Wednesday, November 10, 2010

Piranha 3D, de Alexandre Aja

Sem subterfúgios, levanta-se a cortina. Afinal, em menos de hora e meia estará tudo despachado. A primeira piscadela de olho é dada aTubarão (1975), ou não lhe fosse a Piranha original (1978) um directospoof (ao ponto de Roger Corman ter sido processado pela Universal). Richard Dreyfuss, o actor que há trinta e cinco anos escapou com vida a um grande tubarão branco, é a primeira vítima de um surto de piranhas pré-históricas, acabadas de escapar por uma fissura debaixo do Lago Havasu (Arizona). E é véspera de feriado, ocasião em que a marina estará sobrelotada de estudantes universitários em busca de bebida, banho e biquinis. Um festim para os recém libertados peixitos.

No início das suas carreiras, dois nomes grandes do firmamento de Hollywood (Joe Dante e James Cameron), dedicaram um recibo verde a estes peixes extremamente vorazes mas, pela amostra, nunca se olhará para cima para ver o francês Alexandre Aja. Aproveitando o sucesso do sobrevalorizado Alta Tensão (2003), rumou aos EUA para se dedicar a remakes dispensáveis: Terror Nas Montanhas (2006),Espelhos (2008) e Piranha 3D (2010). Venha o Diabo e escolha.

Os argumentistas Josh Stolberg e Pete Goldfinger decidiram jogar pelo seguro. Provavelmente a assistirem a um dos mais de cem vídeos softcore Girls Gone Wild, lembraram-se de que seria o ambiente ideal para largar um cardume de peixes assassinos. Ostoryboard dedicou-se, então, a pormenorizar as etapas da carnificina, mas deixou de lado o ingrediente secreto de um filme de terror: o terror. É verdade, há actrizes pornográficas (Riley Steele, Gianna Michaels e Ashlynn Brooke), mas não há suspense, medo nemcharacter development.

Se, do original para a sequela (Piranha 2, 1981), as piranhas ganharam asas, trinta anos depois adquiriram outra dimensão, mas não aquela que lhes fazia falta. Tubarão 3 (1983), afinal, já se via com óculos especiais e era risível. Tão inócuos como então, os efeitos visuais de Piranha 3D foram aplicados na pós-produção, na tentativa de apanharem o comboio do futuro na carruagem económica. Num spot publicitário, Adam Scott graceja que há CGI suficiente no filme para garantir-lhe uma nomeação para o Oscar de Melhor Animação.

O elenco parecia suculento, mas só se for ao quilo. Com personagens que se limitam a comer ou a serem comidas, os actores ficam limitados à mediocridade. As piranhas comem todos os banhistas, menos aqueles com boas apólices de seguro. Ainda assim, há sobreviventes a mais. Elizabeth Shue e Ving Rhames tentam manter a ordem (usar a hélice do motor de uma lancha como arma é uma estreia); Christopher Lloyd resume a imagem de cientista louco deRegresso Ao Futuro (1985), Adam Scott é um sismólogo que deixa o resto da sua equipa ser repasto (Dina Meyer ter apenas uma cena é o cúmulo do desperdício) e resta o silicone de Kelly Brook (para os fãs, tem um bailado subaquático lésbico nua, onde tenta por tudo estar sempre de costas para a câmara) e as presenças adolescentes da sensual Jessica Szohr e do atado Steven McQueen. Jerry O’Connell, histérico, interpreta o criador da série real Girls Gone Wild, reintitulado Wild Wild Girls. Eli Roth e Ricardo Chavira são quase miragens, convém não piscar.

A funcionar, é como paródia ou popcorn horror. Sabendo que a sua tarefa é apenas a de alimentar as estrelas de barbatanas, Alexandre Aja explora a básica diversão juvenil, com o silicone a brilhar mais do que as próprias piranhas. Os personagens são quase todos simpáticos, ao ponto de não haver ninguém que se queira especialmente ver devorado, e o gore é tão exagerado que rapidamente anestesia pela frontalidade, aliado a absurdos como o de matar piranhas a tiro.

