador e co-argumentista do original regressa às mesmas funções, tendo saltado o segundo, e o resultado não poderia ter sido mais enfadonho. Aquele que viria a destruir a carreira com Dragonball Evolution (2009) recorre ao facilitismo dos personagens que fintam a morte saberem do que aconteceu ao voo 180 do primeiro filme (2000) e de agirem em conformidade, começando com uma premonição e seguindo a ordem pré-estabelecida das mortes. Desta vez, tudo começa numa montanha-russa, mas estar ligada ao piloto automático não ajudou. Mary Elizabeth Winstead continua o seu percurso infeliz pela sétima arte e os outros RIP.
Final Destination 3 2006

O Homem Duplicado, de Denis Villeneuve

O Homem Duplicado não é um dos mais interessantes trabalhos do Nobel da Literatura José Saramago. Há um alheamento face à matéria e, consequentemente, aos personagens e situações narradas, como se o escritor tivesse uma ideia genérica do que pretendia, mas não se sentisse em território sólido ao concretizá-lo. Não sendo uma projecção directa do livro, a adaptação de Javier Gullón sofre do mesmo mal: os personagens, na sua errância e indefinição, não são cativantes e o distanciamento da câmara transforma-os em massas soltas, disformes, incapazes de conectar com o público através da sua aparente incoerência. É certo que, no final, se entende que dificilmente poderia ter sido de outro modo, mas tal não obsta a que o prazer de assistir seja severamente cerceado.
O romance (2002) foi traduzido para inglês (2004) sob o título The Double, (O Duplo), que é simultaneamente o nome de um filme de Richard Ayoade (2013) e do conto de Fyodor Dostoyevsky (1846) em que se baseia. Eventualmente vítima da saturação do tema, onde o duplo, por exemplo, nunca escapa a parâmetros fixos de extroversão e cobiça pela mulher do outro, O Homem Duplicado/ Enemy (2013) tenta camuflar a sua natureza através de um andamento soporífero, quase estático, que se quer misterioso na sua frieza, mas se revela demasiado amorfo para prender a atenção.
Ao contrário do livro, o filme vai ziguezagueando por pistas que indiciam uma realidade dissociativa por parte do protagonista, abrindo a frincha a uma possível vida dupla que, despoletada pelo stress, desencadeia nele a ideia de duas existências separadas. Nesta perspectiva, o adúltero, a entreter o conceito de outro para sacudir a culpa de deixar uma mulher grávida em casa, convence-se de que há, de facto, um duplo e decide matá-lo (numa lógica de Pesadelo em Elm Street, o que se mata num sonho, morre no sono), de modo a iniciar um novo ciclo de felicidade (e fidelidade) com a esposa. As principais pistas encontram-se na fotografia que ambos possuem e nas palavras da mãe, daqui se partindo para a conclusão de que a namorada é, afinal, amante, e que esse apartamento onde a electricidade é poupada em excesso é onde se encontra com ela e não onde reside. A aranha é o símbolo para compromisso: a palavra-chave é teia.
Curiosamente, O Duplo de Richard Ayoade vai também beber a Saramago, num ponto que ficou ausente em Dostoyevsky e foi ignorado por Gullón: o carácter cíclico do processo de identificação e morte do duplo. No livro, Saramago nunca intui que o homem e o seu duplo são um só. Pelo contrário, trata ambos como indivíduos separados, vivendo vidas próprias, e um dia um deles descobre ter um sósia. A existência desse homem apenas fisicamente idêntico desperta-lhe a curiosidade e o processo de gato-e-rato tem início. Apenas no epílogo, pelo surgimento de um segundo sósia, se instala a dúvida. Mas, nem aí Saramago dá parte de fraco: a sua explicação poderá ser, alternativamente, de física quântica. Isto é, duas pessoas iguais não podem conviver no mesmo espaço-tempo, pelo que uma será eliminada.
Num aparte, cabe mencionar que a ideia do duplo já foi objecto de tratamento diverso em outros romances adaptados ao cinema, nomeadamente Fight Club (1999) e O Fio do Horizonte (1994). No primeiro, um filme de David Fincher baseado no livro de Chuck Palahniuck, o duplo aparece com aspecto diferente (ao próprio, não aos outros) e tem o intuito de concretizar intenções recalcadas do protagonista. No filme de Fernando Lopes, baseado no romance do lusitaliano António Tabucchi (1986), um patologista procede à autópsia de um jovem que reconhece como ele próprio, trinta anos mais novo, e inicia uma investigação particular.
Tendo em conta a diferença de ritmo e de intensidade face ao surpreendente Prisoners (2012), O Homem Duplicado também parece realizado por um duplo de Denis Villeneuve, apostado aqui numa ambientação atmosférica, de cores desmaiadas e macilentas, uma pegada onírica atrás da outra, onde Jake Gyllenhaal põe o pé duas vezes e Mélanie Laurent e Sarah Gadon alternam os seus, todos de olhar introspectivo perdido no vazio, só Isabella Rossellini parece ter os dois bem assentes na terra. A banda sonora, a apostar num minimalista e opressivo uso do oboé como instrumento solista, é da dupla Danny Bensi e Saunder Jurriaans, também conhecidos pelo nome artístico Stenfert Charles, que desde 2010 já musicaram dez filmes (incluindo Marcy Martha May Marlene, 2011) e a sua banda, Priestbird, conta cinco álbuns editados. O filme abre com uma citação de Saramago à qual, incompreensivelmente, não é atribuída autoria (O caos é uma ordem por decifrar), mas pode ler-se na contracapa do romance.
Enemy 2013

