Saturday, October 27, 2012

V/H/S, de David Bruckner, Ti West, Glenn McQuaid, Joel Swanberg e Radio Silence


No ano em que a trilogia [Rec] se cansou de andar com a câmara aos abanões, V/H/S achou que esta, em retrospectiva, ainda tinha futuro. Imagem granulada, interferências de movimento, riscos de impurezas, ecrã azul de falta de sinal e cortes sumários e abruptos é o que não falta a este pedaço de pseudo nostalgia, que encontra a sua raiz em The Poughkeepsie Tapes (2007), ainda que o produtor Brad Miska (do site Bloody Disgusting) reflicta apenas no conceito de found footage e de colectânea de terror.
Ora bem, quem chegar a esta fita (literalmente) sem conhecimento prévio, terá alguma dificuldade em entender o que eventualmente se vai tornando claro. V/H/S é uma salgalhada sem fio condutor e com cozinheiros a mais para acertarem nos condimentos. Trata-se de um conjunto de cinco curtas-metragens, cada uma com o seu realizador, trama e equipa individuais, desconexos entre si, interligados por um arco que está lá só para encher chouriços.
O artifício do vídeo amador teve a sua génese no pouco conhecido O Último Registo (1998) e o apogeu em Blair Witch Project (1999), continuando a ter aftershocks mais de dez anos depois. Tudo pela baratucha ilusão de realismo que até já foi à lua (Apollo 18, 2011) e voou com Super-heróis (Chronicle, 2012). É uma técnica estafada, mas Actividade Paranormal segue para o quinto tomo, pelo que, aparentemente, veio para ficar. V/H/S, porém, não passa de uma nota de rodapé do género, tanto mais que nem sequer é fiel ao conceito interno: o obsoleto formato VHS implicava ecrã quadrado e não era compatível com óculos de espião (com tanta mobilidade por parte dos personagens dos segmentos Amateur Night e 10/31/98 é de questionar qual o suporte capaz de gravar nessas condições). Há até um capítulo cujo veículo exclusivo é o skype via webcam, que também não é VHS.
Como foi referido, V/H/S é composto por seis curtas independentes, de qualidade irregular entre o mediano e o péssimo. Salientam-se os segmentos Amateur Night, de David Bruckner (um dos realizadores do fantástico tríptico The Signal) e The Sick Thing That Happened to Emily, de Joel Swanberg (You’re Next); e as respectivas actrizes Hannah Rose Fierman (a succubus) e Helen Rogers (a abductee), ambas a ostentarem fugazmente os seus atributos complementares à representação. No todo, V/H/S peca por não cumprir o seu objectivo: não assusta.

Abraham Lincoln, Caçador de Vampiros, de Timur Bekmanbetov


Antes da Buffy, havia o Abe. De cartola e machado, o 16º Presidente dos EUA, responsável pela abolição da escravatura nos EUA, matava vampiros nas horas vagas. Infelizmente, o título esgota o filme.
Os livros de Seth Grahame-Smith tiveram procura por parte dos dois lados da cortina de ferro e cada Tim agarrou o seu: Timur Bekmanbetov ficou com Abraham Lincoln, Caçador de Vampiros e Tim Burton com Sombras da Escuridão. Não satisfeito, Burton também produziu Abraham Lincoln, Caçador de Vampiros.
Não há nada que se aproveite. A matar vampiros à machadada, imaginar-se-ia que o trunfo do filme fossem as lutas a curta distância, mas as coreografias são tão pobres quanto o CGI e o 3D, numa mistura que faz chorar baba e ranho por Matrix (1999); irmãos Wachowski, voltem que estão perdoados (mas não com essa lamechice que se avizinha, o Cloud Atlas).
Benjamin Walker dá ares a Liam Neeson, mas falta-lhe o vigor do original e uma história que lhe permita imitá-lo. O actor não segura o filme e o tom é demasiado sério para premissa tão idiota. Para além disso, os hiatos temporais não são razoáveis: Lincoln passa da idade de 10 para os 20 anos e daí salta para os 50. Que humanos sejam mais hábeis, rápidos e mortíferos do que hordas de vampiros é igualmente inaceitável, especialmente se tivermos em conta que se trata de quinquagenários que não lutavam há mais de duas décadas. Quanto ao confronto entre vampiros e humanos em cima de um comboio, lembra Priest, perdendo, assim, em originalidade o que já falhava em eficiência. Até a mulher de Lincoln, idosa, é mais rápida que uma vampira, quando ainda teve de carregar, armar e disparar a espingarda – é a sorte de uns se moverem em câmara lenta e os outros não.  
Abraham Lincoln Vampire Hunter 2012

