Friday, May 31, 2013

A Criança Espelho, de Philip Ridley

Ser um homem dos sete instrumentos não implica saber tocá-los bem a todos. Pintor, encenador, escritor de peças de teatro, contos e romances para adultos e crianças, o britânico Philip Ridley escreveu ainda uma canção para PJ Harvey e outra para Gavin Friday, integrando ambas na banda sonora do seu segundo filme, A Paixão de Darkly Noon (1995). A Criança Espelho foi o primeiro.
 
Estudo sobre a imaginação infantil face a uma realidade agreste, A Criança Espelho acomoda o inexplicável num cenário aceitável à criança, ainda que irracional para os demais, incluindo o público menos empático. No vasto amarelo dos campos de trigo polvilhados de celeiros dilapidados e de criaturas erráticas, apenas superficialmente humanas, é construída uma trama onde irrompem referências a vampiros, molestadores e a demência vária. Mas esta dualidade, em vez de fluida, arrasta-se numa engrenagem tosca, tratando o invulgar com mão pesada, e perde o poder de sugestão de que depende, ao tropeçar numa falta de coesão interna satisfatória, obrigando a ligar os pontos pela mera falta de alternativa. É um jogo viciado, que pede demasiada boa vontade a uma audiência com dificuldade em saltar os obstáculos para acreditar.
 
Ficam as interpretações de Viggo Mortensen (que só aparece já o filme vai a meio) e de Lindsay Duncan. O protagonista, Jeremy Cooper, desilude, incapaz de aguentar a profundidade do personagem, de cena para cena. O nado morto que adopta, confundindo-o com um anjo, é um hirto adereço de cera, que poderia funcionar num palco de teatro, mas carece do realismo que se exige ao cinema (sem mencionar que um cadáver, numa casa de madeira onde o sol bate diariamente, deveria decompor-se e feder, alertando os restantes dois moradores). E uma indiscrição ocorrida há dez anos não deveria ser ignitor automático de suicídio. São elementos que impedem a degustação que o guião de Philip Ridley merecia. 


The Reflecting Skin 1990



Mamã, de Andrès Muschietti

Baseado numa curta-metragem argentina de três minutos de duração, composta por uma única sequência sem história, assinada por Andy Muschietti, em 2008, a produção executiva de Guillermo del Toro garantiu-lhe o prolongamento, mas não a qualidade. É uma pena que não tenha aprendido com a produção de Não Tenhas Medo do Escuro (2010).
 
Concede-se que Mama começa de forma promissora, com imagens estilizadas de tirar o fôlego e gelar a respiração, mas a expectativa de que esse visual seja equilibrado com um enredo que mantenha a fasquia revela-se vã. Ao cabo de meia-hora, acabam-se as surpresas e o resto são remendos serôdios, uma mistura do manual do Sol Nascente do virar de século, filtrado pelo Ocidente (Ring, Ju On, Dark Water) e com pitadas de Actividade Paranormal (especialmente o terceiro tomo, de 2011), sem esquecer o pormenor do flash fotográfico a fazer de lanterna (A Casa Muda, 2011, e respectivo remake, 2012) ou a menina-aranha de O Exorcista (1973).
 
Elogia-se a presença de Jessica Chastain, a direcção de fotografia e a magreza e contorcionismo ósseo de Javier Botet, o actor espanhol que veste o papel de Mamã, mas lamenta-se a previsibilidade da narrativa e a quantidade de clichés em que tropeça.
 
Mama 2013

The Final Terror, de Andrew Davis

Na ressaca do inesperado sucesso de Sexta Feira 13 (1980), os slashers começaram a cair dos céus e a aterrar em tudo o que era bosque ou tinha árvores por perto. Em 1981, um grupo de jovens desconhecidos foi reunido à pressa e atirado para a floresta mais cerrada da Califórnia. O resultado chegou a ter três títulos à escolha, e ainda mais estranho é que teve cinco argumentistas e o máximo que conseguiram foi colocar os actores a andar em círculos.
 
