Tuesday, November 12, 2013

No One Lives, de Ryûhei Kitamura

Esta produção WWE/Pathé tem uma única finalidade e cumpre-a: capitalizar no carisma de Luke Evans; e, sim, percebe-se perfeitamente porque é que os produtores de Furious 6 (2013) acharam que ele era um adversário à altura da dupla Diesel & Rock, mesmo sem a imponência física dos citados. De resto, temos o argumento de Breakdown (1997) com um twist (e se a vítima indefesa for um psicopata cheio de recursos), America Olivo a tomar duche de bóias, Lee Tergesen no papel errado e Adelaide Clemens de saída para Silent Hill (Revelação, 2012). A história podia ter dado para muito mais, mas ficamo-nos pelo mero serial killer mata em série; pelo menos, não é aborrecido. Ryûhei Kitamura, realizador de Versus (2000), Azumi (2003) e Midnight Meat Train (2008), não faz mais do que a sua obrigação.


No One Lives 2012

Guerra Mundial Z, de Marc Forster

Se George Romero popularizou o fenómeno dos Mortos Vivos como comentário social, a actualização destes seres esqueléticos que aumentam de número exponencialmente só poderá representar as hostes de desempregados que os patrões, geneticamente avessos à solidariedade, gostariam de eliminar sumariamente, depois de explorados até ao tutano. Aparentemente, o filme baseia-se no título de um romance apocalíptico de Max Brooks, publicado em 2006, que este fizera seguir ao satírico Guia de Sobrevivência Anti-zombi, de 2003. Enquanto que o livro documenta, através de relatos, a experiência de dez anos de combate à pandemia Zombie, o filme prefere ser uma espécie de Contágio (2011), com um investigador das Nações Unidas a tentar determinar a origem e a cura para o primeiro surto.
Depois de fazer um James Bond com história a mais e acção a menos (Quantum of Solace, 2008), aquilo que Marc Forster aprendeu foi a eliminar a história. O muito elogiado guião de J. Michael Straczynski (Babylon 5 e Rising Stars) foi eliminado e rescrito por Matthew Michael Carnahan (The Kingdom, 2007, Lions For Lambs, 2007 e State of Play, 2009), transformando a narrativa num policial com ataques avulsos de zombies anárquicos. Foi a empresa de Brad Pitt a adquirir os direitos de adaptação, pelo que é o seu personagem que vai seguindo as migalhas e enfrentando o que, no livro, eram lentos desmiolados sem capacidade de organização e, no filme, correm tanto como os de 28 Dias Depois (2002), tão rápidos que até lhe roubam o hino composto por John Murphy (a banda sonora de World War Z é de Marco Beltrami). Contudo, em vez de aterrorizarem como no filme de Danny Boyle, estes malucos fazem lembrar a imprudência da equipa de Jackass, a saltarem para o abismo por não medirem consequências.
Brad Pitt passa o tempo a correr e a afastar dos olhos um penteado que não o favorece, o papel de Matthew Fox foi transformado num cameo sem falas (o seu papel incluía seduzir a mulher do protagonista, mas acabou a seduzir o chão da sala de montagem), David Morse arranca os dentes sem anestesia e James Badge Dale andava esquecido desde a terceira temporada de 24 e, subitamente, também entra em Homem de Ferro 3 e O Mascarilha (2013). Entre as ilações que o protagonista parece tirar da cartola e o facto das desgraças só acontecerem quando está por perto, o filme não serve entretenimento nem inteligência, arrastando-se na medida inversa à velocidade dos zombies.
World War Z 2013

Maníaco, de Frank Khalfoun

Transportando o espectador consigo por ruas viciosas até às suas próprias vítimas, onde executa jogos de assédio, perseguição e escalpelamento, Maníaco é um tour de force para o realizador Frank Khalfoun ou, mais propriamente, para o director de fotografia Maxime Alexandre, que eleva o conceito de POV a um novo patamar. Se isto, em si, não é novo, uma vez que o filme original (Maníaco, 1980), abria precisamente com uma longa cena utilizando esse método (inspirada na aproximação furtiva dO Tubarão, 1975), o remake estende a técnica a toda a película.
 
