Wednesday, December 28, 2011

A Coisa, de Matthijs van Heijningen Jr.

A Coisa reverte para um parasita extraterrestre que toma a forma dos seus hospedeiros e que, no seio de uma colónia científica na Antártida, provoca a paranóia dos biólogos e a sua exterminação um a um. O parasita tem tal adaptabilidade que começou por ser um conto de John W. Campbell (intitulado Quem Vem Lá - Who Goes There), passou a filme em 1951 (A Ameaça - The Thing From Another World, de Christian Nyby), a outro filme em 1982 (The Thing – Veio de Outro Mundo, de John Carpenter), no mesmo ano tornou-se romance, em 1991 foi uma banda desenhada, em 2002 jogo de computador e finalmente, em 2011, volta ao cinema.
Os produtores Marc Abraham e Eric Newman, satisfeitos com os dividendos do sucesso do remake de Dawn of The Living Dead (O Renascer dos Mortos, 2004), procuraram outros projectos para desenterrar. Veio do Outro Mundo chamou-lhes a atenção mas, como John Carpenter é um cineasta de culto, acharam melhor trabalhar o conceito sem o copiarem. Surgiu, então, a ideia de escrever uma prequela, que terminasse precisamente onde o filme original começou.
A Coisa (2011) limita-se a desenvolver o conceito de Veio do Outro Mundo (1982) deixando as vítimas no sítio e com o aspecto com que foram encontradas pela equipa de John Carpenter, contratando duas actrizes para que nem todos os personagens tivessem pêlo na venta.Joel Edgerton, de barba, fica, curiosamente, parecido com Kurt Russell, protagonista do original, e Mary Elizabeth Winstead, apesar da intenção dos produtores, nunca chega a confundir-se com Ripley, a heroína de Alien – O 8º Passageiro (1978). Winstead é um pãozinho sem sal, ao contrário de, por exemplo, Kate Beckinsale, que enfrentou a neve com muito mais sensualidade em Whiteout (2009).
De qualquer modo, o verdadeiro personagem de A Coisa sempre foi o medo. A história vinha dos tempos da Guerra Fria, chegava dois anos antes da caça às bruxas do Senador McCarthy, mas já os Soviéticos tinham a bomba atómica, Mao controlava a República Popular da China e a guerra da Coreia, com tropas americanas no terreno, estava em pleno. Hollywood tinha passado a década anterior a desenvolver tramas onde o inimigo era alemão, agora estava na hora de mudar-lhe a cor e os contornos, já que este conflito se conduzia por trás da fachada da diplomacia, no braço de ferro da ostentação militar. A propaganda adoptou mil e uma formas e A Coisa foi uma delas. Um comunista é uma pessoa com o mesmo aspecto das outras, mas esconde um segredo capaz de destruir o tecido da democracia e da humanidade tal como os americanos a queriam moldar. Num posto perdido na neve do Pólo Sul, um grupo de militares era confrontado com um inimigo que podia esconder-se dentro de qualquer um deles e alastrar o mal aos outros, de tal modo que o amigo da véspera podia ser o inimigo de hoje. Como impedir a propagação deste Mal, como identificá-lo, como sobreviver-lhe?
Há ideias que perduram e a Guerra Fria existente ao tempo de A Ameaça aguentou-se até Veio de Outro Mundo, mas depois da queda do Muro de Berlim, da Perestroika e do 11 de Setembro, o único inimigo que sobra como caricatura usa turbante e túnica. Por conseguinte, a prequela de 2011 surge esvaziada de significado politico-social. Os noruegueses não são inimigos dos EUA e os personagens não saltam do papel. Há apenas um entrave linguístico, limado pelo facto de todos os personagens, menos um, falarem inglês. A sensação de isolamento podia ser mais opressiva, mas dou isso de barato. Infelizmente, como há muitos personagens e não se cria empatia com nenhum (nem com a protagonista), o processo de eliminação sistemática torna-se aleatório. O final, passado na nave extraterrestre, lembra o da longa-metragem Ficheiros Secretos: Fight The Future (1998) e até o de Cowboys e Aliens (2011).
O realizador Matthijs van Heijningen Jr. é estreante e o argumentista Eric Heisserer mais valia que o fosse, porque terPesadelo em Elm Street (2010) e O Último Destino 5 (2011) no currículo não é uma mais-valia. Os efeitos especiais não são mais do que razoáveis, o suspense está lá, mas ninguém se chega realmente a importar com quem é humano e quem é infectado. Se havia necessidade de repescar o título e adicionar-lhe mais um capítulo, não.
The Thing 2011

