Friday, June 29, 2012

Piranha 3DD, de John Gulager


Feito com os dejectos de Piranha 3D (2010), chega mais uma leva de esfomeados peixes carnívoros, agora com a copa duplicada. Se o primeiro já era um duvidoso exercício de ordenha desesperada,Piranha 3DD consegue ser muito pior. Alexandre Aja estava a anos-luz de John Gulager, realizador da trilogia Feast (2005-2009).
O palco, que no original foi um típico lago de férias da Páscoa, é agora um parque aquático, mas a essência é a mesma: músculos, mamas, e um humor imberbe. Paredes-meias com a total nulidade,Piranhas 3DD não aprendeu com as falhas do primeiro e continua a agir com tanta descontracção que se esquece do factor perigo. Danielle Panabaker, a serôdia protagonista que já se safou de Jason Voorhees (Sexta Feira 13, 2009), deve ter vendido o cérebro à ciência, porque, depois de ter visto uma piranha atravessar uma placa de aço para chegar à sua vítima (no caso, uma rã) e de ter sido cercada por dezenas delas enquanto estava num pontão, não só se lança a um lago, à noite, para verificar se uma conduta está bem selada, como, em pleno ataque de piranhas às piscinas, mergulha novamente, para salvar inocentes. Talvez seja da sua copa diminuta, mas as piranhas nunca se decidem por devorá-la, chegando a fazer sprint às suas pernas, apenas para desistirem, sem justificação, do propósito.
Frustrante e insignificante, Piranha 3DD esquece-se que a Internet é um inesgotável oceano de pornografia e de que o público adolescente já não depende de fitas embrutecedoras para ver mulheres emtopless. O filme não tem suspense e os efeitos especiais continuam a privilegiar o 3D em vez do realismo. Onde está o entretenimento? Resta David Hasselhoff, a parodiar a sua persona de nadador salvador, como único factor positivo.O cameo de Gary Busey não traz nada de novo, a homenagem à cena da banheira de Pesadelo em Elm Street (1984) teria funcionado melhor se não fosse um sonho e a cena em que uma piranha sai de dentro da vagina de uma mulher e morde o pénis do parceiro, que corta o órgão genital para se livrar do peixe, é demasiado surreal e absurda (e só é explícita do lado masculino).
Piranha 3DD 2012

Twixt, de Francis Ford Coppola


Discípulo de Roger Corman nos seus anos formativos (O Terror, 1963), o cineasta Francis Ford Coppola vem, uma vez mais, assinar o seu declínio. Depois de ter aberto caminho a tiro, o maior expoente da sua carreira permanece enterrado nos anos 1970. O Padrinho(1972 e 1974) e Apocalipse Now (1979) fizeram-no sonhar com um musical que lhe arruinou o estúdio (Do Fundo do Coração, 1982), rixas entre adolescentes ainda o aguentaram na primeira metade da década de 1980 (Os Marginais e Rumble Fish, 1983), mas a partir daí foi sempre a cair, do casamento de Peggy Sue (1986) às cantorias doCapitão Eo (1986) e nem o carro de Tucker (1988) pegou. Do fundo do poço da indiferença pública, apelou a dois títulos com valor de mercado: O Padrinho (1990) e Drácula (1992). O mal das mezinhas é que têm efeito passageiro.
Em Twixt, o realizador escolheu Val Kilmer para protagonista e ofereceu duas cenas à ex-mulher do actor, Joanne Whalley, que entre 1988 e 1996 foi Joanne Whalley-Kilmer. A magia de Willow (1988) perdeu-se de tal maneira que as turras de Kilmer com o IRS, em2011, a levaram a exigir-lhe a casa como garantia do cumprimento da pensão de alimentos. Estrelaram Dinheiro Sujo (1989), mas a presença de ambos em Played (2006) é praticamente uma miragem: Kilmer entra apenas durante um minuto e não contracenam juntos. Em Twixt, separa-os uma chamada de skype: ela é apenas um rosto num computador portátil, presumivelmente até em actuação pré-gravada.
A história de Twixt surgiu a Coppola num sonho, que o realizador desenvolveu. Segundo ele, uma história de terror gótica com laivos de Poe e Hawthorne, mas os sonhos são assim, não se confundem com a realidade. Twixt é um equívoco. Horrendo, sim, mas pela incapacidade em transmitir mais do que um fait-divers ensonado, uma fantasia que mistura um escritor de quinta categoria e o quintessencial Edgar Alan Poe (muito bem composto por Ben Chaplin), que se cruzam em sonhos (lá está a inspiração), numa terreola onde um padre matou, há muitos anos, as órfãs a seu cargo e actualmente há um corpo na morgue com uma estaca no peito. Nem David Lynch seria capaz de rir-se do depauperamento de Twixtface a Twin Peaks.
Val Kilmer já foi Morrison, Elvis, Batman e O Santo, mas agora não passa de uma amostra de Brando em final de carreira. Bruce Dern também já foi magro e Elle Fanning continua na sombra da irmã Dakota. Francis Ford Coppola mostra-se preguiçoso a escrever e autista a dirigir. Os sonhos a preto e branco, com coloração específica de elementos esparsos, recordam o peixe dourado deRumble FishTwixt quer dizer Entre.
 
