Wednesday, November 19, 2008

Boleia Mortal, de Dave Meyers


O excelente remake de Massacre no Texas, de Marcus Nispel (2003), trouxe consigo a ilusão de que estava aberta a época de caça. TheHitcher – Terror na Auto-estrada (1986) é uma obra de referência, um incontornável ícone na arena do suspense, designadamente pelo ambiente eléctrico, pela empatia com a personagem da vítima e pela admiração (veneração, até) que o vilão nos provoca. C. Thomas Howell é insubstituível como o franzino e impressionável anti-herói, que é incauto ao dar boleia a um desconhecido que lhe faz a vida num inferno (“A minha mãe avisou-me para nunca fazer isto”, é a sua frase de abertura), e Rutger Hauer é a total personificação do diabo, simultaneamente sedutor e assassino frio, quase um pai que ensina o filho a voar, num voo que mais não é do uma queda no abismo. Jennifer Jason Leigh fecha o ramalhete com chave de ouro (ela que já contracenara com Rutger Hauer em Flesh+Blood, de Paul Verhoeven), como uma empregada de balcão que ajuda o jovem e vem a perecer horrivelmente.

Terror Na Auto-estrada era a primeira obra de Robert Harmon, cameraman e director de fotografia, que apenas tinha realizado um curta metragem na vida. The Hitcher seria o seu crisma. Levaria dezasseis anos até realizar outro filme que merecesse atenção (They, 2002), mas isso é outra história. Estava motivado e o argumento de Eric Red (Near DarkCohen & Tate e Blue Steel seguir-se-iam, mas foi também a primeira longa-metragem para Red) tinha tudo para funcionar. A música de Mark Isham (inovadora para a época em termos de trabalho de sintetizador, foi escrita propositada e directamente para as imagens em movimento e respeitando cada nuance) é igualmente um elemento essencial.

Mencionados de relance alguns dos pontos pelos quais o original é um filme de culto, chegamos ao remake. Sem debater a questão da necessidade de refazer uma obra contemporânea onde nada ficou por dizer (e que conta já com uma inenarrável sequela), restava saber se o novo filme pretendia baralhar as cartas e dar algo novo, fosse numa nova abordagem ao tema ou pela mera criatividade gráfica.

Antes de mais, convém inspeccionar o realizador. Dave Meyers vem do mundo do videoclip (Offspring, Britney Spears, Janet Jackson, Jennifer Lopez e Outkast), mas esta é a sua estreia cinematográfica. David Fincher e Michel Gondry são exemplos de como não se deve descartar um realizador por provir desse meio, mas Dave Meyers é, claramente, um exemplo do sinal oposto. Boleia Mortal não passa da enésima tentativa de fazer dinheiro à custa de um título. Aplica o kit de cosmética modernaça, com alguma fotografia decente, mas não consegue instilar a menor alma ou sentimento aos personagens, que andam como baratas tontas a seguir um guião que não vale o papel em que foi escrito. Se Psycho de Gus Van Sant foi o ensinamento de como se podia recriar cada cena e cada enquadramento de uma obra-prima e produzir um pedaço estéril de película inútil, Boleia Mortalsegue-lhe as pisadas. Sempre que o remake copia o original, sai-se mal (então ouvir os diálogos lendários ditos com tamanha alarvidade, devia ser considerado crime); nas cenas novas, mais valia ter copiado. Estamos perante um buraco negro sem coração, sem objectivo e sem interesse.

Os nomes de Jim Halsey e John Ryder foram mantidos, mas o interesse amoroso de Halsey mudou de Nash para Grace. Desta vez, Halsey não conduz sozinho, mas com a namorada, e trocam entre si cenas que eram representadas unicamente pelo jovem herói. Inclui algumas das cenas mais marcantes de Terror na Auto-estrada (a carrinha onde o assassino aparece por trás de um peluche, a esquadra em que está tudo morto, a perseguição dos carros da polícia e um helicóptero, uma vítima puxada por dois camiões em direcções opostas, o final), mas tem o desplante de omitir a mítica cena do dedo no meio das batatas fritas, que se tornou um clássico em si mesma.

A aura de sobrenatural que perpassava Terror na Auto-estrada, especialmente pela figura de John Ryder, o desconhecido (capaz de assassinar uma esquadra inteira ou abater um helicóptero com uma pistola, além de aparecer sempre do nada e saber onde Jim Halsey estava), aguentava-se com seriedade pela composição de Rutger Hauer e pelo próprio tecido narrativo. Contudo, onde o original perturbava, o remake enfastia. Sean Bean substitui Hauer como o homem do polegar estendido, e ainda que o faça com impetuosidade e consiga marcar presença, o seu recorte é demasiado simplista, está ali para matar e pronto, não há nada por trás do papel de parede. O seu personagem é vazio, e um tipo mau mas sem estofo é apenas um rufia.

Sophia Bush e Zachary Knighton estão claramente no filme errado, quer dizer, profissão. Ela até já contava com um filme de terror em carteira (o risível Stay Alive), mas não aprendeu nada, nem ensinou ao parceiro. Nunca se viu uma dupla tão sem sal, um casal tão pouco apaixonado, uma representação tão pouco convincente. Em boa verdade, até se desejava que eles não passassem dos primeiros cinco minutos de filme, como nos usuais slashers, em que se mata sempre alguém antes do genérico.

A música de Steve Jablonsky (que já escrevera as partituras dos remakes de Amityville – A Mansão do Diabo e Massacre no Texas) passa completamente despercebida, sem juntar nada às imagens. O que é pena, porque este compositor já mostrara ser capaz de bem melhor com A Ilha e Steamboy.

Em conclusão, falta suspense a Boleia Mortal. Falta um olhar intencional, falta tridimensionalidade aos personagens, falta emoção. No fundo, não se ganha nada. A ideia deveria ser: quando não se pode melhorar o original, não se mexe. Mas, infelizmente...

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