Joe Spinell era um actor com um sonho e, inspirado no sucesso de Sylvester Stallone (de cujo filho foi padrinho), levou o seu guião a um realizador, com a condição de ser ele a representar o protagonista. Não era a história de um boxeur (Spinell contracenou com Sly em Rocky, 1976), mas de um psicopata violento, e William Lustig podia ser inventivo, mas o seu currículo era pornográfico. Entre ambos e dois investidores (um dos quais colocou a condição da esposa ser a heroína), juntaram dinheiro suficiente e conseguiram chocar o público e a crítica, nomeadamente através da explosão de um modelo de silicone da cabeça de Tom Savini (responsável pelos económicos efeitos especiais). Spinell tentou até à sua morte financiar uma sequela, enquanto Lustig aproveitou o empurrão para enveredar pelo género, dirigindo a trilogia Polícia Maníaco (1988-93) antes de trocar a realização pelo restauro de clássicos pouco conhecidos para o mercado de vídeo. 
A dupla de argumentistas Alexandre Aja e Grégory Levasseur, que assinaram Alta Tensão (2003) em França e rumaram aos EUA para um curto reinado com o remake de The Hills Have Eyes (2006) e Mirrors (2008). Escreveram P2 (2007) para Frank Khalfoun, que foi actor em Alta Tensão e agora bisa atrás das câmaras. Excepcionalmente, é um remake que não envergonha os envolvidos. Se algo não funcionava em Maníaco (1980) era a história, como se Spinell tivesse trabalhado o personagem e esquecido o resto. Centrava-se num indivíduo que matava mulheres e conversava com os manequins de loja que tinha em casa, depois de lhes agrafar os escalpes das vítimas, mãe morta que estais no céu e me alucinas na Terra. A meio da película, porém, o introvertido conhecia uma fotógrafa de moda, com a qual saía algumas vezes, antes de decidir mostrar-lhe a campa da mãe, tentar matá-la, ser agredido e ir a falar sozinho até casa, onde os manequins o desmembravam e a polícia o encontrava não se sabe porquê. Literalmente. E, tendo em conta o aspecto ranhoso de Spinell e o cosmopolita de Caroline Munro (a esposa do produtor que mais contribuiu), o interesse manifestado nele soava improvável. A nova equipa lima as arestas de forma coerente, tanto em respeito aos manequins como à fotógrafa e dá um rosto ao maníaco que é menos conspícuo. É certo que o pequeno Elijah Wood podia fazer a barba e não vestir blusões de tropa, mas, ainda assim, não é um brutamontes com a cara cheia de bexigas.
Por falar no actor, o resultado final de Maníaco (2013) está tão dependente da sua interacção com a câmara que é assustador. Devido à arriscada escolha de rodar o filme através do olhar do assassino, o rosto de Elijah Wood encontra-se ausente da tela durante 70% do tempo, mas a sua presença foi constante por trás do operador de câmara, fornecendo a altura e os ângulos certos para o posicionamento da objectiva e as mãos que seguram os objectos são as suas (quando foram precisas duas mãos, a esquerda é de um duplo, pois era impossível chegar ao enquadramento com ambas). A sua locução sobre a imagem é outro contributo de peso para nos colocar na mente do protagonista mas, o momento mais bem sucedido do filme é quando, após uma extensa e claustrofóbica sequência de caça, que começa com a sinalização de uma vítima num bailado e termina com a sua morte num parque de estacionamento, a câmara subitamente abandona o corpo do maníaco e o observa de fora, como se fosse possível separar o culpado do inocente, o que se é do que se faz. E, nesse quadro implacável, há esperança. Tal sequência daria uma curta-metragem perfeita. 

Maníaco (2013) é, definitivamente, interessante do ponto de vista técnico, não só pelo POV, mas pela efectiva transformação das ruas da cidade num pátio para predadores urbanos. A narrativa é, também, muito mais fluída do que no original. A nudez, ingrediente constante dos sleazy slashers dos anos 1970 e 1980, é servida por Megan Duffy e Genevieve Alexandra, com Nora Arnezeder a desiludir pela castidade, mas a surpreender na representação, corrigida a inexpressividade que a caracterizava em Detenção de Risco (2012) e As Palavras (2012).
 