A sequência do ataque à marina é composta por onze minutos de massacre, a cargo dos efeitos protésicos de Howard Berger e Greg Nicotero, misturados com gritos, água tingida e piranhas CGI. Nem tudo é competente, mas há imagens soltas que merecem referência: piranhas a comerem um pénis em close up, cabelo preso na hélices de uma moto de água (quando a hélice é posta a funcionar, o cabelo e a cara da vítima são arrancados, deixando o seu crânio à mostra), uma mulher cortada em duas por um cabo eléctrico (quando a parte de cima do tronco começa a separar-se da inferior, a qualidade do efeito é muito baixa), outra separada em duas metades quando, transportada por dois homens, aquele que lhe carrega as pernas tropeça, uma mulher de parapente que mergulha até ao peito e quando volta a subir já não traz tronco nem pernas…

Em suma, o filme falha o estatuto «demasiado mau para ser bom», mas o ritmo que o realizador lhe imprime é suficientemente energético para que as falhas sejam apenas perceptíveis após o fecho, ao fazer-se a retrospectiva do espectáculo, antes que a memória do evento se apague. Se os personagens tivessem oportunidade para respirar ou inúmeros figurantes não fossem pura e simplesmente carne para canhão ou esquecidos, o resultado poderia ter sido algo mais do que um mero remake dispensável. E já com sequela prometida.

Piranha 3D 2010

Depois Da Vida, de Agnieszka Wojtowicz-Vosloo

Depois Da Vida é a primeira longa metragem de Agnieszka Wojtowicz-Vosloo, realizadora polaca formada na Universidade de Nova Iorque e cuja curta de apresentação foi o multipremiado Pâté.Depois Da Vida é uma proposta intrigante e plena de possibilidades mas, no conjunto, lamentavelmente frustrante. A assinar a co-autoria do argumento com o marido, ela terá de identificar-se com as promessas não cumpridas, especialmente ao nível da história. Apesar das implicações, não há ingredientes sucientes para a duração proposta.

Com pretensões de thriller psicológico, o filme exibe como cenário preponderante o interior de uma casa mortuária, durante o período que separa a morte de uma professora de escola e o seu enterro. O ambiente é esteticamente estirilizado, frio e impessoal, a apostar muito na decoração de interiores e na competente direcção de fotografia. O ritmo é atmosférico e tão lento que parece suspenso. O poder de representação é reduzido a três actores: Liam Neeson, Christina Ricci e Jason Long. Neeson é imperscrutável na figura do agente mortuário, à conversa com os cadáveres deitados na marquesa, enquanto os prepara, veste e maquilha para as respectivas exéquias. Christina Ricci deita-se na marquesa e recusa-se a acreditar que está morta. Justin Long é o namorado de Ricci, incapaz de aceitar que a perdeu.

Não é um filme previsível e reconhece-se que é intrigante. A par da aparente evidência da morte da professora, são muito subtilmente dispersas pistas que apontam para a actividade de um meticuloso assassino. O agente mortuário invoca-se o poder de auxiliar as almas na transição para o pós-vida, de ser capaz de ouvi-las e sossegá-las para o inevitável. A sua actual paciente enfrenta um natural estado de negação, chegando a fazer algumas tentativas pouco convincentes de fuga, até finalmente resignar-se, vindo mais tarde a agarrar-se à possibilidade de tudo não passar de um equívoco. No fundo, todo o filme ciranda em redor de uma única questão: estará ela viva ou morta? Será o agente funerário um médium ou um serial killer?

Muito mais do que a história, que avança a passo de caracól, Depois Da Vida capitaliza no factor necrófilo. Christina Ricci é conhecida do público desde criança, primeiro como filha de Cher (A Minha Mãe É Uma Sereia, 1990), depois como filha dos Adams (A Família Adams, 1991) e amiga do fantasma simpático Casper (1995). Tornou-se atrevida em A Tempestade de Gelo (1997) e O Oposto de Sexo(1998), mas o corpo demasiado adiposo falhava em colocá-la nas capas das revistas de entretenimento. Após uma dieta consistente, apresentou uma atraente nudez em Prozac (2001), mas o seu peso continuava a apresentar questionáveis flutuações. Elegante na sérieAlly McBeal (2002), mas mais rotunda em Monstro (2003) e A Vida E Tudo O Mais (2003). Black Snake Moan (2006) estabeleceu-a inegavelmente como bomba sexual, a transpirar sensualidade em vestes reduzidas. Depois Da Vida apresenta-a etérea, nas suas formas petites de vespa, mergulhada em maquilhagem que simula a lividez e lhe cobre as sete tatuagens. Completamente nua em pelo menos metade da sua actuação, Ricci encarna poses que incendeiam a frieza do cenário e hipnotizam a cada gesto.