A Noite do Espanto, Craig Gillespie

Ao clacissismo dos anos 1950, os 1970 responderam com o grotesco e os 1980 com a irreverência. O novo milénio, à falta de contraponto, tem-se dedicado a vampirizar as glórias do passado. Isso é ainda mais verdadeiro no caso de A Noite do Espanto (1985), que já à época colava comédia, romance e terror num caldo invulgar.
Foi Tom Holland, argumentista de Psycho II (1983) e realizador deChucky – O Boneco Diabólico (1987) quem se estreou atrás das câmaras com esta história, que também escreveu, de um adolescente que descobre ser vizinho de um vampiro e, quando este começa a cortejar-lhe a mãe, recorre a um apresentador de sessões de terror antológico da TV para pôr fim ao abuso. O filme dava um cunho pessoal aos estereótipos da série-B em voga, simultaneamentecheesy e creepy. Foi o segundo colocado nas bilheteiras de terror de 1985, atrás de Pesadelo Elm Street 2.
Em 2011, surge um remake em 3D e IMAX. Recupera o título, mas sai dos subúrbios verdejantes de uma grande cidade para os desérticos de Las Vegas, onde as casas parecem saídas de Wisteria Lane, mas à volta há apenas deserto. Em vez do suave e sedutor Chris Sarandon, um dos mais charmosos vampiros de toda a raça dentuça, aparece agora Colin Farrell, de ganga desbotada e manga cavada branca, palito no canto da boca e atitude convencida e oleosa; provavelmente, queriam a antítese do original, o que conseguiram em todos os pontos: onde o original era engraçado, emocionante ou assustador, o remake não atinge a fasquia.
Marti Noxon é argumentista e tem sido consultora produtiva em diversas séries, tendo começado na segunda temporada de Buffy e passado por Prison Break, Anatomia de Grey, Clínica Privada e Mad Men. Nunca se aguenta muito tempo no mesmo sítio e nem sempre é bem sucedida nas suas escolhas. Com o argumento de Noite de Espanto, espalha-se ao comprido. Craig Gillespie, com carreira na publicidade, estreou-se na sétima arte com o desolador Mr Woodcock(2007), que abandonou por causa da opinião negativa das plateias de teste (o filme sofreu novas filmagens e montagem e continuou péssimo), ao que se seguiu o mais bem sucedido Lars e o Verdadeiro Amor (2007) e seis episódios de As Taras de Tara. Noite De Espanto(2011) prova que deve voltar à publicidade.
Se Tom Holland misturou vampiros com Pedro e o Lobo, Craig Gillespie deixou cair ao chão e juntou o lixo com a vassoura. É o que acontece quando se põe um brinquedo nas mãos erradas. Permanece inexplicável Hollywood ainda não ter entendido que Anton Yelchin não tem estofo para herói, mesmo depois de Alpha Dog (2007),Terminator Salvation (2009) e Star Trek (2010). Colin Farrell excede-se na teatralidade, Toni Collette consolidase numa das personalidades mais simples de Tara Gregson, David Tennant repete a sua encarnação de Dr Who e Imogen Poots dá gosto ver.
Fright Night 2011

Thursday, December 15, 2011

A Casa dos Sonhos, de Jim Sheridan

Jim Sheridan já tinha saído da sua zona de conforto em Get Rich or Die Tryin’ (2005), uma espécie de biografia do rapper 50 Cent, com resultados desastrosos, e agora tenta um novo género, o do thrillersobrenatural. Uma família de quatro muda-se para a casa nova, numa fina e resguardada zona residencial suburbana, apenas para descobrir que cinco anos antes, a mesma casa foi cenário de um crime hediondo, onde supostamente um pai matou as filhas e a esposa. O proprietário tenta aprofundar a matéria e descobre coisas sobre o seu próprio passado que não esperava.

