Wednesday, November 19, 2008

A Senhora do Lago, de M. Night Shyamalan


Do terror para o imaginário mais infantil. Foi um salto sem rede dado por aquele que, após dois filmes que passaram despercebidos, foi apresentado quase unanimemente como o futuro do género, após o sucesso de “O Sexto Sentido” (seis nomeações para os Óscares) e de “O Protegido”. Mas as hostes dissidentes foram aumentando logo nas apostas seguintes do realizador (“Sinais” e “A Vila”), provando-se que o epíteto poderia ter sido demasiado apressado.

Alheio a provocações e confiante no apoio dos fãs, decidiu passar ao cinema uma história de embalar que inventou para os seus filhos, a qual ia inventando devagarinho, noite após noite, acrescentando pormenores de que nem se tinha lembrado na véspera. E assim nasceu “A Senhora do Lago”.

Se os seus filhos foram críticos suficientemente maduros para uma imediata acepção de mérito, desconhece-se, mas para a história ser engolida por um público exponencialmente mais vasto é coisa que não devia tirar-se de letra. Aparentemente, para Shyamalan foi quanto bastou. O selo de qualidade estava posto e era hora de se fazer ao piso. Este foi o primeiro erro.

O universo do terror e o da fantasia têm regras e medidas completamente diferentes. Stephen King foi um escritor que tentou os dois géneros, mas se provou menos competitivo no segundo. Shyamalan segue-lhe as pisadas. À primeira vista, a trama é curiosa. Um porteiro para todo o serviço (Cleveland Heep) num condomínio de classe média, descobre na piscina comum uma personagem de uma história de embalar e decide ajudá-la a regressar ao seu mundo. Mas há forças que se movem contra ela e Heep vai precisar do auxílio de outros condóminos, encontrando lugar para cada um deles na própria fantasia de onde a Narf provém.

Mas as inconsistências são mais do que muitas. A história de embalar é da tradição oriental, mas a Narf é ruiva (a meio do filme fica loira) e decididamente caucasiana (branca, em oposição a amarela). Na actualidade, quem é que não recorre à Internet para obter informação sortida? Mas não, Heep recorre a uma estudante universitária (por acaso de ascendência oriental) para saber o que é uma Narf, e tem de se sujeitar a humilhações várias (e em mais do que uma ocasião) para que a velha mãe da estudante (que ouviu a história há muito tempo pela respectiva mãe) a vá contando aos pedaços. A missão da Narf é inspirar uma pessoa específica (mas que ela nunca viu nem sabe o aspecto ou sexo), a qual inspirará outra que fará a diferença necessária à criação de um mundo melhor; a pergunta é: porque é que ela não inspira logo a pessoa que fará a diferença? Quando inspirar essa primeira pessoa, poderá regressar ao seu mundo, levada por uma águia gigante. Mas, até lá, ciranda pela piscina à espera que o tal apareça. Como não podia deixar de ser, há uma criatura má no conto, com o fim de impedi-la de obter o seu objectivo e matá-la antes que regresse. Essa criatura parece um lobo possante e terrível, chegando a matar um condómino e a própria Narf (não desesperem já), mas tem duas oportunidades de ouro para acabar com Heep e com a Narf e desperdiça-as (a primeira junto à piscina – Heep entra em casa antes de ser atacado, a segunda nas escadas de serviço, em que o monstro não os persegue porque... quem perceber que responda). A Narf morre e volta à vida, mas isso já não é novidade, Neo de “Matrix” e Jesus Cristo da “Bíblia” fizeram-no antes. Mas aqui não tem uma razão de ser, e o discurso (desabafo? invocação?) de Heep para reavivá-la, nada tem a ver com ela. Um último exemplo, para concluir este capítulo: quando Heep mergulha na piscina, à procura de uma geleia que ajuda a Narf a combater o veneno das arranhadelas do Scrunt (só de ler isto não dá vontade de rir?), aguenta uma eternidade sem respirar (mais do que um campeão olímpico, eu diria). E podia continuar...

Com isto tudo, sai-se do cinema com pena, pois fica a ideia de que Shyamalan se precipitou. Deveria ter rescrito o argumento, alterado as cenas que não encaixam e melhorado a interactividade entre os personagens; enfim, limar algumas arestas. O melhor elogio possível feito a “O Sexto Sentido” ou “O Protegido” era não deixarem nada ao acaso, serem trabalhados milimetricamente para que cada cena, não só fizesse sentido em si própria, mas também no todo. Aqui, está tudo remendado, e conseguem ver-se as linhas. Nem sequer são todas da mesma cor.

Paul Giamatti é realmente um grande actor. Seja a beber vinho (“Sideways”), a escrever banda desenhada (“American Splendor”), ou a gaguejar e a ajudar uma Narf, ele é uma força da natureza. Shyamalan tem feito pequenas aparições nos seus filmes, mas desta vez atribuiu-se um papel mais consistente (ele protagonizou o seu primeiro filme, em 1993), mas nem por isso se lhe descobriu uma nova faceta a recordar. Quanto a Bryce Dallas Howard, provavelmente teremos e esperar mais um filme para descobrir se tem talento. Ela já acompanhara o realizador em “A Vila”, mas entre uma cega inocente e uma Narf amorfa, parece que só é escolhida pelo ar angelical.

Os efeitos especiais são tão sofríveis, tão modestos... não têm o menor impacto. A cena em que surgem (finalmente) os Tartúticos, e lutam com o Scrunt, é verdadeiramente pindérica. A águia que vem dos céus para levar a Narf é bonita, mas não faz mais do que esvoaçar à chuva. Nem sequer a vemos levar a Narf, o que faz longe das câmaras – isso requeria técnica e, quem sabe, mais dinheiro?

Sem falar dos nomes dos personagens da fábula, que não significam nada (Narf, Scrunt, Tartutics), nem do porteiro (“Cleveland”, cidade do Estado do Ohio, incomum como nome próprio), o que dizer do desperdício do título? Soa bem, mas é tudo. Primeiro, ela não é nenhuma “senhora”, nem na idade nem na estirpe (“Lady”). A própria Narf não se revê nesse nome. É verdade que ela provém de um mundo aquático, diz a tal fábula, e é encontrada inicialmente na piscina, mas respira fora de água e nem em perigo de vida se atira à piscina, ficando imóvel e à mercê do monstro Scrunt, que se calhar nem sabe nadar. Mas claro que “Lady in the Water” não significa “Senhora daÁgua”, mas simplesmente “Senhora na Água”...

2 comments:

  1. Nao entendo as críticas a este filme, por alguns espectadores. É um excelente entretenimento, cómico, com interessante fantasia. E qualidade na realização sem mácula.

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  2. bom, leonel, se a minha crítica bastante detalhada não te deixou claro porque é que o filme não presta, não há mais nada que possa dizer...

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