Maniac 2013

Tuesday, September 17, 2013

Silent Night, de Steven C. Miller

Silent Night, Deadly Night (1984) foi um Halloween (1978) de pacote que se revelou da gama Tang e despoletou Gremlins (1984) em contacto com a água. Durante cinco anos, cada Natal teve um por baixo da árvore, abandonando a narrativa do Pai Natal Assassino ao terceiro filme, substituído por bruxas más no quarto e bonecos malignos no quinto.
Entalado na chaminé desde 1991, o título foi recuperado em 2008 (só concluído em 2012) e transformado em reboot para consumo caseiro. Libertou o Pai Natal numa terrinha de polícias incompetentes, a matar clichés (o casal adúltero, a criança respingona, o padre libidinoso, a produção porno, o traficante de droga, a jovem desinibida) e anónimos. Malcom McDowell é uma espécie de Nicolas Cage, nunca se negando a exibir a falta de talento num filme à sua medida e Jaime King já perdeu as medidas que tinha quando era modelo.
No desfecho, um flashback ajuda a entender algumas das mortes, mas não todas, chamuscando a ideia de vingança e conspurcando a de justiça divina. No meio da parvoíce, uma curiosidade (spoiler): enquanto que, no filme original, o maníaco assistiu ao assassinato dos pais por um homem vestido de Pai Natal, aqui o maníaco é filho de um homem que se disfarça de Pai Natal para matar a esposa e o amante. Repete-se a cena de um neto com um avô catatónico no hospital, mas aqui é caricata (diz-se que o velho não reage há um ano, mas o neto rouba-lhe a carteira recheada que está em cima da cómoda… a carteira esteve ali durante doze meses?). As únicas palavras do assassino são Not nice, com uma voz perfeitamente normal, após ser agredido por Donal Logan. A homenagem à scream queen Linnea Quigley é baça e o topless que acaba na debulhadora é de Cortney Palm. Um título semelhante, Silent Night Bloody Night (1972) tem remake para 2013 e também inclui um maníaco mascarado de machado ao ombro.

Silent Night 2012

A Purga, de James DeMonaco

Uma América do Norte rebaptizada concede, por ano, uma janela de doze horas de liberdade aos seus constituintes para que cometam impunemente os crimes que entenderem, legitimando a sede de sangue do cidadão comum. Durante este período, não há intervenção policial nem responsabilização, pelo que se convida à participação generalizada. A efeméride chama-se Purga e destina-se ao ajuste de contas directo, seja para abater o patrão ou a esposa adúltera, como simples escape, para furar o balão da raiva acumulada, gastando a munição em desconhecidos. A alternativa é trancar-se em casa e esperar pela manhã.
 
Esta premissa traz à memória filmes de caçadores de mendigos, como Hard Target (1993) e Surviving The Game (1994) ou aventuras pós-apocalípticas sem lei, como Mad Max (1979) ou Cherry 2000 (1987), mas, afinal, a Purga, propriamente dita, reduz-se ao pano de fundo de uma invasão residencial por sociopatas, tão próximos de The Strangers (2008) que até usam máscaras ou, indirectamente, Vacancy (2007). Se atentarmos na mítica frase de Patrick Swayze, “Because we live here”, até está próximo de Amanhecer Violento (1984). Em vez da ausência institucional de polícia, podíamos ter uma moradia em local isolado, a ser assaltada por meliantes violentos e o resultado seria idêntico, os de dentro a defenderem o forte e os de fora a criarem o pânico a cada investida. 
Depois de Sinistro (2012), o terror dá uma segunda oportunidade a Ethan Hawke. Taking Lives (2004) e Daybreakers (2009) já lhe tinham preparado o terreno, mas as comparações inclinar-se-ão para o remake de Assalto À 13ª Esquadra (2005), escrito pelo mesmo James DeMonaco responsável pelA Purga. Em muitos aspectos, trata-se de uma readaptação do filme de John Carpenter (Assalto À 13ª Esquadra, 1978), agora com civis em vez de polícias. No caso de Assalto À 13ª Esquadra, uma esquadra fora de mão, em último dia de funcionamento, recebia um hóspede inesperado e os membros de uma gang cercavam o edifício, decididos a resgatar o prisioneiro e a matarem quem se lhes metesse no caminho. NA Purga, uma família pacífica barrica-se em casa, mas acaba por acolher um indivíduo ferido que lhes entra pelos portões; o grupo que o persegue está decidido a entrar na casa para reavê-lo, custe o que custar. Ethan Hawke, o polícia decidido a enfrentar os assaltantes de Assalto À 13ª Esquadra, é aqui o pai de família, disposto a defender os seus de quem quer purgá-los.
 