Reconhece-se que o argumento de David Loucka (tem um guião filmado por década, desde 1989) está bem construído, à excepção do final que, de tão atropelado, deita todo o filme a perder. O realizador também não é livre de culpa, pois não sabe alimentar os seus actores, nem o mistério. Para inquietar a plateia, só sabe forçar ruídos e esconder vultos ao longe, com duas actrizes de peso, Rachel Weisz e Naomi Watts, completamente desperdiçadas. Pior do que elas, Elias Koteas, um nome que em tempos foi promissor mas hoje não tem fama nem cabelo, parece ter recebido uma esmola, e Marton Csokas aproveitou duas ou três cenas para pôr num currículo mais bem servido no mesmo ano por A Dívida. Daniel Craig é rei e senhor.

Dream House 2011


Contágio, de Steven Soderbergh

Um olhar clínico sobre o alastrar de uma pandemia virulenta, seguindo o percurso das instituições accionadas no sentido de conter o vírus, estudá-lo, cultivá-lo e finalmente extrair dados suficientes para a criação de uma vacina. A paranóia em redor da gripe das aves, no verão de 2010, despoletou o interesse de Steven Soderbergh e o argumentista Scott Z. Burns fez-lhe a vontade. É a segunda vez que os dois trabalham juntos (O Delator, 2009), mas a brincadeira passou a seriedade. Burns já tinha participado no guião de Bourne Ultimato (2007), por isso sabe o que é necessário para deter um assassino sem nome.

Ambiciosamente, a história começa no dia 2 da propagação do vírus e avança a partir daí, estabelecendo que todos os actos humanos são comportamentos de risco, já que tocamos em tudo e os germes transmitem-se pelo ar e pelo contacto físico. Este mecanismo, para além de provocar o pânico aos hipocondríacos, tenta desarmar o espectador comum, cujo modus operandi o coloca à mercê da ameaça. A partir daí, segue-se o caminho típico do E se… , através de um processo que a comunidade científica apreciou pelo seu rigor e fiabilidade, mas que peca por alienar tanto o vírus como o público.

Contágio está recheado de actores com Óscares (Marion Cottillard, Matt Damon, Gwyneth Paltrow e Kate Winslet) e nomeações (Jude Law, Laurence Fishburne, John Hawkes e Elliot Gould), como se Soderbergh fosse, ao contrário de uma praga, um aglutinador de talentos mas, infelizmente, são mais sonantes os nomes do que os papéis. O elenco de ensemble dá pouco a cada personagem e o aprofundamento individual é nulo. Chega-se ao final com a sensação de missão cumprida, mas não que seja para recordar.

Contagion 2011


Apollo 18 - Missão Proibida, de Gonzalo López-Gallego

1969 marcou um pequeno passo para o homem e um grande passo para a humanidade, mas o ano seguinte, no caso das missões lunares norte-americanas, deu um passo atrás. Cortes no financiamento da NASA conduziram ao cancelamento das três últimas viagens programadas, Apollo 18, 19 e 20.

Apollo 18 tem o azar de chegar numa altura em que já ninguém acredita em embustes. O Projecto Blair Witch (1999) foi o primeiro filme a afirmar ser composto pela montagem de gravações abandonadas por pessoas presumivelmente mortas, chegando ao cúmulo de criar um site em que os actores eram dados como desaparecidos, para tentar convencer da fidedignidade das filmagens. Tinha nascido o fenómeno da câmara subjectiva, explorado exaustivamente durante a última década, emblemático agora por Actividade Paranormal (2009), o único a completar uma trilogia.

Quanto ao artifício de Apollo 18, supostamente, teriam sido vazadas oitenta e quatro horas de filmagens oficiais dessa missão lunar para um site da Internet e a produção do filme ter-se-ia limitado a montar 90 minutos desse material. A favor do realizador espanhol Gonzalo López-Gallego, a sua quarta longa-metragem não é isenta de mérito, mas esta fica-se pela caracterização. A encenação é excelente, tanto na apresentação da tripulação da nave como no efeito claustrofóbico e realista do interior do módulo lunar. José David Montero porta-se bem na direcção de fotografia, imprimindo ao ecrã um recorte de película antiga, quadrada e recortada nos cantos, com um adequado ar de snuff. A montagem do experiente Patrick Lussier ajuda com uma colagem estrategicamente deficiente e constantes reproduções à procura de focagem. Este efeito dura cerca de 20 minutos, quando a partir daí começam a notar-se ângulos e enquadramentos injustificados, já que não coincidem com a localização das câmaras fixas nem os personagens seguram uma máquina de filmar.