Claro que uma actriz viva e que se move e fala não é verdadeira necrofilia e não há mal nenhum em desejá-la. A curta metragem de Nacho Cerdà, Aftermath (1994), será ideal para compreender-se a diferença. Noutras semelhanças, cabe referir que enterrar alguém vivo está longe de ser novidade. Desde a primeira adaptação do conto homónimo de Edgar Alan Poe, há mais de uma dezena de títulos idênticos e a série Hitchcock Apresenta também não lhe foi estranha (episódio Final Escape, em 1964 e com remake em 1985). Talvez a variação mais criativa tenha sido O Homem Que Queria Saber (1988), que o holandês Georges Sluizer reproduziu em americano em A Desaparecida (1993). Quentin Tarantino foi outro que gostou tanto da ideia que a utilizou no Vol. II de Kill Bill e a repetiu no último episódio (duplo) da quinta temporada da série CSI, enterrando o personagem Nick Stokes. A contrário, há também filmes com personagens que supomos vivos e se revelam mortos. Entre eles, os mais notáveis serão BZ- Viagem Alucinante (1990) e O Sexto Sentido (1999).

Em suma, Depois Da Vida tem qualidades, mas peca por uma direcção macilenta, a injectar pistas demasiado a conta-gotas. A ambiguidade é mantida até ao final e essa irresolução tem mão tão pesada que se torna indigesta. A inércia é apenas contrabalançada pela beleza de Christina Ricci, mas há limites para o transe que esta é capaz de provocar.

After.Life 2009

Road Games, de Richard Franklyn

Das estepes de interminável terra seca que Mad Max (1979) incendiou, a característica mais marcante é o tédio. Que o diga Quid, um camionista com falta de sono e a atravessar o país com uma carga de carcassas de porco refrigeradas, que junta diversas pistas fáceis e decide perseguir um serial killer. Num filme em que pouco de interessante ocorre, o maior tempo de antena é ocupado por Stacy Keach, que o interpreta, a falar sozinho ou com o seu dingo. Jamie Lee Curtis junta-se-lhe para apimentar o cenário, mas o seu ar de menina direitinha funciona no sentido oposto.

Depois do bem sucedido Patrick (1978), sobre um paciente comatoso com poderes telequinéticos, e antes de ser convidado a realizar Psico II, Richard Franklyn entregou ao argumentista Everett DeRoche o argumento de Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock, com a incumbência de adequá-la à realidade australiana. O guião de Roche (Razorback, 1984) cumpre os requisitos do realizador, que se terá esquecido de pedir-lhe uma dose de senso comum. A história passa-se numa viagem em linha recta, mas insiste em repetir os mesmo viajantes, sem que se perceba como é que continuam a cruzar-se. Isto causa alguma desconfiança em relação ao desfecho, que se confirma desanimador.

Camião contra furgoneta. Dez anos depois do camião assassino de Steven Spielberg (Duel, 1971), é agora o herói quem transporta o TIR, cuja potência faz a diferença apenas na sequência final, por entre ruelas apertadas mas pouco claustrofóbicas. Aliás, se há alguma característica que falta em Road Games é estrangulamento, trocadilho que engloba a técnica assassina do seu serial killer (amise-en-scéne do único homicídio onscreen é tão irrealista como nos filmes do período giallo, com o assassino a sair de da casa de banho envolto em nevoeiro, com luvas de condutor, e a passar um fio de nylon pela frente dos olhos da sua vítima, uma jovem nua a toca viola na cama, que não reage enquanto o laço que irá enforcá-la lhe passa lentamente pela cabeça até fechar-se-lhe no pescoço) e sintetiza a falta de suspense reinante. Ou seja, apesar de haver uma ou outra cena interessante, estas parecem oásis no meio da agonia do deserto. Os monólogos da treta do protagonista são, em larga escala, culpados, mas a ineficácia da realização é ainda mais responsável.