Sem distribuidores interessados durante dois anos, The Final Terror foi bafejado pela sorte quando os seus actores começaram a ser reconhecidos noutros projectos: Adrian Zmed, Daryl Hannah e Rachel Ward. Hoje, é ainda possível identificar, de imediato, Joe Pantoliano. Lewis Smith, uma espécie de sósia de John Travolta sem metade do estilo, deve ter chorado durante as filmagens, depois de ter participado no muito mais profissional Southern Comfort (1981) de Walter Hill (que foi do forno à mesa no mesmo ano).
 
Segundo trabalho de Andrew Davis, um citadino natural de Chicago, a cometer o erro de aventurar-se nos bosques antes de aprender auto-defesa com Chuck Norris (O Código do Silêncio, 1985) e Steven Seagal (Nico À Margem da Lei, 1988). O homem que viria a dirigir O Fugitivo (1995) viu-se em dificuldades: as cenas nocturnas não têm luz e as diurnas não têm interesse. Nem sequer tirou partido das pernas compridas do elenco feminino, num desperdício que só pode desculpar-se pelo desnorte da produção. O enredo, que conta com Ronald Shusett (Alien, 1979) entre os guionistas, versa sobre um grupo de rangers que vai passar um fim de semana no bosque e começa a desconfiar de que o motorista do autocarro pode estar envolvido no desaparecimento de dois membros do grupo. Entretanto, são perseguidos por alguém que se camufla num fato de pêlo e vive numa cabana perdida no arvoredo. Esta nuance vai ao encontro da história de assustar que é contada à fogueira, na primeira noite, sobre uma louca que vive na floresta com o filho.
 
Ao incluir uma descida em barco insuflável num riacho, o filme pisca o olho (inadvertidamente, quem sabe) a Deliverance (1972) e, ao pôr os jovens a armadilharem um pedaço de floresta para apanharem “o motorista”, antecipa-se a Rambo: A Fúria do Herói (1982). Como notas de rodapé, a louca é interpretada por um homem; Andrew Davis e Ronald Sushett voltaram a trabalhar juntos na estreia de Steven Seagal, um filme que Roger Ebert descreveu como tendo mais 50% de guião do que era necessário (foi um elogio).
 


The Final Terror ou Campsite Massacre 1983

Demência, de Jeong-woo Park

Pandemia de lombrigas na Coreia do Sul desperta o medo e o mau cinema. É como se estivesse a assistir-se a uma versão mais amadora e menos eficiente de Contágio (2011), de Steven Soderbergh. Primeiro, as pessoas vão aparecendo em lagos e rios, afogadas. Depois sabe-se que é suicídio, têm uma lombriga no seu intestino que as desidrata. Finalmente, a culpa é de uma empresa farmacêutica em dificuldades financeiras. O terceiro filme de Jeong-woo Park não cria grandes expectativas a quem não conhecer o seu percurso.



Deranged / Yeon-ga-si 2012

Kotoko, de Shynia Tsukamoto

Shynia Tsukamoto continua tão experimentalista como desde o primeiro Tetsuo (1989), da trilogia que o colocou no mapa, onde realizava e interpretava, algo que tem repetido nos seus filmes e garantido participação noutros, como é o caso de Ichi The Killer (2001), de Takashi Miike. Kotoko é um conto surrealista, filmado sob uma direcção de fotografia epiléptica e sobre uma mulher esquizofrénica, cujos delírios a fazem ver doppelgängers maus, sendo que não distingue o real da réplica e reage violentamente, no propósito de defender o filho bebé, mas por vezes também centra nele a sua patologia e subsequente indiferença ou raiva.
 
O guião é do realizador, mas baseia-se numa ideia da protagonista, a cantora japonesa Cocco, que já se estreou na escrita em 2010, com um romance. Infelizmente, a história pouco mais é do que uma nota de rodapé, com Tsukamoto a contornar as dificuldades com histerismo, confusão e barulho, contribuindo Cocco com canções e direcção artística. É um filme que incomoda pela agressão aos sentidos, sejam os olhos ou os ouvidos, mas sempre pelas piores razões e sem rede de segurança. Teria beneficiado com um nível superior de concisão narrativa, em vez do travo amargo de tratar-se de um esboço, rudimentar e incoerente, baseado numa eventual reportagem sobre matricídio, que tenha despertado a atenção da cantora. 
 