A ideia básica tinha saída: A Apollo 18, afinal, não foi cancelada mas, como correu mal, todo o projecto foi ocultado da comunicação social. O filme propõe-se a revelar o que aconteceu aos tripulantes. Enviada para a lua em 1973, com uma missão de recolha geológica, a equipa depara-se com uma sonda soviética desocupada e um cosmonauta morto numa cratera. Como deveriam ser os únicos humanos na região, os norte-americanos suspeitam de manipulação por Houston e que a verdadeira missão era investigarem o que aconteceu aos russos. As cautelosas comunicações com a base terrestre não os sossegam.

Infelizmente, a curiosidade também morre depressa porque, em vez de atrair com migalhas, as pistas são logo demasiado óbvias. O inimigo esconde-se à vista: as rochas são seres vivos, uma espécie de crustáceos com patas, que se movem como caranguejos e são capazes de cortar os fatos dos astronautas e carne humana. O mistério é desvendado a um terço da fita e o resto fica enguiçado, sem propósito ou virtude. Concede-se que o conceito de afirmar que a vida na lua reside na própria crosta lunar é interessante, mas a concretização é débil, para não ser mais contundente.

Mesmo para a História do artifício cénico da câmara subjectiva,Apollo 18 não passa de uma nota de rodapé e nem presta um serviço à prova de bala. Já sem repetir os ângulos de câmara onde não há câmaras, se a Apollo 18 foi a última missão lunar, como é que foram recuperadas as filmagens, até hoje abandonadas a milhões de quilómetros de distância? A própria tripulação menciona a inexistência de sistemas de live feed para a NASA e que, se a sonda não regressar à Terra, ninguém saberá o que aconteceu.

Apollo 18 2011


Medo Profundo 3D, de David R. Ellis

O peixe mais mediático está de volta à sétima arte mas, infelizmente, pelas mãos que maltrataram Serpentes A Bordo (2006). David R. Ellis era um duplo que passou a coordenador dessa arte de brincar com o perigo em 1978 (A Invasão dos Body Snatchers), a assistente de realização em 1983 (Gorky Park) e a realizador em 1996 (Homeward Bound 2). Os seus títulos mais marcantes sãoCellular - Ligação de Alto Risco (2004) e o já referido e anedóticoSerpentes A Bordo.

Steven Spielberg sempre foi atraído pelo peso e, antes de dar a Robin Williams o papel de Peter Pan, fez acelerar pelas estradas poeirentas e pelas águas geladas dois assassinos com tonelagem robusta: um camião TIR (Duel, 1972) e um tubarão branco (O Tubarão, 1975). Ambos despoletaram inúmeros seguidores, com os oceanos a serem dominados pela máquina assassina em formato de torpedo, com barbatana dorsal ameaçadora e dentes de motosserra.

David R. Ellis trata os peixes como tratou os répteis. Sem zelo, sem panache, sem cuidado. O seu método de meia bola e força é evidente em cada cena e o resultado é deplorável. Obviamente que o título não engana e Ellis deve conhecer os seus próprios méritos, concluindo assim que, se o projecto lhe era entregue, as expectativas seriam mínimas. Mesmo assim, não cumpre.

O título original, Noite de Tubarões 3D, diz tudo, ou deveria. Reduzindo a película à desconstrução do título: noite, tubarões eestereoscopia, a única coisa que surpreende é a ausência de topless. Mais, ataques diurnos, paralaxe neutra e tubarões CGI de qualidade deplorável, assim como as ondulações que provocam na água. Se recordarmos Deep Blue Sea (1999), a incursão do finlandês Renny Harlin na piscina dos predadores, fica a sensação de que não ocorreu a menor evolução, em termos de animação por computador, nos últimos doze anos. Terá sido, eventualmente, falta de investimento, a desperdiçar um orçamento de 25 mil euros em tubarões de borracha e toalhas de praia.