Relativamente a James DeMonaco, há que elogiá-lo pelo guião de O Negociador (1998) e ridicularizá-lo pelo de Skinwalkers (2006). Ao encarar A Purga, e não obstante a bola curva que se revela a questionabilidade moralizadora irrealista do conceito, convém reduzir o filme ao que realmente é: uma noite de tensão entre o colectivo lobo mau e os cinco porquinhos, num braço de ferro salteado de peripécias para identificar o público com os protagonistas, perante o inesperado e traumático evento nocturno. No que concerne à gestão do suspense, nada há a apontar, é tão milimétrico que permite fazer vista grossa à previsibilidade da história. Por exemplo, quando o grupo de encapuçados surge vestido a rigor, vem imediatamente à memória que os vizinhos dos protagonistas se reuniram numa festa, apesar de terem negado haver uma. Já tinha ficado estabelecido que estavam incomodados pela recente riqueza, exteriorizada em renovações à casa, da família-alvo se dever aos sistemas de segurança que vendera por todo o bairro. Seriam, então, os vizinhos a fazerem uma visita para, passe o eufemismo, testarem o andar modelo? Que outra razão poderiam estes engalanados ter para esconderem o rosto, numa noite em que o próprio Governo incita à brutalidade? Quando o líder da alcateia retira a máscara e se revela um estranho, imaginei ali uma oportunidade perdida, mas estava apenas a antecipar-me.
 

The House on Sorority Row, de Mark Rosman

Após uma partida mal sucedida, onde a madre de uma residência de estudantes acaba no fundo da piscina, uma figura passa a festa dessa noite a matar as jovens que considera responsáveis. Tendo em conta que a saga Sexta Feira 13 já era uma trilogia em 1982, é fácil concluir que The House on Sorority Row (1983) não é mais do que uma variação básica do género slasher, a seguir-lhe as pisadas no interior de uma república feminina. Jason Voorhees, o assassino imortal de Sexta Feira 13, era uma criança que se afogava alvo de uma partida num campo de férias, e a sua mãe voltava para vingar-se quando o parque, anos mais tarde, foi reaberto. É contar as semelhanças.
 
The House on Sorority Row é um and then there was one de pacote, estreia de Mark Rosman como argumentista e realizador, curiosamente antes de transitar para o universo televisivo da Disney, onde se enterrou no anonimato. O filme conta com as participações de Harley Jane Kozak e Eilleen Davidson, que viriam a tornar-se familiares do público da programação diurna, tem dois toplesses como manda a receita e o assassino torna-se previsível assim que se vê a decoração do sótão. No campo das contradições, o médico (mistura de obstetra e psiquiatra?) que assistiu ao trabalho de parto da madre (na cena de abertura) parece surpreso pela sobrevivência do filho desta (perto do clímax), mas numa cena de hospital vemo-lo gravar uma mensagem sobre um paciente demente (antes dos crimes), que necessitaria de três meses de internamento imediato, e não parece credível que estivesse a referir-se à própria madre.
 
O desfecho é hilariante, com a única sobrevivente do massacre a disparar vários tiros à queima-roupa sobre o agressor e este, qual Michael Myers vestido de arlequim, nem sequer reage às balas (continua a avançar sem uma única contracção); porém, descarregada a arma, ela socorre-se de um espeto (uma boneca sem cabeça, onde o espeto encaixaria) e ele sente imediatamente dor, tropeçando na abertura do sótão e caindo pelo fosso. Seria uma pistola de alarme?
 