Escape From Tomorrow, de Randy Moore

Randy Moore, um homem com problemas ou um realizador sem talento. Só se conseguiu formar na terceira escola de cinema que frequentou e, na primeira visita que fez ao Disneyworld com consorte e descendentes, começou a recordar as viagens ao local da sua infância, onde o pai residiu depois do divórcio, e um comentário da esposa, russa de ascendência e enfermeira de formação, sobre o espaço de fantasia de Walt Disney ser pior do que a ala psiquiátrica do hospital onde trabalha, conduziu-o a um mês de escrita de um guião que se construiria sozinho em meia hora.
Antes de guinar rumo à estupidez, Escape From Tomorrow é uma viagem surrealista que não desdenharia parentesco a David Lynch mas, a partir do ponto mencionado, desmorona numa inconsequente alucinação que nem o recurso a técnicas de guerrilha (as filmagens decorreram em dois parques de diversões da Disney sem o seu conhecimento destes) salva da nulidade.
O enredo segue um dia de passeio de uma família de quatro pelo Disney World, irritante nos seus traços humanos e estéril nos seus elementos sobrenaturais, com pontas soltas e más representações, cuja única atracção assenta no local de rodagem e no secretismo da mesma. Se o cenário fosse um parque inventado, construído em estúdio ou desenvolvido em computador e projectado em green screen, não haveria absolutamente nada a destacar deste aborrecido episódio da Quinta Dimensão sobre uma vítima de febre felina.
Por fim, cabe referir que a Disney preferiu ignorar o filme em vez de processá-lo, incluindo-o no seu A a Z como uma película de culto filmada subrepticiamente no Disneyworld e na Disneyland. Como nota positiva, a excelente banda sonora do polaco Abel Korzeniowski, do qual se elogiam igualmente as partituras de Copernicus Star (2009), W.E. (2012), Romeu e Julieta (2013) e a mais recente variação a Metropolis (2004). Recomenda-se a escuta em disco, dispensando-se a perda de tempo a nível visual.
Escape From Tomorrow 2013

Madeo, de Bong Joon-ho

Drama familiar sustentado por uma história policial, o candidato sul coreano aos Óscares 2010 encontra o realizador Bong Joon-ho entre o sucesso de The Host (Gwoemul, 2006) e a internacionalização de Snowpiercer (2013). Quando um débil mental de memória intermitente é acusado do homicídio de uma jovem, cabe à mãe dele, face à indiferença da polícia e à ineficiência do seu advogado, descobrir a verdade. 
O realizador alinhavou a trama em redor da actriz Hye-ja Kim, processo iniciado ainda antes de dedicar-se a The Host, e entregou o esboço ao quase estreante Eun-kyo Park para que o desenvolvesse num guião coeso. Madeo, palavra que soa como mãe e homicídio em sul coreano (e em inglês também: mother e murder), é um lento e progressivo trabalho em redor das personagens e das suas peculiaridades, mantendo o suspense apesar de demorar a arrancar. Vale pela tacteante e por vezes precipitada sensibilidade, pela qualidade da direcção de fotografia e pela introdução de elementos que distorcem a imagem que vamos criando dos intervenientes (por exemplo, descobre-se que a mãe tentou matar-se e ao filho, com veneno, quando a criança tinha apenas cinco anos, invocando dificuldades financeiras; fica a questão: terá esse evento provocado a deficiência cognitiva do filho?), mais ainda do que pelo mistério principal.
Madeo 2009

Drácula 3D, de Dario Argento

De um cineasta de muito moderado profissionalismo, chega mais um exemplo de senil amadorismo. Adaptação livre do clássico Drácula, aparvalhada e incorrigível, apenas capaz de inadvertidamente fazer sombra à satírica de Mel Brooks (Dracula: Dead And Loving It, 1995). Dario Argento parece petrificado na liberdades partilhadas com Jesús Franco e Roger Corman nos anos 70 e 80, tendo com ponto de honra a nudez da sua moderadamente feia mas ainda atlética filha Asia (Miriam Giovanelli também faz as honras), efeitos especiais cartoonescos (nomeadamente a bala que atravessa o céu da boca do chefe da guarda) retirados do caixote do lixo de Van Helsing (2004) e a inovação sem patente de segurar a câmara na ponta de uma vassoura para obter a medida exacta de oscilação e desfocado. Com os Argentos regressa o compositor Cláudio Simonetti, colaborador de Dario desde 1975, então parte do ensemble psicadélico Goblin. Thomas Ketschman e Rutger Hauer vêm pela esmola e não pelo brilho e Marta Gastini veio ao engano, assim como o público.
Dracula 3D 2012

