Num universo em que se lamenta cada remake, eis que um surge a poder louvar-se. Mikael Salomon é um antigo director de fotografia (O Abismo, Horizonte Longínquo, Sempre) que iniciou carreira atrás das câmaras com um grande desafio: encenar um jogo de gato e rato debaixo de uma chuva torrencial, com Morgan Freeman e Christian Slater nos principais papeis, em Águas Mortíferas (1998). Desta feita, o desafio não é menor. Um dos expoentes máximos de Stephen King e um dos mais inspirados livros sobre vampiros de sempre,Salem’s Lot já fora adaptado a telefilme por Tobe Hooper (realizador do notório Massacre no Texas).
A versão de Hooper tem estatuto de clássico, sendo suficientemente negra e sombria para se aguentar até hoje, apesar da qualidade duvidosa dos efeitos especiais de baixo orçamento (Tobe Hooper sabia filmar de bolsos vazios) e de alguns discutíveis desvios na adaptação. A Maldição de Salem tinha um protagonista carismático (David Soul, da série Starsky & Hutch), um vampiro a lembrar Nosferatu e o tétrico James Mason como o antiquário servo do vampiro. Sem esquecer a etérea Bonnie Bedelia.
Entre 1979 e 2004 muita água passou debaixo da ponte, incluindo um bastardo Regresso a Salem’s Lot (1987), de Larry Cohen. O argumento de Peter Filardi também não segue ipsis verbis o livro de King, mas constrói uma trama credível onde os personagens secundários não são desperdiçados e contribuem para a respiração da pequena aldeia de Salem’s Lot, assim permitindo que se sinta com mais intensidade o surto maléfico.
A realização de Mikael Salomon é concisa, discreta, e visualmente consciente. A fotografia é excelente quando se debruça sobre os cenários (em especial a maligna Casa Marsden, sobranceira à aldeia) e os efeitos especiais constróem a locomoção dos vampiros no mesmo jeito contorcionista inventado pelos japoneses Hideo Nakata e Takashi Shimizu para as suas jovens de cabelo liso sobre o rosto.
Rob Lowe é um bom protagonista, mas Donald Sutherland não tem paralelo em James Mason, é demasiado floriado, infelizmente com uma caracterização próxima da de Rutger Hauer, a quem falta impacto e sobranceria. A imagem do Mestre Vampiro Barlow sai, assim, prejudicada. Max Von Sydow, em Trocas Macabras (outra adaptação de um livro de Stephen King), está muito melhor do que Sutherland, numa personagem semelhante. James Cromwell nunca desilude e Samantha Mathis faz o seu papel. Andre Braugher está irrepreensível, mas o seu papel pedia um actor mais velho.
A Purificação de Salem é, talvez, de todas as adaptações televisivas (TNT) de romances de Stephen King, a mais bem conseguida. Introduz-nos na mecânica da aldeia com seriedade e dá tempo para que a aura maléfica se instale. Não tem tempos mortos mas também não facilita. Dá vontade de reler o livro. O que já é dizer muito. Como único defeito, esqueceu-se de assustar. A Purificação de Salemnão é, claramente, um filme de terror.
Salem’s Lot 2004
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