O elenco não tem nomes sonantes, como se imaginava, mas não deixa de ser curioso. Sara Paxton já foi sereia em Aquamarine(2006) e Chris Carmack mergulhador em Into The Blue 2 (2009). Carmack entrou em Efeito Borboleta 3 (2009) e Dustin Milligan emEfeito Borboleta 2 (2006). Chris Zylka saiu daqui para Piranha 3DD(2012). Joel David Moore já é um rosto conhecido, com presenças mais notórias na sátira a Sexta Feira 13, Hatchet (2006) e Avatar(2009). Joshua Leonard estreou-se em Projecto Blair Witch (1999). Katharine McPhee entrou no American Idol (2002), não é uma scream queen, mas tem bom corpo.

Medo Profundo 3D devia chamar-se Shark Weekend em vez de Shark Night, já que se passa durante um fim-de-semana e os tubarões também mordem de dia. Infelizmente, um filme de biquinis e barbatanas para adolescentes é demasiado tímido em carnes e dentadas e leva-se demasiado a sério para tão pouco empenho. Ao contrário de Piranha 3D (2010), Medo Profundo 3D esquece-se do seu propósito e não sabe entreter. Os tubarões são esparsos e pindéricos, o enredo é ridículo e tem ainda situações que raiam o mau gosto, como um negro de lança (Shaka Zulu?) a querer caçar um tubarão com água pela cintura; e consegue, porque o tubarão vem até ele. Mas, o pior da fita é não ser envolvente nem impressionante. E tubarões que não impressionam …

Shark Night 3D 2011


Não Tenhas Medo do Escuro, de Troy Nixey

Não Tenhas Medo do Escuro é a última produção de Guillermo Del Toro, remake de um telefilme com estatuto de culto de 1973. Del Toro co-escreveu o guião, dizendo-se influenciado por Arthur Machen, mas isso de pouco significa, já que Machen inspira seguidores há mais de um século, tendo sido considerado por H.P. Lovecraft como um dos quatro autores mais influentes do género, noção reforçada por Stephen King no século XX, com o conto The Great God Pan a ser eleito como o melhor trabalho de Machen (de notar que O Labirinto de Fauno, filme fantasista de Del Toro, é, no original, o Labirinto de Pan).

Guy Pearce e Katie Holmes estrelam, mas o ovo é podre. A história é simples, mas mais estúpida do que no original. Numa mansão, há criaturas encerradas por trás da caldeira da cave, que têm como regra matarem a pessoa que as solta; deve ser a sua forma de agradecerem a liberdade. Del Toro mistura isso com uma inicial martelada nos dentes, mas a ligação entre as criaturas da caldeira e a fada dos dentes é meramente formal e nunca chega a ter seguimento, já que as criaturas só se interessam por dentes no prólogo.

As criaturas, composições integralmente em CGI que parecem ratazanas corcundas, são a única curiosidade do filme, mas cansam depressa. O enredo é pedestre e as representações também, chorando-se aqui a presença apagada de Guy Pearce, já que a de Katie Holmes é tão risível como tudo (o pouco) que fez desdeDawson’s Creek. É daquelas fitas onde os personagens fazem o que não devem, desconsideram pistas evidentes e ocorrem coisas absurdas como a polícia arquivar como acidente um incidente que envolve um homem adulto alvo de dezenas de cortes de x-ato. Qual terá sido o corte acidental, o primeiro ou o vigésimo?

Don’t Be Afraid of the Dark 2011


Os Olhos de Júlia, de Guillem Morales

Os olhos são o espelho da alma e, por isso, os cegos despertam tanto a curiosidade do cinema de terror. Não é que não tenham alma, mas o seu espelho está baço o suficiente para poder esconder mistérios insondáveis. Olhos de Laura Mars, Abre Los Ojos/ Vanilla Sky, The Eye (original e remake), são títulos em redor do tema. Guillermo del Toro aceitou o pedido do realizador Guillem Morales, que precisava de melhores meios e mais tempo para terminar o filme do que inicialmente previsto, e volta a produzir uma película de terror espanhola, depois de O Orfanato (2007). A actriz principal é novamente Belén Rueda, a mesma que já nos maravilhara em Mar Adentro (2004).