The House on Sorority Row 1983

Irmandade de Sangue, de Stewart Hendler

Remake, só em título parcial, de The House on Sorority Row (1983)Sorority Row é o típico teenage slasher de serviço, que se diz baseado no guião Seven Sisters, de Mark Rosman (realizador e argumentista de The House on Sorority Row), mas mistura desbragadamente Gritos (1996) e Sei O Que Fizeste No Verão Passado (1998). No original, uma partida de um grupo de elementos de uma fraternidade feminina termina com a morte da madre da residência, mas a festa dessa noite tem um convidado surpresa; no remake, a partida não envolve a madre (Carrie Fisher, nesse papel, até vem ajudar na recta final) e há um hiato de oito meses entre o crime e a vingança, mas a ideia base de ir depenando o grupo uma a uma mantém-se.
Apesar de reconhecer-se algum cuidado na composição narrativa e gráfica e o filme avançar de forma satisfatória e sem tempos mortos, a racionalização final para os homicídios é de tal modo frágil que a desilusão é tão mais brutal quanto o guilty pleasure que se foi acumulando. Retroactivamente, este percalço arruína qualquer reacção até aí positiva. O clímax é grosseiro e canhestro, ao ponto de incluir personagens humanas que são violentamente agredidas no rosto e se levantam de seguida, sem um arranhão ou um queixume. Desconhece-se onde andaria o departamento de maquilhagem quando mais era necessário, mas debilitou a contenção do descrédito e aumentou exponencialmente o desinteresse no sucedido superveniente.
O uso de togas para confundir a identidade do assassino é mais um treçolho do que uma piscadela de olho a Gritos e a distância de vários meses entre o acidente e a vingança soa demasiado a Sei O Que Fizeste No Verão Passado, que aqui passaria para Outono. Briana Evigan, Leah Pipes e Jamie Chung tentam encher o olho à plateia, com Rumer Willis (filha de Bruce Willis) a camuflar-se, sem sucesso, entre elas. Fica apenas na memória uma morte que envolve uma garrafa e uma chave de roda para pneus. Pouco gore e nudez fugidia de duas figurantes.

Sorority Row 2009

Chamada de Emergência, de Brad Anderson

Ninguém sabe há quanto tempo Halle Berry esperava por esta chamada, de dedos já adormecidos na posição de figas, as unhas roídas pelo nervosismo de não saber se alguma vez voltaria a ter um papel que não fosse troçado, sem ter de expor o torso novamente. O filme esteve para ser realizado por Joel Schumacher, que já manteve Colin Farrell numa cabina pública durante um filme inteiro, com Kiefer Sutherland do outro lado da linha, a fazer horas para ser chamado para a série 24. Brad Anderson, realizador de suspense que saltita entre a televisão e o cinema desde 1995, aceitou ser o contacto de emergência, questionando-se se conseguiria reduzir a camada adiposa infantil de Abigail Breslin (Zombieland, 2009), como fizera com Christian Bale para O Maquinista (2003), mas a actriz não teve a mesma força de vontade. Esta produção dos Estúdios WWE e da Troika Pictures não faz milagres, mas pode contar-se com uma premissa inesperada, um thriller escorreito e acção emocionante.
Não se confundindo com Cabine Telefónica (2002), Cellular (2004) nem Compliance (2012), Chamada de Emergência assenta no telefonema entre uma vítima de sequestro e a operadora do serviço de 112 (911 nos EUA) que recebe o pedido de socorro, desdobrando-se em mensagens de encorajamento, conselhos de sobrevivência e alertas à polícia no terreno. O terceiro acto tem sido criticado por ocorrer após a chamada telefónica ser desligada, mas a lógica permanece: o lamento mais frequente dos operadores é, depois de passarem o recado aos agentes de uniforme, não saberem o desfecho dos acontecimentos que lhe são narrados – e a protagonista não quer que tal suceda desta vez, convencida de que o raptor é um assassino que já escapou às malhas da justiça uma vez e tem com ele uma vingança pendente. Na concretização, o argumentista Richard D’Ovidio (cujo currículo assentava em apenas dois títulos de 2001: 13 Fantasmas e Exit Wounds) não vai para além do credível, ficando apenas por explicar porque é que ninguém revolveu, à procura de pistas, a cabana do raptor, deixando essa missão para a protagonista, horas mais tarde. Entre os imperceptíveis pontos que ajudam a cimentar a nota positiva, assinala-se a salutar a eleição do filme Bridesmaids (2011) como o favorito das personagens.

The Call 2013

Stoker, de Chan-wook Park

Em ano de remake de Oldboy (2003), o realizador do original é libertado em Hollywood, mas deixa-se enredar pela sua superficialidade. Surreal e improvável, Stoker (2013) é um filme perdido no formalismo. Nas imagens que acompanha ou captura, nos sons que exacerbam o movimento ou a interrupção, na sensação que provoca o enquadramento de um plano. É um óptimo sítio para começar mas, eventualmente, deveria passar para o plano secundário e permitir à narrativa descolar. Stoker, porém, é mais observação do que deslocação.
Inicialmente sob o pseudónimo Ted Faulke, o guião é obra de Wentworth Miller, o protagonista de Prison Break (2005-2009), escrito entre a fuga da prisão e a participação em Resident Evil: Afterlife (2010). Como inspiração e ponto de partida, apresenta Shadow of a Doubt, de Hitchcock, de que o Sul-coreano Chan-wook Park terá gostado, justificando este projecto como o seu primeiro salto americano pelo tom negro mas sossegado, que lhe permitia colocar inúmeros toques pessoais. Até à data, Park aliava a escrita à realização: Oldboy (2003), Sympathy For Mr Vengeance (2002), Mrs Vengeance (2005), I’m A Cyborg But That’s OK (2006) e Thirst (2009). O título não é um trocadilho com o nome do autor de Drácula.
 