Os Diários de Chernobyl, de Bradley Parker


No ano da câmara tremida de [Rec], Poughkeepsie Tapes e Cloverfield, um homem foi capaz de fazer Steven Spielberg borrar-se nas calças e exorcisar um DVD: Oren Peli, com o demo de Actividade Paranormal (2009). Uma quadrologia e uma série (The River) mais tarde, Peli escreveu e produziu Chernoby Diaries, mais um projecto de câmara ao ombro, desta vez sem que a mesma seja transportada por nenhum dos personagens, o que se aplaude.
Seis turistas visitam a cidade-fantasma de Prypyat, abandonada apressadamente aquando do desastre nuclear de Chernobyl, em 1986. Outrora o dormitório dos trabalhadores de Chernobyl, este é o cenário ideal para um thriller tenso, passado num ambiente que convida, pela sua decrepitude e isolamento, ao medo. Aparte o excitante local de visita, porém, o filme revela-se parco em emoções e rico em clichés, ganhando apenas com personagens que começam simpáticos, ao contrários de muitas outras produções do género, permitindo-nos, assim, engraçar com os companheiros de viagem.
Do elenco, salienta-se Nathan Phillips, uma nódoa em Wolf Creek (2005), Serpentes a Bordo (2006) e Red Line (2007) e que este é o primeiro filme de Bradley Parker, anteriormente técnico de efeitos especiais, coisa em que Diários de Chernobyl é omisso. Reconhece-se a criação de uma atmosfera de suspense eficiente, mas que descamba no facilistismo de correrias desenfreadas em espaços mal iluminados e numa zombie rush final, esperada, eventualmente, ou não fosse a radiação a maior preocupação dos presentes. Por fim, o filme não foi filmado na Ucrânia, onde se situa Chernobyl e Prypya, mas na Sérvia e na Hungria.
Chernobyl Diaries 2012

Caixa 507, de Enrique Urbizu


Uma ideia rebuscada e uma concretização bem intencionada, mas demasiado plana. Sete anos depois de um incêndio florestal lhe ter levado a filha, um gerente de banco descobre provas de que o incêndio não foi acidental. O que fazer com essas provas vai atormentá-lo, mas a vingança é sempre caminho seguro.
É apenas natural que os seis prémios Goya para Não Haverá Paz Para Os Malvados (2011) motivem a descoberta da carreira do realizador/ argumentista Enrique Urbizu, um dos argumentistas de A Nona Porta (1999), de Roman Polanski. Mas Caixa 507 (2002), apesar de dois prémios Goya,  não está à altura do supra-citado.
Escrito e realizado por Enrique Urbizu, Caixa 507 peca pelo limitado espectro representativo de António Resines, que não chega a ser compensado pela presença de José Coronado. A aparição de Dafne Fernandez (a Marta da série Un Paso Adelante) é muito curta. Quanto à história, é previsível e de morte lenta.
 
La Caja 507 2002

Tuesday, October 2, 2012

O Corvo, de James McTeigue



Sem qualquer ligação ao título para além do nome do autor encabeçar o elenco, O Corvo é um jogo de gato-e-rato entre um mastermind serial killer e o célebre escritor Edgar Alan Poe, onde cada cena do crime encerra pistas para a seguinte, todas elas baseadas em elementos dos seus contos de terror. Poe, qual Sherlock Holmes, investiga, assistido por um inspector de polícia muito mais eficiente do que Lestrad. É um mistério sólido, mas a identidade do vilão desilude e a sua captura, em terras de Napoleão Bonaparte, fica sem racionalização. 
James McTeigue assina, assim, a sua segunda obra menor (a outra foi Ninja Assassin, 2009), depois da estreia com o aclamado V de Vingança (2006). John Cusack faz de John Cusack, Alice Eve está querida e Luke Evans aguenta o barco. Em conclusão, Ben Chaplin, no filme Twixt (2011), tem um retrato muito mais fiel de Edgar Alan Poe e The Raven, apesar de entreter, não vai trazer mais leitores àquele que é referenciado como o inventor do género detectivesco.
The Raven 2012