Kotoko 2011

A Colecção, de Marcus Dunstan

A dupla Marcus Dunstan e Patrick Mellow, argumentistas da segunda metade da saga Saw (IV a VII), regressa com a sequela de O Coleccionador (2009), que também foi escrito por ambos e estreou o primeiro atrás das câmaras. A Colecção (2012) é o nível seguinte do jogo e a continuação do esquema, mas ficou a dois milhões de cobrir o orçamento de dez.
 
Trolha de dia e gatuno à noite, um arrombador de cofres esperava encontrar uma casa vazia, mas cada um dos compartimentos foi armadilhado, os proprietários são alvo de tortura e um indivíduo encapuçado entretém-se a coleccionar. Entre fugir e salvar o dia, acaba por se ver em maus lençóis e a ser capturado, o que implica dar sangue, dor e ser enfiado numa mala de viagem. Uma das mais valias do mediano O Coleccionador consistia no amadorismo dos ardis, que destoavam das engrenagens industriais de Saw e faziam sentido, já que o Coleccionador tinha pouco tempo para montá-las.
 
A Colecção não tem a mesma cautela. Neste campo, aliás, pode dizer-se que é excessivamente over the top. A primeira encenação implica controlar toda a estrutura de um armazém, onde funciona uma rave, através da montagem de uma debulhadora capaz de despedaçar dezenas de incautos, a armação de jaulas suspensas e a colocação de mecanismos verticais de compressão, leia-se esmagamento. Não só levantaria suspeitas a quem tivesse sido contratado para montar, como não teria ficado nada barato. Enfim, uma das características do Coleccionador é deixar uma vítima, viva, da cena do crime anterior na seguinte e ao ladrão de cofres é devolvida a liberdade. Por pouco tempo, já que o novo item de colecção é filha de um milionário, cujo guarda-costas reuniu uma equipa de mercenários para reavê-la e precisa, para localizá-la, da ajuda do sobrevivente.
 
As soluções da história são simplistas e ridículas. Como descobrir o paradeiro do misterioso sequestrador? Nada como o arrombador de cofres ter tido a clareza de espírito de, quando foi raptado, ter feito uns cortes no braço que agora funcionam como mapa. Claro que é preciso esquecer que, por essa ocasião, ele tinha sido torturado, espancado, anestesiado por enfermeiros e ainda a ambulância onde seguia foi abalroada por um furgão e ele enfiado dentro de uma mala de viagem. Aparentemente, o Coleccionador vive num hotel abandonado, que transformou num labirinto armadilhado, e conserva vítimas em aquários com formol, para que finalmente se perceba porque lhe deram aquele título. A anedótica equipa de mercenários está pronta para entrar no universo techno camp. Sair de lá serão outros quinhentos.
 
Josh Stewart é o único actor que retorna (é o arrombador de cofres) e a frágil Emma Fitzpatrick a única actriz para que se olha (independentemente da bela Navi Rawat ter uma aparição de fugida). Com mais dinheiro do que em 2009, a produção contratou Charlie Clouser (compositor de toda a saga Saw) para a banda sonora e mudou de actor para o Coleccionador, o que poderá explicar-se pelo facto de Juan Fernandez (que nunca mostra o rosto no original) ter adicionado ao currículo, em 2012, filmes rodados na Argentina e na República Dominicana; é impossível estar em três sítios em simultâneo.
 
A Colecção é um filme para se ver na desportiva, sem um indício de credibilidade ou uma réstia de suspense ou medo. A seu favor, tem um ritmo imparável, que não dá espaço para pensar. Só no final há oportunidade para rir e compreender que nada era para levar a sério: a alteração da estrutura da discoteca, o mapa feito de cortes num braço, a equipa de resgate composta por otários, a luta de facas e corpo-a-corpo do desfecho, onde um homem com o braço partido (partiu-o para chegar mais facilmente à lingueta da fechadura de uma porta) enfrenta e domina o Coleccionador (que instantes antes derrotara facilmente um mercenário armado com uma faca), ao ponto de derrubar mobiliário em cima deste e de o atirar por uma janela (sim, com um braço partido) e de lhe pegar fogo com um bidão de gasolina e um isqueiro – ao que este reaparece sem queimaduras visíveis nas mãos ou pescoço (nunca se lhe vê o rosto), como a Sónia Brazão …
 

The Collection 2012

Texas Chainsaw: O Massacre 3D, de John Luessenhop

O público do cinema de terror distingue-se pelo tipo de satisfação que busca. Uns, sofrem com as vítimas, os outros felicitam o antagonista consoante o grau e volume das atrocidades cometidas. Mas, até aqueles que o comem à colherada, sabem que não há nada mais amargo do que as franchises. E é com pesar que se alinham na fila do matadouro, como ratos para a ratoeira.
 