Um filme para fãs de Stacy Keach, o actor que ficou conhecido pela recorrente interpretação do detective televisivo Mike Hammer, obra da pena do best seller Mickey Spillane. Antes das temporadas deMike Hammer (1984-1987), Mike Hammer Detective Privado (1997-1998) e de quatro telefilmes com o mesmo personagem, Keach tinha protagonizado Cidade Viscosa (1972), para John Houston, ao lado do estreante Jeff Bridges. Jamie Lee Curtis, o outro nome de cartaz, é filha de Tony Curtis de Janet Leigh (a Marion Crane de Psico, de Hitchcock), que Richard Franklyn conheceu quando visitou o amigo John Carpenter durante a rodagem de Halloween (1978).

Road Games retira o seu título de uma espécie de jogo do gato e do rato que se estabelece entre o assassino e o herói, mas peca pelo fraco controlo do suspense por parte do realizador, o que, basicamente, inquina um filme que teria de viver disso.

Road Games 1981


Surviving Crooked Lake, de Sacha Drews, Ezra Krybus e Matthew Miller

Quatro raparigas e um cadáver, num passeio de canoa acidentado. Querer-se-ia, talvez, uma intensa história de sobrevivência e teimosia, mas o resultado é pouco mais do que travelings sobrepaisagens fluviais bucólicas, com quatro adolescentes discretamente atraentes no enquadramento.

Em 2003, Sacha Drews, Ezra Krybus e Matthew Miller eram um trio de estudantes de Belas Artes da Universidade de Nova Iorque que viram a sua curta metragem A Escola ser seleccionada por diversos festivais e desde então têm participado em projectos de fraca exposição. Surviving Crooked Lake é a sua primeira longa metragem, a qual elogia o talento de Drews e de Krybus como directores de fotografia, mas a total falta de discernimento dos três realizadores/ argumentistas ao nível de condução da narrativa, dos diálogos embaraçosos e da inépcia na condução de actores. As quatro raparigas são inexpressivas e envergonhadas, nada empenhadas na manifestação de sentimentos, seja companheirismo, cansaço, desespero ou até choque. Ignorantes dos mais básicos atributos da arte da representação, parecem ter sido escolhidas pela magreza e ar virginal hippie, de cabelos aloirados e olhos azuis. Stephanie Richardson é bailarina, Alysha Aubin é modelo e Candice Mausner e Morgan McCunn são estudantes anónimas. Como merecem.

O realce para a direcção de fotografia cinge-se às paisagens naturais canadianas. De resto, abundam os evitáveis close-ups, à procura do que as actrizes não têm para dar. Quanto ao guião, deixa questionar como é possível que quatro adolescentes sejam autorizadas a fazer um passeio de dois dias, com um guia do sexo masculino, que envolve canoagem e pernoitada em tenda, e ainda mais estranho é que, entre os cinco, não haja um único telemóvel. Quanto aos ténis New Balance, será sinal de um improvável investidor ou a forma de datarem a acção?

Surviving Crooked Lake 2008


Estilhaços De Medo, de Sean Ellis

Bem Vindo Ao Turno Da Noite, o anterior filme de Sean Ellis, é uma curiosa fantasia pueril, que funcionou enquanto curta metragem (2004) e, numa cartada bem sucedida, como longa (2006). Estilhaços De Medo evidencia uma intenção similar. O guião, também de Ellis, pouco mais daria do que para uma curta metragem, mas, ao ser-lhe impresso um registo lento, introspectivo e complacente, dá por si com uma duração de 93 minutos.

Filme de terror atmosférico, tão sombrio e indefinido como a Londres que lhe serve de cenário, Estilhaços De Medo circunscreve-se no campo do suspense psicológico, a viver de um delicado poder de sugestão. Infelizmente, é um filme canibal, que se alimenta das carcassas de inúmeros antecessores, e tem muito pouco de intrigante, porque se lhe vêem as costuras depressa demais.