Os Olhos de Júlia é uma história perturbadora, com um vilão misterioso que é capaz de colar-se de tal modo ao cenário que se torna literalmente invisível. Neste ponto, Guillem Morales está irrepreensível, já que a sua câmara capta exclusivamente aquilo que quer que seja visto, ocultando tudo o resto, como um ilusionista, mantendo o público tão cego como a protagonista, mesmo que esteja atento a cada ponto do ecrã. Providencial neste campo revela-se a criatividade do director de fotografia Carlos Faura, escolhendo close-ups para enublar o que está fora do ponto de focagem e iluminação especialmente atmosférica para manter bem perto do público a sensação de perigo. A música de Fernando Velásquez cumpre aqui a sua quota.

O filme começa com um puzzle. Conforme admitamos que Sara estava ou não acompanhada no momento em que se enforcou, isso poderá ser a diferença entre suicídio e homicídio. A sua irmã, Júlia, não quer acreditar e investiga. Só que, como Sara, ela sofre de uma doença degenerativa da visão, motivada pelo stress, e não há dúvida de que os próximos eventos vão puxá-la ao limite. Conseguirá resolver o mistério antes de cegar?

Mas, mem tudo são rosas. A um suspense exemplar até meio da narrativa, a recta final precipita demasiados elementos novos para a panela: o vizinho obsceno, a filha deste que entra por janelas como se fosse o Homem-Aranha e a senhora do lado que se fazia passar por cega, mas afinal apenas tentava enganar o filho. Também não se compreende como é que um transplante de córnea pode falhar tão depressa ou se havia a necessidade de desfecho tão desolador.

Los Ojos de Julia 2011


Tuesday, November 15, 2011

Dead Silence, de James Wan

James Wan e Leigh Whannell adormeceram a ver Achmed – The Dead Terrorist, o sketch de stand up de Jeff Dunham, e acordaram comBilly, o fantoche de triciclo de Saw (2004), na memória. Não sendo conhecidos pelo sentido de humor, optaram por um ventríloquo mudo e, para que fizesse sentido que o cartaz contivesse o slogan “Dos criadores de Saw”, assassino.

Sem saberem como abordar o tema de forma original, começaram pelo seu design, uma mistura de Pee Wee Herman e de Robert Blake (qual deles o mais assustador), e entretiveram-se a resumir contos de fantasmas de Sheridan Le Fanu e de M. R. James.

Um casal recebe um boneco de ventríloquo, sem remetente, e este agradece a hospitalidade matando o elemento feminino do casal. O viúvo inicia uma investigação, que o conduz à sua cidade natal, praticamente uma sombra desde que a fábrica local fechou. O polícia encarregue do inquérito ao homicídio da esposa vai atrás dele. Por trás do mistério está uma ventríloqua do início do século XX, acusada de raptar um menino que duvidou das capacidades dela em palco, e que foi morta pela populaça. Como na cartilha mafiosa, os fantasmas não descansam enquanto não se vingarem de todos os descendentes daqueles que os prejudicaram. Se parece O Pesadelo Em Elm Street(1984) com um boneco na mão em vez de lâminas, nem a cantilena de conjuração escapa à mediocridade.

Assim como Saw, Dead Silence é um pequeno conto do imprevisto esticado à duração de longa-metragem, que ganha com uma lindíssima direcção de fotografia, mas perde em tudo o resto. Otwist final, então, dá para rir, especialmente no que toca ao tubo por onde passa a sopa. Reencontro com o compositor Charlie Clouser (de toda a saga Saw) e com Donnie Wahlberg, também polícia em Saw IIe III.

Dead Silence 2007


Fear X, de Nicolas Winding Refn

Fear X baseia-se num dos poucos guiões para cinema escritos pelo novelista Hubert Selby Jr., autor de Última Saída Para Brooklyn eRequiem Para Um Sonho, ambos adaptados ao cinema. O fracasso de bilheteira do filme conduziu a companhia do realizador Nicolas Winding Refn à falência. Cabe analisar o fiasco.

Duas pessoas são assassinadas no parque de estacionamento de um centro comercial e o viúvo de uma delas, obcecado em desvendar o mistério por trás do atentado, assiste a dezenas de horas de gravações de vigilância, cataloga e documenta suspeitos. Tudo indica que a esposa estaria no sítio errado à hora errada, mas nada o demove da sua investigação. Até aqui, tudo bem. Num estilo próximo de David Lynch, Nicolas Winding Refn revela-se exímio na execução dos planos, com um rigor e planeamento que não descura um único detalhe. O mistério adensa de forma lenta, cativando o espectador pelo olhar pesado de John Torturro, pela frieza dos cenários e pelo minimalismo da banda sonora assente em ruídos.