Quando as rodas da narrativa finalmente avançam, surpreendendo quem se perdera no slideshow de diapositivos, o percurso centra-se numa família disfuncional e idiossincrática, num momento simultaneamente de perda e reencontro, e assenta as suas estruturas no desabrochar e amamentação do espírito psicótico. O instante em que a mente quebra ou, mais propriamente, se completa, entendendo que aquilo que lhe faltava para estar inteira era provocar, ou assistir, à morte de outrem, é uma experiência enriquecedora, do ponto de vista cénico, ocorrendo entre um cinto no bosque e um duche masturbado, mas Stoker está, infelizmente, infestado de enguiços, com situações muito mal resolvidas, especialmente aquelas passadas em território escolar, autênticas pedras no sapato de um realizador proveniente de uma realidade diferente da retratada, e aquelas onde a morte é manifestada como materialização e não como mera presença. É, no seu todo, uma obra vazia, estéril, um mistério que exige certos passos para ser credível, mas onde as circunstâncias são manipuladas de modo a obtê-la, o que lhes retira naturalidade e remete para um campo teatral, com embrulho e laçarote, sem a intensidade com que deveria ser vivida.  
Tão adequada é a atmosfericamente negra partitura de Clint Mansell (a substituir um Philip Glass demissionário) como a prestação do elenco (Mia Wasikowska, Nicole Kidman e Matthew Goode), ainda que o papel de Tio Charlie tivesse servido como uma luva a Colin Firth, o primeiro contratado, antes de chegar a Matthew Goode, aquele que Wentworth Miller envisionara ao escrever. Em conclusão, Stoker é um híbrido, uma mistura de géneros e proveniências, que peca por falta de equilíbrio, no seu esforço consciente por causar estranheza, mas encanta o suficiente com a sua imagética eclética e intriga policial.
Stoker 2013

O Dia das Mentiras, de Fred Walton

Na febre dos remakes de horror, Fred Walton viu dois dos seus trabalhos mudarem de século: o thriller Chamada Misteriosa (When a Stranger Calls, 1979) e o anti-slasher O Dia das Mentiras (April Fool’s Day, 1986). O primeiro tornou-se clássico pela frase We've traced the call... it's coming from inside the house e o segundo não.
 
April Fool’s Day corresponde ao dia 1 de Abril, em Portugal conhecido por Dia das Mentiras, mas que nos EUA se aproxima mais de Dia das Partidas, que é no que se entretêm os personagens durante todo o dia, na ilha onde foram passar o fim-de-semana (copos que vertem, cadeiras que se desmontam, torneiras que esguicham, charutos explosivos, luzes que acendem outras quando são apagadas, etc). Depois, aparentemente, começa o Jogo dos Dez Negrinhos (apelidado nos EUA de E Não Sobrou Nenhum, por razões de correcção política), com as vítimas a abandonarem o palco, uma a uma.
Sem gore nem nudez, resta-lhe apostar tudo na reviravolta final, que surpreende tanto quanto desilude. No fundo, é uma experiência semelhante à de Gritos (Scream, 1996), onde as incongruências são corrigidas pela pista que faltava. Infelizmente, consistência nem sempre é sinónimo de entretenimento. Ainda assim, Walton mantém o serviço fluido, sem que o público se queixe muito das colheradas não saberem a nada. A banda sonora de Charles Bernstein, compositor de Pesadelo em Elm Street (1984), foi editada em CD, mas não fica no ouvido. Na retina, algumas caras conhecidas: Deborah Foreman, Ken Olandt e, claro, Thomas F. Wilson (o Biff de Regresso ao Futuro, 1985).   