Cold Fish, de Sion Sono


O dono de uma loja de peixes tropicais, sossegado e introvertido, é conduzido ao extremo pelas atitudes de um rival criminoso, que faz dele cúmplice dos seus crimes. História de manipulações e intimidação, Cold Fish pretende-se chocante, mas a realização é muito desigual, o que dificulta o diálogo entre o horror e o humor. A tentativa de manter a câmara o mais próximo possível da acção torna-a intrusiva e teatral, prejudicando a já de si ténue credibilidade.
Após realçar que os seios de Megumi Kagurazaka (Taeko) mereciam um filme só para eles, destacam-se algumas incongruências. A trama desenvolve-se em dez dias, mas a cronologia gráfica das cenas, algumas com dez minutos de diferença, é irrelevante. Passou-se alguma coisa na camarata de Murata com Mitsuko ou o velho (e a esposa) tinha(m) limites? A canetada no pescoço de Aiko não fez danos e sarou por si em poucos minutos. A filha foi agredida com socos violentos, mas apresenta-se menos de uma hora depois sem marcas no rosto O que é que a mulher e a filha fazem no carro da polícia, na última cena (Syamoto avisou para onde se dirigia e exigiu urgência, mas os polícias acharam por bem ir a casa dele primeiro)?
Cold Fish não apresenta o choque que o realizador ambicionava, mas também não é um filme de fácil digestão. Pofissionalismo e comedimento teriam feito milagres. Assim, a extensa duração e opções musicais pouco acertadas saturam a audiência. Em 2007, Sono também não foi especialmente bem sucedido com Hair Extensions, filme que se centrava em cabelo oriental fantasmagórico.
Tsumetai Nettaigyo 2010

La Cara Oculta, de Andrés Baiz


Para além da dentição menos harmoniosa que o actor Quim Guiérrez tenta ocultar, mantendo a cabeça em ângulos específicos e abrindo pouco a boca, a namorada do seu personagem tê-lo-á abandonado ou desaparecido? E os ruídos que a nova namorada ouve através da canalização da casa, serão obra de uma assombração? La Cara Ocultaé um thriller psicológico colombiano, que não faz mais do que dar migalhas durante quase uma hora, tendo então o mérito de engrenar dois twists interessantes. Durante os tempos mortos, disponibiliza a nudez esguia de Martina Garcia, recomendando-se, porém, a aquisição de uma lupa para a identificação do seu peitoral. Clara Lago também pode ser vista, mas apreciada só de relance.
Apesar dos satisfatórios twists e da beleza das envolvidas, o suspense teria sido mais eficiente se o protagonista tivesse melhores dentes, os diálogos brilhassem mais e a montagem tivesse uma tesoura mais afiada.
 
La Cara Oculta 2011

Blind, de Sang-hoon Ahn


Contradizendo a cega expectativa de que a Coreia do Sul só produz filmes de terror e que o título envolve almas penadas que só a protagonista consegue ver, surge uma mera história policial com um serial killer e uma testemunha invisual. Ainda que nem tudo seja mau, peca por excesso de melodramatismo e um vilão omnipotente. Que os polícias sejam irráticos e anedóticos também não ajuda ao realismo.
Beul-la-in-deu 2011

São Valentim Sangrento, de Patrick Lussier



A correr para apanhar a carruagem do 3D a tempo do Dia dos Namorados, My Bloody Valentine é uma espécie deHalloween no dia errado, com um mineiro psicopata invencível, cuja arma de eleição é uma picareta e o estilista aconselhou a não abandonar o macacão e a máscara de oxigénio. A presença de Jensen Ackles e o generalizado piloto automático transformam a experiência num bocejo com migalhas de 3D interessante, algo próximo de um episódio especial mas rapidamente olvidável da série Sobrenatural. A entrega das câmaras a um realizador tarefeiro não ajudou. Palmas apenas para a actriz Betsy Rue, que aguenta uma cena inteira em revelador nu integral, sem a vulgarizar.