Twixt 2012

Tuesday, June 12, 2012

Babycall, de Pal Sletaune


Escrito e realizado pelo norueguês que se recusou a dirigir Beleza Americana (2001) por torcer o nariz ao guião de Alan Ball, chegaBabycall, depois de duas comédias negras e de um excelente thrillerpsicológico que se pode considerar, pela sua duração, uma média-metragem (Naboer – Next Door, de 2005, só tem 75 minutos de duração). Desta vez, porém, Pal Sletaune traz uma história tão confusa e insatisfatória quanto a sua protagonista.
Anna e o filho Anders, de oito anos, chegam à nova morada, nos arredores de Oslo. Sob os cuidados do serviço de menores, percebe-se que ambos foram vítimas de abuso doméstico e que, por essa razão, ela se comporta de modo neurótico e excessivamente protector. Obrigados a dormir em quartos separados, por ser considerado mais ajustado ao desenvolvimento de Anders, Anna encontra a solução: um equipamento emissor-receptor sonoro, usado para que os pais possam ouvir os bebés à distância. Este aparelho, em vez do sossego esperado, vai trazer mais perturbação, já que o seu alcance permite ouvir situações de abuso vindas de um apartamento próximo, que Anna decide investigar. O vendedor do equipamento, com quem vai falar, torna-se o seu único amigo, ao passo que um dos agentes do serviço de protecção abusa da sua posição e assedia-a. Algo no juízo de Anna também não está bem, já que um local que interpretou como um lago vem revelar-se ser um parque de estacionamento. Quanto a Anders, também faz um amigo, mas a dada altura é feita uma confusão visual entre os dois e o amigo do Anders é que parece ser o filho de Anna. E que Anna poderia ser a agressora de Anders e não o pai. Mas o último fio de lógica desfaz-se quando é dado a entender que Anders pode nem existir.
Babycall tem diversos elementos de paranóia que poderiam proporcionar um filme interessante, mas Pal Sletaune não era o homem indicado para construir o puzzle, tanto mais que o deixa incompleto, quase como uma criança que se aborreceu do jogo. Noomi Rapace, em versão loura, é uma sombra das capacidades que deixou transparecer na trilogia Millenium (2009) e já se intuíam emDaisy Diamond (2007), mas que a América também não está a saber desenvolver (uma apagada participação em Sherlock Holmes Jogo de Sombras, 2011, não auspicia nada de bom).
Babycall 2011

The Chaser, de Hong-jin Na


Quando um proxeneta conclui que as suas prostitutas podem não estar a fugir-lhe, mas a serem vítimas de um assassino em série, inicia um contra-relógio para encontrar a última que lhe enviou, antes que seja tarde demais. Para mal dos pecados dela, porém, o conceito de contra-relógio é bastante mais lento na Coreia do Sul.
The Chaser baseia-se num caso verídico ocorrido em 2005, de umserial killer que chegou a ser preso por um pequeno delito, mas libertado por a polícia não confirmar o seu registo criminal. Quando foi detido, o seu currículo apresentava vinte homicídios. Este não é um filme de digestão fácil, mais pela indefinição de conteúdos do que por ser repulsivo. Cataloga-se como thriller e tem, certamente, elementos suficientes para aguentar-se dentro do género, mas a sua exasperante construção narrativa distrai-se demasiado com a constrangedora inércia policial. Essa persistência, realista e quase documental, de extrema incompetência é enervante, e revela-se, em última análise, um pau de dois bicos. Serve o propósito de esticar a incerteza quanto à sobrevivência da vítima aprisionada, mas sucumbe à excessiva passividade e falta de ritmo.
Debilitado por este marcar passo, desperdiça as suas potencialidades, apenas residualmente cumprindo objectivos. Melodramático e implausível, o filme não casa bem a crueza dos crimes com a estupefacção causada pela grosseira inépcia policial. Além disso, o final é deixado ao vento, ficando por descortinar o destino do proxeneta e o da menina órfã.
Chugyeogja 2008