Uma pista nova conduz o viúvo para fora do seu elemento, e aqui é introduzido um novo personagem, ao ponto de o original se perder no papel de parede. Esta cisão é tão drástica que se levanta a hipótese de o projecto ter sido rasgado em dois e cada metade entregue a uma equipa diferente, sem que o primeiro saiba como a história vai acabar ou o segundo como começou. Abandonado neste limbo, o espectador acaba por assistir à solução do mistério, mas de uma forma tão desconcertante que apetece deixar o filme a meio.

O dinamarquês Nicolas Winding Refn estreou-se na terra natal comPusher (1996) e foi precisamente o fracasso de Fear X que o obrigou a regressar ao tema e a dirigir mais dois capítulos de Pusher, de modo a salvar a sua produtora da bancarrota. Em 2011, venceria o Prémio de Melhor Realizador em Cannes de 2011, com Drive, masDestino de Sangue (2009) é a sua obra-prima até ao momento.

Spoiler Alert: Porque haveria o assassino de alugar a casa em frente da da vítima, se a morte desta não passou de um acidente, o facto de ter surgido em cena exactamente quando ele executava um agente da DEA corrupto?

Fear X 2003


Attack The Block, de Joe Cornish

Para um filme com miúdos a enfrentarem aliens, o verão de 2011 não vai ficar marcado por Super 8, o blockbuster de J.J. Abrams e a Steven Spielberg, mas por um pequeno filme britânico intituladoAttack The Block. Muito mais original e empolgante, a estreia de Joe Cornish na sétima arte é marcada por algumas escolhas arriscadas, a começar pelos heróis. Com acção situada na zona sul de Londres, um grupo de adolescentes encapuçados assalta ameaçadoramente uma mulher e, a seguir, movidos pela sua natureza violenta, matam à pancada o primeiro alien que encontram pela frente. Como se compreende, não é fácil encará-los com empatia, porque o primeiro impacto perante a sua atitude não pode ser senão o mais vigoroso desprezo. Eventualmente, porém, o inacreditável acontece: o humor e a acção levam a melhor sobre a audiência e torna-se involuntário torcer pelos rapazes, afinal vítimas das circunstâncias sociais.

Joe Cornish, que co-escreveu para Spielberg o guião de Tintin - O Segredo do Licorne (2011) e está a trabalhar actualmente no doHomem-Formiga para a Marvel, é primordialmente um comediante, nomeadamente no programa Adam and Joe, que teve quatro temporadas. Cornish tem trabalhado para a BBC como apresentador de rádio e sentou-se atrás das câmaras nas séries Modern Toss eBlunder (e um teledisco de Charlotte Hatherley), mas nada que preparasse para Attack The Block. O filme estreou em Maio na Grã-Bretanha, sem interessados pela distribuição norte-americana, mas o êxito inesperado reverteu a situação. Compreensivelmente.

Joe Cornish é amigo de Edgar Wright, realizador e argumentista deShaun of the Dead (2004) e Hot Fuzz (2007), e contribuiu para os DVDs de ambos com makinf ofs. Nesses dois filmes e em Attack The Block entra Nick Frost, que em 2011 não se cansa de extraterrestres, tendo rumado aos EUA para fazer dupla com Simon Pegg em Paul, onde acompanham o alien de Roswell numa caravana, em fuga ao FBI. Edgar Wright é outro co-argumentista de Tintin - O Segredo do Licorne (2011) .

Attack The Block é uma estreia de respeito. Tem suspense, aventura, uma história intrigante e bem humorada e efeitos especiais que mostram que a simplicidade e a economia podem andar de mãos dadas com a excelência. A presença dos aliens cinge-se ao mínimo, mas estes estão omnipresentes, através de um equilíbrio matreiro de sons e movimentos de câmara. Os efeitos especiais estiveram a cargo do estúdio holandês Fido, que incorporou CGI por cima dos homens em fatos peludos que compuseram os aliens junto dos actores. O pêlo dos fatos foi corrigido para parecer espicaçado e os dentes afiados são fosforescentes; não têm olhos. Parabéns pelo conceito, concretização e tudo o mais.

Attack The Block 2011