My Bloody Valentine 2009

Prometheus, de Ridley Scott


Os gritos podem não se ouvir no espaço, mas há mais de três décadas que têm repercussão por todo o planeta Terra. A princípio, nenhum estúdio queria pegar em Alien (1979), pelo seu elevado grau de violência, e só quando o realizador Walter Hill mostrou interesse pelo projecto é que a 20th Century Fox lhe deu luz verde. Apesar das rescritas que Hill (e David Giler) infligiu ao guião original (de Dan O’Bannon e de Ronald Shusett), não conseguiu sentir-se à vontade no ambiente de ficção científica e preferiu produzir apenas.
Ridley Scott, só com um filme no currículo (O Duelo, 1977), inspirou-se em Star Wars, 2001: Odisseia no Espaço eMassacre no Texas (que Dan O’Bannon insistiu que visse), para realizar o que foi vendido aos produtores como “O Tubarão no espaço” e se tornou um dos maiores sucessos de terror e ficção científica de sempre, despoletou três sequelas e engalfinhou-se com outro monstro sagrado, Predador, antes de regressar às origens.
Depois do reptilóide desenhado por H.R. Giger ter passado pelas mãos de James Cameron, David Fincher e Jean Caro, retorna às de Ridley Scott, que já em 2003 montara um director’s cut, justificado exclusivamente por ter sido encontrado, em Londres, um cofre com mais de cem bobinas consideradas perdidas. O realizador, porém, prefere a edição comercial de 1979. O mesmo acontece após assistir-se a Prometheus.
O que é, então, Prometheus? A Fox anunciou-o como reboot de Alien, mas Ridley Scott insiste que se trata de uma prequela indirecta, não só porque fica sempre bem inventar termos novos, mas porque o objectivo é amealhar com uma trilogia paralela. Nesse sentido, Prometheus tem tanto de prequela quanto, por exemplo, A Coisa (2011), que se limita a colocar outros personagens na mesma situação e deixa alguns cenários com o aspecto encontrado no original.
Portanto, os factos abordados em Prometheus precedem os de Alien, mas os paralelismos são tantos que é impossível não ligar os pontos: uma nave espacial (da tripulação, constam duas mulheres e um cyborg) é atraída para o mesmo planeta que a Nostromo (Alien), envia uma sonda ao planeta, são encontrados casulos e uma nave danificada, dois membros são atacados por facehuggers (agora parecem cobras), um membro feminino que é alvo de fecundação (Alien 3) e o monstro sai do seu abdómen (agora através de uma operação cirúrgica), a missão do cyborgnão é proteger a tripulação humana e no final acaba desmembrado.
Por aqui se vê que Prometheus não capitaliza em originalidade narrativa. Jon Spaihts escreveu o guião e Damon Lindelof andou a fazer-lhe anotações durante oito meses, durante os quais terá coçado tanto a micose como a cabeça. Para quem se tiver questionado sobre o space jockey encontrado pela tripulação da Nostromo no planeta abandonado, foram inventados os Engenheiros, que estarão na origem dos seres humanos. Quando são dois palentólogos que assim chamam aos antepassados do Homem, é porque se identificam como algo saído de uma linha de montagem e não de um laboratório de pesquisa. Caso contrário, chamá-los-ia de cientistas, não? Claro que a ideia de que a origem da vida na Terra é  extraterrestre, se os Engenheiros fossem chamados de Cientistas, podia parecer provir, não dos escritos de Erich von Däniken, mas da interferência de L. Ron Hubbard. Quanto ao traço humanóide dos Engenheiros, nota-se a clara influência de Jean Giraud (Moebius), já inspirador dos storyboards de Alien, apesar dos produtores insistirem que vem da escola renascentista.
O rumo tomado por Prometheus é chão que já deu uvas. Reconceptualização indigente, podia perfeitamente intitular-se Alien 5, tendo-se limitado a um baralhar e voltar a dar descarado e pastoso. A estética das cabeças humanas gigantes já vem da Ilha da Páscoa e foi repescada por As Crónicas de Riddick (2004), os capacetes de astronauta parecem os globos das máquinas de brindes com cabeças de Barbie dentro, as imagens holográficas com recriações do passado activam-se porque sim, os antepassados dos humanos são skineads musculados com três metros de altura… mas o cúmulo da estupidez atinge-se quando uma mulher decide fazer um aborto num módulo operatório, com anestesia injectada pela própria durante o processo, sem perder a consciência nem a capacidade de locomoção, saltando da marquesa pelo próprio pé, com os agrafos de cicatrização acabados de aplicar. 
Guy Pearce, numa apressada máscara de látex, desmoraliza em comparação com a inicialmente pretendida presença de Max Van Sydow e a banda-sonora de Marc Streitenfeld resume-se a adaptar à acção as dissonâncias que Jerry Goldsmith compôs para Alien. Gostava de ter uma palavra positiva sobre Noomi Rapace, Charlize Théron ou Michael Fassbender, mas nenhum justifica a caridade. Nada em Prometheus cativa, maravilha, encanta ou entretém. Parece tudo recauchutado, higienizado e insípido.
Prometheus 2012