Quanto ao primeiro ponto, cabe desvendar, minimamente, o enredo. Durante uma reunião familiar, o espelho da sala parte-se, sem razão aparente. A partir do dia seguinte, outros espelhos vão ter o mesmo destino e sósias dos membros dessa família saem do interior. Não há aqui nada de surpreendente. Substitutos de humanos polvilham o imaginário das diversas versões de A Invasão dos Violadores (1956, 1978, 1993 e 2007). O Homem Que Assombrava A Si Próprio, filme de culto de Basil Dearden (1970, com Roger Moore), tem por base a existência de um duplo do protagonista. Os espelhos como janela para outra realidade também não são novidade, tendo-se o terror sul coreano apropriado desse artifício já neste século (Geoul Sokeuro, 2003), com remake americano incluído (Espelhos, 2008). Eles (2003) utilizava a escuridão de forma semelhante.

A Invasão dos Violadores, incontornável no género, vivia da insegurança de um punhado de humanos à preocupante proliferação de sósias, exacerbado com a dúvida da identidade de amigos e familiares. Estilhaços De Medo envereda por aí, mas a nível pessoal, sem envolver a ideia de conspiração global. A protagonista pensa ter visto uma mulher igual a ela, na véspera de sofrer um aparatoso acidente de automóvel, e que o seu namorado deixou de ser a mesma pessoa. Relativamente ao conceito da convicção de alguém estar na presença de um impostor idêntico a alguém que conhece, é curioso saber que a comunidade científica já catalogou esta ilusão em 1923, como síndroma de Capgras. Era este o pressuposto do filme A Mulher Do Astronauta (1999).

Estilhaços De Medo, pelas suas limitações, fica a moer no vazio, a anhar uma ameaça sem rosto e sem intenção definida, sem que fique explicado quem são estes sósias, de onde vêm nem o que querem. É um filme estático e abstracto, ao que não é estranha a presença do mono Richard Jenkins (Sete Palmos de Terra, O Visitante). Isto explica-se pela natureza de curta metragem, onde Sean Ellis se sente mais à vontade, mas que insiste em esticar até ao formato comercial, sem dar nada em troca senão um ambiente frio e soturno, uma banda sonora incomodativa e a bela Lena Heady (As Crónicas de Sarah Connor, 300), com direito a desnecessário mas grato instante de nudez. Michelle Duncan, também convincente de carnes, recria uma variação da cena de duche de Psico (1960), que coabita estranhamente com uma de Espelhos, do mesmo ano, onde outra loira (Amy Smart), igualmente nua, vê (e sente) ser-lhe impunemente feito algo desagradável a nível oral.

Estilhaços De Medo vive do seu twist final, daqueles que não explicam nada mas se pretende que, pelo menos, surpreendam pela sua inteligência. Claro que não há inteligência nenhuma no mais do que previsível twist. Esse filão foi esgotado por M. Night Shyamalan, em O Sexto Sentido (1999), onde o psicólogo que queria ajudar um menino que via fantasmas era, ele próprio, sem estar consciente disso, um fantasma. O chileno Alejandro Amenábar, autor dos fabulosos Tese (1986) e Mar Adentro (2004), ingressou por aí em Os Outros (2001), encalhando no mesmo ponto que Sean Ellis: depois deO Sexto Sentido, a mais ínfima pista denuncia o esquema.

The Broken 2008

Neighbor, de Robert A. Masciantonio

Sem contar com o reino animal (Tubarão, Piranha, Orca Assassina), os serial killers cinematográficos catalogam-se em dois géneros: fantasistas e realistas. Freddy Krueger, Michael Myers e Jason Voorhees tomam de assalto o pódio sobrenatural, mas no de carne e osso, quem recebe o ouro não é John Ryder (Terror Na Auto-Estrada), Norman Bates (Psico), John Doe (Se7en), Jerry Blake (Padrasto Assassino) nem o casal Mickey e Mallory Knox (Assassinos Natos). Sobre eles, paira um filme de gelar o sangue, de uma honestidade brutal e de uma simplicidade grotesca, de John McNaughton. Henry – Retrato De Um Serial Killer (1986) é, nesse sentido, uma obra-prima. Frio, calculista, medonho, chocante, real, assim é recriado o percurso de um sociopata, Henry Lee Lucas, protagonizado por Michael Rooker. A mestria de McNaughton é tanto maior quanto as técnicas e artifícios que utiliza para expor o horror e a repulsa dos crimes, sendo que alguns são apenas escutados perante a encenação do resultado (com a vítima já morta) e outros são interrompidos antes da sua conclusão, que sabemos inerente. O Retrato do título refere-se à caracterização e complexidade da personagem, que se torna fascinante, porque, apesar de cruel e inumano, é um homem com o aspecto dos outros, que se perde na multidão e termina a película em liberdade, sem que o público encontre a compensação moral (a punição do criminoso) que necessita para deixar a sala de cinema e se aventurar nas ruas escuras que o cercam.