O sétimo filme da serra eléctrica é o primeiro da Twisted Pictures, depois da Platinum Dunes de Michael Bay ter decidido, em 2007, passar de Leatherface para Jason Voohees (Sexta-feira 13, 2009). Nova produtora implica fazer tábua rasa do remake de 2003 e da prequela de 2006, mas ditam as regras que continue a ser mais do mesmo. Assim, dois casais e um pendura seguem de furgão para o Texas, cada um com um alvo pintado na testa.
 
Os créditos introdutórios resumem o enredo do primeiro filme (1974) e confluem numa revisitação de Os Renegados do Diabo (2005), antes de seguir a fórmula em direcção à casa da família Sawyer, mal afamada pelas suas carnes mal passadas. Quatro vítimas mais tarde, tenta-se um revés miserável, o de transformar, de forma pedestre, o assassino num pobre diabo e tanto a heroína como o xerife parecem concordar que um indivíduo que já matou, pelo menos (este filme funciona como uma espécie de sequela directa ao original, ignorando as tomas seguintes) oito pessoas, merece o perdão se a nona for o presidente da Câmara. Inédito, idiota e absurdo.
 
Cinco cabeças a escrever e nem um cérebro entre elas, o que encontrou paralelo na direcção artística: anacronia nos décors e no guarda-roupa, a contrastar com smartphones actuais. O filme ainda estabelece que se passa 38 anos depois dos eventos do primeiro filme, com um jornal impresso em 1974 e um túmulo a cinzelar 2012, mas estrela uma actriz que só amadureceu 26 primaveras e actores que não envelheceram um dia em quase duas décadas. A dieta rica em carne humana deve ter feito maravilhas a Leatherface, que ainda se mexe sem dificuldades com a serra eléctrica nas mãos. Por explicar fica a abastada matriarca Sawyer não ter feito nada contra os assassinos da família, sendo um deles o próprio Mayor da localidade onde habitava.
 
Alessandra Daddario e Tania Raymond dão os gritinhos da praxe, Trey Songz é o escusado cliché do cantor que quer ser actor (ainda julguei que um casal composto por um negro e uma branca fosse sofrer discriminação no Texas rural, mas a ideia passou ao lado) e o realizador vem de dois filmes policiais menores, não sendo capaz de insuflar suspense, quanto mais aterrorizar a plateia. Mais valia trocarem a serra eléctrica por uma vassoura e arranjarem um trabalho honesto.
 


Texas Chainsaw 3D 2013

Silent Hill - Revelação, de Michael J. Bassett

Com o argumentista de A Maldição do Vale (2006), Roger Avary (co-autor de Reservoir Dogs e Pulp Fiction), atrás de grades por causa de um acidente rodoviário em estado de embriaguês, a sequela entrou em banho-maria, até ser repescada por Michael J. Bassett, que escreveu e realizou. A razão de ser repescada, em vez de salva, é porque o realizador de Deathwatch (2002) e Solomon Kane (2009) está habituado ao baixo orçamento por uma razão: ninguém lhe dá mais com o que trabalhar.
Há que dar o braço a torcer em dois pontos. Primeiro, o elenco. Para além de Sean Bean e Rhada Mitchel, que recuperam os respectivos papeis (ela por meros instantes), contam-se participações, que não excedem uma cena ou duas, de Malcom McDowell, Carrie-Ann Moss, Martin Donovan, Deborah Kara Unger e Peter Outerbridge (a conduzir um camião no epílogo, tem o nome do protagonista do jogo Silent Hill: Origin). Adelaide Clemens protagoniza.
Em segundo lugar, o filme esforça-se ao nível ornamental. O creative design faz muito com o baixo orçamento (menos de metade do filme original), mas exagera no cliché e na cosmética digital. Silent Hill – Revelação é equiparável a percorrer os corredores de uma casa do horror da feira popular: a menos que se seja muito sugestionável, o décor e meia dúzia de criaturas cegas não chegam para assustar. E, como já acontecia no original, a protagonista escapa-se sempre com demasiada facilidade aos monstros:  há sempre uma passagem por onde sair ou um nicho onde esconder-se. Ausentes que estão a subtileza, a emoção e o medo, não sobra mais do que uma história pindérica com traços religiosos de seita ridícula e diálogos embaraçosos. E o 3D.