April Fool’s Day 1986

Monday, August 5, 2013

The Toolbox Murders, de Dennis Donnely


Na década que distribuiu facas de lâmina romba por mãos hesitantes entre fazer hambúrgueres ou barbecue, uns tornaram-se chefs e outros amputaram o próprio futuro. Tobe Hooper massacrou o Texas, Wes Craven ensanguentou a última casa da esquerda e John Carpenter transformou uma máscara do Capitão Kirk na encarnação do Mal; nomes intermédios houve ainda como William Lustig e Larry Cohen, mas Dennis Donnely, cuja carreira se reduziu a stock director para a produtora televisiva de Jack Webb, nem pela aliteração no nome se destacou. Em 2004, Tobe Hooper realizou um remake só de nome e em 2013 chegou a sequela, que até o título perdeu (tendo passado a intitular-se Coffin Baby).
 
Alegadamente baseado em factos reais nunca corroborados por factos, ocorridos poucos anos antes numa área sórdida de Los Angeles, Os Homicídios da Caixa de Ferramentas é uma reconstituição obscura, tosca e envergonhada, que se entretém a atirar alguma nudez e ketchup contra a objectiva da câmara em segunda mão, sem um controlo firme da narrativa, da prestação dos actores nem da montagem.
 
A curiosidade deste video nasty esgota-se no título. Em duas noites consecutivas, um encapuçado faz cinco vítimas no mesmo condomínio. Enquanto que a polícia não segue uma única pista, dois adolescentes resolvem o puzzle sem dificuldades, cada um a seu tempo, o que acabará por conduzir a um confronto inesperado, ainda que de desenlace mal resolvido, faltando ainda tratar da situação do assassino e da vítima raptada (as outras quatro tiveram encontros imediatos com as ferramentas da caixa, nomeadamente berbequim, de uma chave de fendas, de um martelo e de uma pistola de pregos). Anónima violência urbana tratada com insuficiência de talento e de financiamento, a debater-se com um caso, na melhor das hipóteses, de mais olhos do que barriga. A abordagem dos temas da recta final (distúrbios mentais, religiosidade, incesto e violação) peca por trôpega e tardia; mas não deixa, reconheça-se, de elevar a fasquia.
 


Toolbox Murders, de Tobe Hooper

Filho do dono de uma sala de cinema no Texas, um aborrecido professor do ensino secundário e operador de câmara de documentários de 31 anos reuniu um grupo de colegas e alunos e revolucionou o cinema de terror, com o chocante Massacre no Texas (1974). O filme abriu-lhe as portas de Hollywood, mas o talento não entrou. Depois de Steven Spielberg se ter visto obrigado a substitui-lo na direcção de Poltergeist (1982), Tobe Hooper assinou contrato com a produtora Cannon e da mediania seguiu até à mediocridade, com os seus filmes a passarem rapidamente a direct-to-video. Para a televisão, adaptou razoavelmente a incursão de Stephen King pela lua cheia com Salem’s Lot (1979), mas foi anódino o serviço prestado a Freddy Krueger (episódio No More Mr Nice Guy, da série Freddy’s Nightmares). Quando, no documentário Flesh Wounds: Seven Stories of the Saw (2006), o director de fotografia Daniel Pearl reclamou a autoria dos mais imaginativos ângulos de câmara e enquadramentos de Massacre no Texas, tornou-se claro que o sucesso desse filme não de devia ao mérito do seu realizador.
Toolbox Murders (2003) é um remake de The Toolbox Murders (1978) apenas no título mas, qual cego a seguir outro cego, não lhe acrescenta nada. No filme original, um encapuçado matava três mulheres num complexo habitacional e regressava no dia seguinte para eliminar a última e raptar uma adolescente. Tratava-se de uma história de patologia e violência urbana, onde um homem destroçado pela perda (da filha) perdia o controlo ao ser ofendido por uma condómina (a primeira vítima) e se via obrigado a suprimir duas testemunhas (uma que o vira a sair do apartamento do primeiro crime e outra que o flagrava durante o segundo homicídio). Como perdido por cem, perdido por mil e o deboche é um crime punível aos olhos dos iníquos de Deus, regressaria no dia seguinte para matar uma condómina que gostava de dançar à janela em roupa interior e raptar uma adolescente que lhe lembrava a filha (falecida num acidente de viação). Inesperadamente, o filme ainda incluía menções a incesto (entre primos) e uma tesoura. Um filme mau, que podia ter sido, pelo menos, melhor.
 