Henry – Retrato De Um Serial Killer é um filme perturbador e repelente. No outro extremo do espectro, está Neighbor, que, não deixando de ser repelente, é anedótico, amador e estúpido. Penoso pela sua esterilidade e inépcia, revela-se num completo disparate. Se há filmes que não são adequados a estômagos leves, este é-o apenas a crânios ocos.

Comecemos pelo título. Neighbor =Vizinha. Não faz sentido. A história é tão básica que não deixa sombra para dúvidas. Uma jovem que ninguém das redondezas viu antes (uma mãe, no jardim com a filha, chega a perguntar-lhe, de cenho franzido, se é da zona, ao que ela responde que não), dedica-se a saltitar de casa em casa, torturando e matando quem encontra no interior. Exemplo de cartilha de torture porn caseiro, Neighbor nem sequer pode equiparar-se aos dois célebres casos que elevaram o conceito a subgénero independente, Hostel e Saw. Ainda que Saw tivesse um argumento mais elaborado do que Hostel, ambos podiam, pelo menos, orgulhar-se de terem um estúdio competente a equilibrar as intenções de choque. Neighbor é um mero excremento, com isto comparando directamente Robert A. Masciantonio a Marco Fiorito, da produtora pornográfica brasileira MFXVideo, especializada em coprofilia e urofilia.

As inconsistências de Neighbor não se ficam por aqui. Para além da psicopata de serviço não ser vizinha de ninguém, ela saltita alegremente de vítima para vítima, que escolhe aleatoriamente, sem se preocupar com as provas que deixa nem com a possibilidade de ser apanhada. Depois da popularidade de séries como CSI, é absurdo assistir a uma assassina que anda descalça nas casas alheias, veste a roupa dos seus donos e toma banho nas suas banheiras, deixando despreocupadamente impressões digitais, fibras, fios de cabelo e células epiteliais por todo o lado. Quando, a dada altura, se corta num dedo, limita-se a colocar um adesivo, retirado da caixa de primeiros socorros da vítima.

Referidas que estão a desfaçatez do título e a improbabilidade de uma criminosa tão distraída estar à solta, tantos outros elementos serão contabilizados para deixar evidente que nada resultou neste filme. Primeiro, o facto de a psicopata não perder tempo em estudar os alvos, limita-se a entrar nos seus lares e a ser bem sucedida nos seus intentos. Pode ser um casal que já encontramos amarrado, uma idosa a seu cargo (a quem ela diz que tem alterado a medicação durante meses), uma adolescente que tem idade para morar com os pais ou um adulto que vive sozinho e alucina com cogumelos. Depois, o tempo absurdo que passa com as vítimas. Em todos os casos, pernoita e na situação mais demorada, mais do que isso.

Entre a realização e a montagem, há elementos que são aflorados e aos quais não é dado seguimento e situações que se limitam a acontecer, sem que sejam encenadas ou preparadas. No primeiro caso, temos a presença de um bloco de notas onde a assassina escreve compulsivamente apontamentos que nunca são vistos. No segundo, ela surge dentro de uma casa que mais tarde vemos ser de Don (a vítima mais detalhada, interpretada por um sósia de Ryan Reynolds) e começa a partir coisas e a escolher os instrumentos de tortura que vai usar, sem sequer saber se há alguém em casa que possa ouvi-la. Don acorda e está amarrado a uma cadeira. Estava na cave, sob o efeito dos cogumelos, e é torturado com um berbequim, que lhe inflige diversos buracos numa coxa e lhe extrai o dedo grande do pé. Quando a Vizinha decide fazer uma pausa para tomar café, ele opta por evadir-se. Para isso, nem precisa de soltar-se da cadeira, porque a fita-cola que o mantinha prisioneiro desapareceu milagrosamente.