Silent Hill Revelation 3D 2012

O Silêncio, de Baran Bo Odar

Dois pedófilos, uma menina de bicicleta, uma oportunidade, um crime. O mais passivo e introvertido foge. Passam-se 23 anos e o crime é, aparentemente, reencenado. No mesmo local, uma bicicleta e um saco de ginástica abandonados. Uma menina desaparecida. Para a polícia, a situação é de embaraço, pois o crime original continua por resolver, mas é também uma oportunidade de redenção, matando dois coelhos de uma cajadada. Contudo, até aparecer um cadáver, o caso tem de ser tratado como o de pessoa desaparecida e não homicídio. Para o pedófilo que refez a sua vida, é uma ferida que se abre. Como remendá-la permanece uma incógnita.
 
A premissa é excelente e o início do filme é frio e desumano, preciso no enquadramento e demais pormenores técnicos, mas rapidamente começa a desagregar-se. De tão insistente em ser fiel ao título, torna-se surdo. A planificação rígida e compassada resulta sonâmbula e enchê-la de personagens neuróticas contribui apenas para um eco caótico.
 
O responsável pela investigação é um homem em sofrimento pela morte cancerosa da esposa (cinco meses antes), que não cuida do seu aspecto e (por casa e às escondidas) veste as roupas da falecida. O reformado chefe de polícia regressa para tentar deslindar o crime que não resolveu há 23 anos e o seu substituto é incompetente a lidar com as diversas tarefas do cargo. Uma das detectives está em acentuado estado de gravidez, outro ainda ostenta o buço de adulto em gestação. A mãe da desaparecida decide sair de casa poucos dias após o crime, quando a relação parecia saudável. As vítimas são identificadas como tendo 11 e 13 anos, mas as actrizes que as representaram parecem mais velhas, assim como a de um filme a que os pedófilos assistem, pondo em causa a própria definição da parafilia inerente.
 
Produção alemã com um suíço ao leme, O Silêncio segue o romance de Jan Costin Wagner, mas não sabe o que fazer dele, porque o cuidado com a forma foi inversamente proporcional ao da alma. A trama avança sob a percepção de que até os pedófilos se sentem sozinhos e que o assassino, tendo esgotado os meios de contactar o amigo, lhe teria enviado uma mensagem desesperada. Contudo, quando estes se cruzam, desmente, apenas para mais tarde desabafar com uma vizinha que realmente o fizera. Ora, se realmente foi ele o responsável pelo novo crime, apenas para que o outrora cúmplice viesse até si, o reencontro é demasiado murcho para a intensidade de emoções que deveriam tê-lo guiado. E, se realmente se tratou de uma recriação, porque razão a segunda vítima não foi violada? Mais interessante teria sido se a esta vítima, já que não passava de um chamariz, pudesse ser encontrada algures, desidratada e amordaçada, mas viva, tendo cumprido a sua função – afinal, nada mais dela era necessário do que a bicicleta e o desaparecimento do corpo, durante tempo suficiente para que a reunião tivesse lugar.
 
Cabe ainda reclamar que o filme trata os personagens e os eventos pela rama, numa superficialidade  comparável ao relato de um jogo de futebol por alguém não familiarizado com as regras. Encabeçada por um detective deprimido e instável, a esquadra de polícia é um cenário humano incoerente, perfeitamente recrutável num hospício. A utilização dos mesmos actores para os pedófilos, mesmo após um intervalo de 23 anos, torna confusa a idade que teriam aquando do primeiro crime. Por fim, lamenta-se que o único avanço na investigação provenha de um indecente facilitismo ao nível do guião (sem aquele cartão de visita, ninguém teria associado nada).
 
Das Letzte Schweigen 2010