remake tem, em comum, apenas a caixa de ferramentas e, bem, condóminos. Num prédio em obras, um indivíduo anda de apartamento em apartamento a matar residentes, uns mais irritantes, neuróticos ou bisbilhoteiros do que os outros, e uma nova moradora decide investigar o desaparecimento da vizinha do lado, quando esta não aparece para o jogging matinal. É um slasher de pacote, de sabor televisivo, sem alma nem elementos redentores. Ao contrário do original, invoca o ocultismo e namora o ambiente da casa assombrada, mas todas as mortes se servem de utensílios dos trabalhos manuais. Nem as presenças de Sheri Moon (ainda por casar com Rob Zombie), Angela Bettis e Juliet Landau salvam o filme da nulidade. Para falso remake, conta já com uma sequela de título Baby Coffin (2013). Sem menção a Toolbox Murders. Teria sido uma jogada para distanciar-se deste fiasco? Aparentemente, o consenso é de que é ainda pior …
 
The Toolbox Murders 2003

A Noite dos Mortos Vivos, de Fede Alvarez

Primeira longa-metragem do uruguaio Fede Alvarez, A Noite dos Mortos Vivos (2013) é apenas o remake cronologicamente no topo de uma interminável lista de execráveis desilusões. Evil Dead (1981) lançou a carreira de Sam Raimi, que entretanto perdeu toda a credibilidade (trilogia Homem-Aranha), sendo mais um prego no seu caixão ter sido quem escolheu o substituto.
 
Evil Dead não funciona nem como comédia inadvertida para quem ainda tenha paciência para remakes ou reboots, termos indicadores óbvios de desperdício de película e ausência de talento. Previsibilidade e histeria, com personagens estúpidas a cometerem actos indefensáveis sob uma irritante conjugação de gritos e uma banda sonora estridente (típica de Roque Baños). Lentes de contacto esquisitas, vómitos coloridos e uma câmara que não pára quieta, a correr entre os desmembramentos e as saídas de emergência, para impedir os insatisfeitos de abandonarem a sala. Um filme baço e entediante, sem a menor entrega ou alma, num descrédito tal que até humanos violenta e reiteradamente agredidos com barras de ferro nos membros superiores apenas precisam de alguns minutos de pausa para que estes, sem a menor dor, reganhem a mobilidade e a força. De entre as regras mais básicas, não respeita sequer a da construção gradativa do suspense nem a do estabelecimento de personagens minimamente interessantes para que o seu destino não seja selado com indiferença.
 
Sem som, até poderia funcionar como um case study para técnicos de efeitos especiais, eventualmente menos cansativo sem o incómodo dos berros e da orquestra. A narrativa é ténue e risível, com dois casais a reunirem-se numa cabana de bosque para ajudarem uma toxicodependente (irmã de um deles) a ver-se livre dos últimos resíduos de droga no organismo. Há também algumas frases soltas sobre uma mãe doente que não adianta nada. Na cabana, encontram o livro dos mortos, Necronomicon (agora chamado Naturom Demonto), e quatro palavras em latim são suficientes para acordar a besta.
 
É certo que, até hoje, nenhum remake de uma pérola do terror chegou aos calcanhares do original, mas este é dos piores exemplos (no outro extremo estará, eventualmente, Massacre no Texas, 2003). Ao proclamar-se, nos cartazes publicitários, o filme mais aterrorizador de sempre, estava a convidar o fracasso e a anedota. Fica a curiosidade de Diablo Cody (criadora de Juno e de As Taras de Tara) ter sido contratada para americanizar os diálogos, mas tão poucas das suas sugestões foram efectivamente aceites que foi dispensada dos créditos (pelo que, diga-se, ficou ela a ganhar). Uma sequela já se encontra na forja, e convém notar que Evil Dead II (1987) era mais um remake do que uma sequela, tendo repetido o enredo com efeitos especiais mais convincentes. 
 
Reforça-se (nunca será demais) a nulidade do filme e a estupidez dos envolvidos com a referência a um prólogo perfeitamente dispensável e que deveria alterar a noção do Livro dos Mortos. Isto é, ao contrário do Necronomicon, que era um manual de instruções para invocar um demónio, o Naturom Demonto é utilizável com o objectivo de aprisioná-lo ou eliminá-lo, conforme as páginas. É um livro troca-tintas.