O que poderia salvar um filme com estes buracos? Uma realização firme, actores capazes de produzirem a nota que lhes é pedida, efeitos especiais credíveis e uma montagem decente. Tudo isso estava esgotado. A realização de Robert A. Masciantonio é desprovida de mise-en-scéne e os actores gritam sem saberem revelar dor, pânico ou medo – especialmente America Oliva, aVizinha, que se dedica a um lamentável overacting, nítido de quem não sabe o que está a fazer. Num ritmo caótico, o seu rosto passa de vazio a divertido, a triste ou a confuso, enquanto debita as suas deixas sem o menor impacto e comporta-se como uma aborrecidacheerleader a quem pediram que recriasse alguns passos de umstoryboard, sem lhe terem sequer explicado o guião ou a personagem. Dispensando as aulas de representação de que claramente necessitava, a extensão do talento de Oliva limita-se ao peito de silicone que não exibiu (apesar de, no mesmo ano, o ter feito para o remake de Sexta Feira 13 e para a revista Playboy), ausência que se estranha ainda mais pela cena de duche não permitir o menor voyerismo, tão selectiva nos ângulos como um filme infantil. Até Brian DePalma, enquanto construía uma carreira de slashers de baixo orçamento, nos anos 70, sabia que algo muito mau podia melhorar com umas moderadas pitadas de exposição feminina.

Uma plástica ao nariz e ao queixo de America Oliva também teriam sido uma nota positiva, mas nem no campo dos efeitos especiais o filme capitaliza. São efeitos de garagem, quase todos baseados na aplicação de maquilhagem com latex, retirados de manuais para brincadeiras de Halloween. Um braço cortado que espicha sangue, próteses de borracha e o mais marcante momento em que a boca de uma jovem é cortada de orelha a orelha por uma serra de plástico, sendo que minutos depois a jovem grita e vemos que tem a boca incólume. O nome do técnico de efeitos especiais Vincent Guastini não ficará, definitivamente, para os anais.

Personagens superficiais, realização rasteira, montagem anárquica, actores imprestáveis, cenários exteriores que mudam constantemente de ricos a degradados (quando é suposto serem os mesmos), Neighbor é uma desilusão. Masciantonio percebeu a imbecilidade aos primeiros dailies e, face ao resultado que nem a si deve ter agradado, decidiu incluir, a meio do filme, um flashforwardque se revela inútil e um mero capricho, na prática uma alucinação de Don, a meio da tortura (ter-se-á lembrado do artifício ao assistir à versão uncut de A Descida, diferente da que defraudou o público americano). O próprio realizador surge em cena como repórter, em diversos noticiários televisivos, de chapéu, barba e uma indumentária muito pouco profissional. A Vizinha é outra que, apesar de surfar de casa para casa, nem sequer anda de mochila, mas consegue sempre roupas novas do seu tamanho, e basta-lhe olhar para uma máquina de costura para que uma peça de homem (homem esse que mora sozinho e é um desleixado, mas que tem uma máquina de costura em exposição no quarto onde dorme) que encontrou num armário se transforme em haute couture. Com esses modelos imediatos, pavoneia-se nas ruas, deixando as vítimas vivas em casa, e nunca se sabe onde vai ou porque o faz. É como o filme, que realmente não se sabe porque foi feito, como foi concluído ou quem poderia apostar em distribuí-lo. No meio de tanta pobreza, a banda sonora do compositor Kurt Oldman nem sequer se escuta.

Neighbor 2009


Spiral, de Adam Green e Joel David Moore

Em 2006, Adam Green realizou Hatchet, uma comédia de terror que capitalizava no humor de sitcom e nos efeitos especiais tradicionais. que continuam a maravilhar mais do que o muito mais falso CGI. Havia cameos de Robert Englund, Kane Hooder e Tony Todd, mas era Joel David Moore o actor principal. Green e Moore estão de volta, mas quem está em todas é Moore. O protagonista co-realiza, co-produz (a meias com Zachary Levi, também actor do filme) e foi co-argumentista de Spiral.