O Desaparecimento de Alice Creed, de J. Blakeson


Poucos filmes se estreiam com uma lição em fotografia e edição como este. Magnético, cirúrgico, sem dar tempo de reacção. Os preparativos de um rapto são apresentados passo a passo, com chocante frieza e mecânica resolução. A concretização do crime, então, é como assistir ao resultado final de uma linha de montagem. E o filme ainda vai no início.
Três actores, um cenário, uma intriga que dá mais reviravoltas do que uma máquina de lavar roupa cheia de ratoeiras. Aquilo que aparentava ser mais um torture porn é, afinal, uma intriga onde cada um puxa para o seu lado e cada alteração ao programa prejudica os restantes. Vale a pena por esse cortante jogo de ténis a três mãos, sendo mesmo possível esquecer a quebra de credibilidade em relação à recolha do resgate, que é ignorada, como se a polícia não tivesse estado envolvida (anteriormente, há menção a um clic num telefonema, que implicaria a presença policial junto do pagador).
Gemma Arterton dá o corpo ao manifesto, ao ponto de se notar uma ponta de Tarantino em Blakeson, tal é a quantidade de close ups que faz aos pés descalços dela. Eddie Marsan está uns graus mais intenso do que em Happy Go Lucky (2007) e Martin Compston fecha bem o ramalhete. Para primeira realização, J. Blakeson, argumentista de A Descida 2, mostra que está pronto para outros voos.
 