Haunter, de Vincenzo Natali

Mesmo depois de misturar O Feitiço do Tempo (1986), Dark City (1997), Os Outros (2001) e Maníaco (1981) num único filme, Vincenzo Natali não consegue sair de dentro do Cubo (1997) e a sua carreira permanece em suspenso. Apesar de lidar com mistérios dignos de despertar curiosidade e trabalhar a fotografia com esmero, Natali perde-se na previsibilidade do desenvolvimento pedestre da narrativa e nenhuma das suas artimanhas funciona. Isso transforma-o numa das mais frustrantes promessas da sua geração de cineastas.
Sistemático, Natali insiste em mais um título de uma só palavra e num mistério com várias faces. Contudo, mais papista do que o Papa, acaba por tropeçar na própria esperteza e a emaranhar-se nas pontas soltas. O enigma de Haunter desenrola-se devagar e a primeira meia hora é intrigante, assistindo-se ao efeito máquina de lavar e a um fantasma impaciente, a fazer horas para recolher o seu lençol com furos para os olhos. Uma família revive o mesmo dia ad eternum, tendo apenas a filha adolescente consciência desse facto, para o qual procura respostas. Sons na canalização da casa vão conduzi-la na caça ao tesouro mas, quanto mais revelações, pior. Cada passo em direcção à solução é um passo para longe da lógica.
A descoberta de um livro de recortes leva-a à conclusão de que habita a casa de um serial killer e à necessidade de ajudar a próxima vítima, com a qual estabelece uma ligação simbiótica. Contudo, a resistência das diversas cores ao detergente é variável e é aqui que a tela esgaça. Primeiro, o número de convivas na reunião final, tendo em conta que há uma vítima por ano durante mais de meio século (o álbum começa em 1954), é desbotado, o assassino não tem um padrão metodológico (as jovens desaparecidas, as famílias inteiras que habitam a casa, o uso de monóxido de carbono não emula o método utilizado nos próprios pais) e parece saltitar entre o mundo dos vivos e dos mortos só porque sim. Ainda fazendo referência à morte dos pais, ficam por abordar todas as implicações jurídico-criminais desse acto e ainda a cronologia subsequente: o que aconteceu à criança e à casa, para que este continue a chamá-la sua?
Abigail Breslin, Peter Outerbridge e Stephen McHattie fazem o que podem, mas não podem muito contra as evidências de que Haunter é uma historinha de fantasmas superficial, onde nada foi pensado para além da rama e a direcção de fotografia acaba amputada pela escrita. A heroína acaba por ter toda a informação fornecida pela investigação da outra e, de um momento para o outro, passa de medrosa a destemida apenas porque a película está a chegar ao fim.
Haunter 2013

Os Escolhidos, de Scott Stewart

Os eventos descritos em Dark Skies (2013) já não eram novos quando o escritor Whitley Strieber esgotou escaparates com o bestseller Communion (1987), um relato não ficcionado (disse ele) sobre a sua experiência pessoal como vítima de rapto por extraterrestres, que teve uma sequela literária e uma adaptação ao cinema. Os primeiros estudos do género datam de 1923, onde Charles Fort, no livro Terras Novas, descrevia visitas extraterrestres com intuitos empírico-científicos sobre cobaias humanas. Desde então, a premissa tem sido desenvolvida em todas as direcções.
Dark Skies nada tem a ver com Strieber, Fort ou o ainda não mencionado caso de Betty e Barney Hill, datado de 1961, transformado em livro (Viagem Interrompida, 1966) e em telefilme (The UFO Incident, 1975). Nem sequer com a série homónima de 1996, que contava uma versão da História dos EUA onde o envolvimento de extraterrestres era preponderante. Dark Skies (2013) é apenas uma reciclagem básica e com sabor a pouco do caso de uma família dos subúrbios a braços com fenómenos inexplicáveis, de início semelhantes aos provocados por um poltergeist, que concluem tratar-se de encontros imediatos de grau pouco simpático.
Enquanto permanece uma incógnita que o filme não trará nada de novo, a realização segura e a escrita concisa de Scott Stewart vão entretendo mas, por ocasião da sobremesa, a desilusão é inevitável. Do elenco, destacam-se Keri Russell e J.K. Simmons, mas a pergunta que se coloca é: ao cabo de um século de experiências em humanos, o que é que ainda falta a estes seres mais inteligentes e avançados aprender sobre nós? No caso em apreço, a resposta é óbvia: não são mais inteligentes.
Como não podia deixar de ser, há espaço para mencionar o mais absurdo: se os extraterrestres atravessam portas e paredes (vemo-los fazê-lo), de que serve às vítimas reforçarem as janelas com tábuas? Pior: se os extraterrestres atravessam superfícies sólidas, porque é que, no clímax, perdem tempo a desaparafusar as dobradiças das portas, antes de entrarem? Pior: se os extraterrestres vêm de cima, porque é que o casal protagonista fica a guardar a porta da rua e manda os filhos para os quartos situados no primeiro andar da moradia? Atenção, ser produzido pelos responsáveis por Actividade Paranormal e Insidious pode ser esclarecedor, mas não é desculpa.
Dark Skies 2013