Previsivelmente, o décimo filme de uma franchise que nunca teve uma sequela digna (nem sequer Hellraiser 2: Hellbound) é mais uma miserável fita directa-do-vídeo-para-o-lixo. Para não perder os direitos de utilização, a Dimension Films produziu Hellraiser: Julgamento e não pode esperar outro veredicto para além da condenação. Se as sequelas não estivessem já saturadas de polícias sem qualidades, esta insiste em pô-los à frente de uma investigação que tresanda a Se7en (1995), trocando os pecados mortais pelos mandamentos e a originalidade por um enchido gorduroso.
É mais um caso, desde Hellraiser: Inferno, em que Pinhead se limita a passear pelo fundo, intervindo no final para se lhe ver melhor a cara. Aqui, lamenta-se na cena de abertura que a Configuração de Lamentos (a caixa-puzzle que abre o Inferno aos que procuram o prazer mórbido) seja um artefacto antiquado e sem procura, mas não tem o menor empenho em actualizar os mecanismos de oferta ao público, sendo visto simplesmente a amuar em diversas ocasiões fugazes, fechado numa casa decrépita. No final, faz frente a uma mulher que, por ser loira e vestir-se de branco, se presume ser um anjo, mas com a mania de que manda, e depois de desfazê-la como aconteceu no filme original a Frank (ela até, anedoticamente, repete a frase Jesus wept), é condenado ao impensável que, segundo um subordinado, é ser reenviado para a Terra como humano, obviamente esquecendo-se do enredo de Hellraiser III.
Heather Langenkampf tem direito a dez segundos para, inexplicavelmente, cruzar franchises (uma vergonha para a heroína de Pesadelo em Elm Street) como uma senhoria que abre uma porta; infelizmente, de Ashley Laurence, a verdadeira heroína de Hellraiser, nem sombra. O filme é escrito e realizado por Gary J. Tunnicliffe, que já tinha aplicado a maquilhagem a Doug Bradley nas sequelas IV a VIII, mas o actor está, pela segunda vez, ausente do papel que o transformou num ícone: Pinhead, agora mal representado pelo inexpressivo Paul T. Taylor, depois de ter sido mal representado pelo expressivo Stephan Smith Collins (que dava excessivo ênfase às palavras e não piscava os olhos) em Hellraiser: Revelações (2011).
Até ao genérico inicial, o filme convence como curta-metragem, simulando um julgamento infernal: um auditor faz as perguntas ao réu e bate à máquina as respostas, um assessor come as folhas dactilografadas e regurgita-as para um recipiente cujo tubo leva o vómito a três oráculos de colo descoberto que ditam a sentença de morte, entrando em cena o carrasco, uma figura com dois lados em que, de frente é chamado cirurgião mas parece um talhante e por trás parece um homem num fato de látex e máscara de gás que é, segundo a ficha técnica, o verdadeiro talhante. Depois passa o genérico e o filme morre. De realçar uma troca de palavras entre Pinhead e o Auditor, perto do fim, que se quer filosófica mas é patética, de tão carregada de lugares comuns vazios. Ah, e aparece um Chatterer de boca estática (parece usar uma máscara rígida), personagem marcante de Hellraiser (1987), onde os dentes imitavam castanholas, para se lhe entender a alcunha (O Conversador).
Clive Barker, que durante mais de uma década tentou escrever um guião que agradasse à Dimensions para condignamente ressuscitarem a franchise com um reboot, publicou em 2015 The Scarlet Gospels, uma continuação à sua novela original e onde, ao contrário do rumo cinematográfico, se concentrou na estratificação societária do Inferno, que é de onde deriva toda a mitologia. De uma história iniciada mas abandonada por Barker surge em Fevereiro de 2018 Hellraiser: The Toll, livro desenvolvido por Mark Alan Miller sobre um novo confronto entre Kirsty, a heroina do original, e Pinhead.
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