The Disappearance of Alice Creed 2009

A Divisão, de Xavier Gens


Dizer que Xavier Gens está como em casa não é muito. Em 2007, banhou-se em gore com Frontier(s) e tentou repeti-lo em Hitman, mas a Twenty Century Fox desligou-lhe a torneira, ao ponto de fazer tantos cortes e refilmagens que o nome do realizador chegou a estar em risco de não figurar nos créditos. Fechado no seu quarto a carpir tristezas e a incompreensão dos estúdios, Gens cruzou-se com o guião de A Divisão e imaginou-se a cumprir pena com aqueles personagens. O pior é que fez o mesmo à plateia.
A Divisão é uma trama pós-apocalíptica, com um grupo de sobreviventes barricado na cave do seu próprio prédio. Filmes sobre pessoas em espaços apertados vão sempre dar ao mesmo, ratos de laboratório que substituem a civilidade pela desconfiança, mesquinhez, paranóia e inevitavelmente terminam em violência e brutalidade.
É, então, neste arco de degradação física e mental, até à abjecção, que se espelham as relações de poder da sociedade feudal, com pendor para a humilhação física e psicológica. Invariavelmente, são filmes misóginos, onde o número de mulheres é inferior e, indefesas, acabam por submeter-se à simulação de aparelho sexual (até o comentário displicente do advogado à namorada: "Quando te conheci, não passavas de uma drogada"; não podia haver uma mulher profissionalmente bem sucedida, ali dentro?).
O homem é o seu pior inimigo, como tão bem sintetizara William Golding no seu livro O Senhor das Moscas e aqui não há desvios. O resto é papel de parede. Houve um ataque bombista, presumivelmente atómico, à cidade de Nova Iorque, que Xavier Gens soube veicular de forma excelente. Isto é, o primeiro impacto da bomba é visível através de uma janela e o pânico põe todo o prédio em corrida desenfreada pelas escadas abaixo, com um pequeno grupo a refugiar-se na cave, onde mora o porteiro. Tirando essa imagem reflectida no olhar da protagonista, não há mais explosões, notícias televisivas, informação relevante sobre quem terá lançado a bomba, nem efeitos especiais. Resta a cave suja e menos de uma dezena de actores a perderem peso, cabelo e o juízo.
A meio, uma estranha equipa de resgate, vestida em fatos protectores (emprestados de Armageddon, 1998, mas com capacetes do jogo de consola Halo) e armada até aos dentes, parece disposta a apenas resgatar crianças e mulheres bonitas, numa situação que corre mal e despoleta todo o tipo de desvios comportamentais. Ainda que dessa cena não advenha nenhum mal, o mesmo não poderá ser dito da outra, em que um dos sobreviventes utiliza o fato de um invasor morto na contenda e se aventura no exterior. É aqui que o argumento mais peca. Se houve, de facto, um ataque terrorista e Nova Iorque está em escombros, que corredores tubulares, calafetados e tentaculares, são estes por onde o personagem se aventura, que começam logo na porta da cave (como se esta tivesse importância) e como é possível que o piso esteja aplainado e liso, quando deveria ser uma montanha de cacos de muito difícil acesso? Já há retroescavadoras a limpar os detritos? Foi um ataque isolado? Qual será o perímetro afectado e quantos anos demorará a radioactividade a ser tolerada pelo ser humano? Bom, nada disto tem resposta, claro, porque o filme rapidamente regressa à cave bafienta.  
Outro facto ignorado é o da estranha subsistência de oxigénio, durante o que parecem semanas, num espaço fechado, cheio de pó e de pessoas a libertarem continuamente dióxido de carbono. Não se sabe a que propósito é blindada a porta para a cave, ou porque tem o porteiro do prédio uma despensa cuja porta é aberta por combinação, como a de um cofre, nem porque armazenou comida que daria para um exército. Além de que a porta da cave é aberta por duas vezes, permanecendo assim durante toda a cena em que a equipa de resgate se aventura no local – ora, se a radiação se transmite pelo ar, não interessa fecharem a porta ao fim de um quarto de hora de exposição directa.
No elenco, destaque para Michael Biehn, outrora o actor fetiche de James Cameron, e para a lindíssima Lauren German, mas também por lá andam Rosanna Arquette e Milo Ventimiglia. Referência final à frase que, nas circunstâncias certas, funcionou como a punchline do dia: “Estás orgulhoso de ti?”
A Divisão 2011

The Awakening, de Nick Murphy


1921. Florence Cathcart está cansada de desmascarar charlatães em sessões espíritas, mas algo no seu olhar trai essa determinação, um possível desejo, tão íntimo que porventura inconsciente, de que possa vir a estar enganada. De início, essa pista parece estar relacionada com a fotografia de um oficial do exército, eventualmente falecido durante a Guerra, mas afinal é uma dor que corre mais fundo. Ao aceitar um último caso, sobre o envolvimento de um fantasma na morte de uma criança num colégio interno, todo o seu castelo de cartas irá ruir.
Finalmente, uma história de fantasmas como deve ser, daquelas que se levam a sério, em que há pistas a coleccionar e a inquietude é conseguida pelo poder de sugestão criado por jogos de sombras e sons. Do pequeno para o grande ecrã, Nick Murphy revela-se o realizador ideal para fazer brilhar a história e os actores: Rebecca Hall está fabulosa, Dominic West recorda-nos dos tempos áureos deThe Wire e Immelda Staunton tem uma categoria só dela. A atmosfera tétrica é auxiliada pela cinematografia de Eduard Grau e pela banda sonora de Daniel Pemberton.
Claro que nem tudo são rosas. A partir do momento em que a resolução do mistério é fornecida,  há dados que não encaixam. Retrospectivamente, pode aceitar-se a visão do homem de caçadeira como uma memória mal enterrada mas, afinal, se morreram violentamente três pessoas naquele casarão, porque razão só uma delas se tornou fantasma? E o menino asmático, não deveria ser fantasma, também? Mais importante do que isso: se o fantasma central não está no mesmo patamar de irrealidade que os outros que ali perderam a vida, o que é que faria crer à governanta que a morte da protagonista iria cumprir os seus desígnios? Eventualmente, vá, pelo facto de esta ter sido capaz de ver o fantasma desde o primeiro passo. Enfim, não há bela sem senão e esta não chega a rachar o espelho, ainda que não possa proferir a célebre frase da Rainha Má. 
The Awakening 2011