Na febre dos reality shows, os realizadores de [Rec], Jaume Balagueró e Paco Plaza, uniram esforços pela primeira vez em 2002, com o filme OT, uma cobertura cinematográfica da tour dos alunos da escola de música da primeira Operacion Triunfo. Ambos se têm dedicado ao cinema de terror, tendo curiosamente cada um deles adaptado um romance de Ramsey Campbell (Balagueró realizou Los Sin Nombre e Plaza El Segundo Nombre).
[Rec] é uma pseudo reportagem de TV que segue uma equipa de bombeiros até um prédio de habitação em Barcelona onde, num apartamento, se ouviram gritos. Rapidamente a equipa de reportagem, bombeiros, polícias e moradores são feitos reféns dentro desse prédio, que entretanto é selado pelo exterior para quarentena, e têm de lidar com um número crescente de zombies que os querem, como de costume, devorar.
Os filmes de zombies voltaram à moda desde que Danny Boyle dirigiu o magistral 28 Dias Depois, que já conta com uma lastimável sequela (realizada por um realizador espanhol, Juan Carlos Fresnadillo). Em 2004, surgiu o remake de Dawn of the Dead (1978), em português O Renascer dos Mortos, dirigido por Zach Snyder (300, Watchmen), e uma sátira ao género, com Shaun of the Dead (em português Zombies Party: Uma Noite... de Morte). O pai dos filmes de zombies, George A. Romero, autor da trilogia de culto Night, Dawn e Day of the Dead(1968-1985), esfregou as mãos de contente e voltou da reforma para mais dois filmes sobre os seus filhos, Terra dos Mortos (2005) eDiário dos Mortos (2007). E não deve esquecer-se a inegável influência da trilogia Resident Evil (2002-2007).
Neste panorama, o que tem [Rec] a seu favor? Basicamente, a premissa e o cenário. A premissa, da equipa de reportagem televisiva, funciona porque torna fácil engolir que, em meio à tensão e ao perigo, o cameraman continue a filmar: ele é, afinal, um profissional. O cenário é a outra mais valia, visto que toda a acção se passa num prédio desconhecido aos protagonistas, que andam às voltas a tentarem orientar-se. Ao espaço claustrofóbico, junta-se a quantidade de portas de onde pode surgir o perigo.
Apesar disso, o projecto dá rapidamente fastio. Primeiro do que tudo, porque é filmado sem mise en scéne, sem composição, enquadramento ou iluminação própria. Esta opção pelo amadorismo deriva do próprio conceito, obviamente, mas coloca no contributo dos actores toda a tensão e medida de razoabilidade/realidade. A primeira zombie dá o toque: fica parada, à espera da deixa, sem a menor naturalidade, e de repente ataca, sem que se perceba porque escolheu esse momento. Outra vítima é atirada do saguão do prédio, mas não se percebe como é que, a existirem entretanto dois zombies, se recolhem para a ausência em vez de virem em busca de mais presas, quando todos os humanos estão concentrados no átrio, e não propriamente em silêncio. A quinta zombie está no meio de todos, e o virus manifesta-se apenas quando é confrontada como portadora do contágio. É coincidência ou o vírus é inteligente? Não, é apenas um argumento baratucho em total auto-gestão. Tanto mais que a vítima seguinte faz tudo aquilo que se diz que não deve fazer-se num filme de terror, incluindo aproximar-se do zombie e virar-lhe as costas no momento crítico. No final, atira-se uma explicação desmiolada à parede, fala-se num suposto caso português de possessão infantil e faz-se uma homenagem – será aquilo uma homenagem? – a Evil Dead (1983), com um anacrónico gravador de bobinas a revelar experiências científicas fracassadas.
Vencedor do Fantas 2008, [Rec] não precisava de muito para marcar pontos, apenas de gerir minimamente os story-boards, treinar melhor a deslocação e os ataques dos zombies (nos filmes orientais de terror é comum serem contratados mimos para que monstros e fantasmas apresentem uma locomoção bizarra), reduzir o volume dos gritos e não darem explicação nenhuma para o sucedido. Tal como o projecto está, é um tiro que saiu pela culatra.
Torna-se imprescindível mencionar Manuela Velasco, a protagonista, que se estreou no cinema ainda menina, nA Lei do Desejo de Pedro Almodovar (1987), mas tem sido uma cara relativamente desconhecida do público, apresentando programas de música e televendas para o Canal+. Sem a sua candura e energia, que nos contagia logo no primeiro plano do filme, ter-se-ia perdido um dos seus melhores valores.
Para terminar, e reportando-me ainda à falta de originalidade dos filmes de câmara ao ombro, cabe referir a entretanto obscura obra-prima C’Est Arrivé Près de Chez Vous, do belga Rémy Belvaux, na qual uma equipa de reportagem segue um serial killer nos seus afazeres profissionais. O último frame é filmado com a câmara pousada no chão, tombada de lado. Esta visão foi adoptada também por Luc Besson, no seu opus Leon, de 1994, e é também assim que termina O Projecto Blair Witch e [Rec]. O seu ao seu dono.
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