A premissa é curiosa, mas a concretização amassa demasiado. Umtelemarketer introvertido relaciona-se lentamente com uma colega de trabalho, a qual acaba por pintar em diversas telas e cadernos. Obsessivo e misterioso, uma das suas regras é que ninguém veja os seus trabalhos antes de estarem concluídos, o que desperta a desconfiança da jovem. Especialmente quando ele já está a esboçar o novo trabalho, para o qual espera que ela pose sem questionar. Alguns elementos do passado dele vão sendo adicionados, suspeitando-se de que possa ter assassinado modelos anteriores ou, pelo contrário, a modelo actual (e as supostas anteriores) existir(em) só na sua cabeça.

Os três actores principais não desmerecem (Moore, Zachary Levi e Amber Tamblyn), e é sempre uma experiência ver Tricia Helfer (Battlestar Galactica), nem que seja numa única cena, mas há coisas que nem o facto de ser um filme indie e ter uma direcção de fotografia competente consegue anular. As apostas visuais, nomeadamente a ausência de gore e a crispação dos espaços deram frutos, mas não os suficientes para compensarem um enredo que se arrasta para cumprir a longa duração, os diálogos inconsistentes ou a irritante banda sonora jazzy. O desfecho prefere deixar as questões à interpretação do espectador.

Spiral 2007


Saw VI, de Kevin Greutert

Em equipa que ganha, não se mexe, e por isso a ficha técnica apenas sofreu alterações cirúrgicas. O editor dos primeiros cinco filmes ascendeu a realizador, mas mantêm-se os produtores, o compositor, o director de fotografia e praticamente todo o elenco, até com os mortos a regressarem em flashbacks. Os argumentistas Patrick Melton e Marcus Dunston já acompanham o projecto desde Saw IV, o que garantiu a coesão da história, que recupera eventos passados e desta forma mantém viva a ideia de unidade.

Saw VI tem por missão embrulhar a saga de John Kramer, vulgoGigsaw, o homem dos jogos mortais. Desde 2005 que se dedica a fazer as pessoas arrependerem-se dos seus erros, através de provas de vida ou morte, e nem do túmulo desistiu do seu métier. Certo é que, quando começou, Saw desconhecia a sua longevidade e sucesso, pelo que foi trabalhando as surpresas a conta gotas, jogando pelo seguro. A fechar a primeira trilogia, matou o papão e a sua assistente, mas trouxe à cena um imprevisto sucessor. Na recta final da segunda trilogia, é preciso fazer a cama também a este. E Gigsawnão deixou a tarefa por mãos alheias.

Conciso, o filme avança com uma nova vítima principal, num labirinto de portas (ao jeito do que aconteceu no 3, onde também se dava prevalência a um jogador) e a sua escolha foi acertada. Quem melhor do que o CEO da Seguradora que recusou cobertura a John Kramer na sua luta contra o cancro? Os jogos em si são interessantes – directos, simples e orgânicos, desgastam o jogador onde lhe dói mais. Apesar de ficar a sensação de ser mais do mesmo, o filme vai sendo entrecortado de flashbacks capazes de lhe darem um corpo considerável e adensam um mistério cujas migalhas foram sendo construídas desde Saw IV, de modo a poderem explicá-lo e concluí-lo. No final, reservam-se algumas surpresas, muito mais reconfortantes do que no amorfo Saw V. Apesar da refrescante simplicidade da maior parte das provas, tem aqui também parte a mais elaborada de todas as geringonças até à data: um carrossel-roleta russa.

Apesar de tratar-se do Saw que pior se portou nas bilheteiras, Saw VIcumpre a sua missão de atar as pontas soltas, com respeito pela cronologia. Indispensável é, por causa disso, que se tenha algum conhecimento prévio dos meandros da franchise, para que possam reconhecer-se as pistas.

A saga fecha em 2010, com Saw 3-D, (em vez de Saw VII), a realizar por Greutert e filmeado com câmaras SI-3D (i.é, filmados directamente com câmaras 3D e não adaptado em pós produção). Recupera personagens do primeiro filme.

Saw VI 2009