Era o tempo em que os cortinados esvoaçavam em todos os videoclips e Joel Schumacher ainda não pusera mamilos no uniforme do Batman (1997). St. Elmo'S Fire (1985) e Lost Boys (1987) já tinham provado que sabia tirar o sumo da representação de jovens promessas e o tema era actual, a ser explorado também por Jacob's Ladder (1990) e Ghost(1990), o que nos reservava aquele limbo entre a vida e a morte, experiência apreciada por um elitista grupo de estudantes de medicina que provocavam a morte clinicamente assistida uns aos outros, apenas para serem trazidos de volta e assinarem o livro de presenças do Clube dos Quase Mortos. Era a maior pedrada que o seu complexo de Deuspodia imaginar e Julia Roberts, Kiefer Sutherland, Kevin Bacon, William Baldwin e Oliver Platt, nomes que retemos ainda hoje, foram e voltaram, ou quase todos.
Quase trinta anos volvidos, o título volta dos mortos na forma de um remake feito à pressa, desnecessário e evitável, que passa o molde pela máquina de fotocópias de Hollywood e reza para que um dinamarquês carregue no botão sem que se note a falta de toner, mas a pouca tinta nem sequer adere ao papel higiénico. Flatliners (2017) é estereotipado, genérico e simplório, limitando-se a angariar um novo grupo de cinco estudantes de medicina – um deles com idade para ser pai de um estudante de medicina (Diego Luna, 38), outros dois com idades superiores a trinta anos (Ellen Page, 31 e James Norton, 33) e, das restantes, Nina Dobrev tem 29 e Kiersey Clemons 24; Kiefer Sutherland, o chefe do grupo original (e que tinha 23 anos à época da rodagem; Roberts 22, Baldwin 27, Bacon 31 e Platt 32) é o único a fazer crossover, mas com um nome diferente, porque não está ali a fazer nada – e a repetir com eles a mesma experiência, de forma mecânica, sem alma ou entusiasmo.
Quem vir o remake poderá imaginar que o impulso inicial em submeter-se à experiência provém, por parte da impulsionadora do projecto, de uma vontade de reencontrar a irmã mais nova, a quem causou a morte num acidente rodóviário presenciado na abertura, mas quando a personagem finalmente submerge na morte assistida, fica apenas a ver as vistas, maravilhada com as cores do pós vida e, quando mais tarde vê a irmã, nem sequer tenta aproximar-se dela, limitando-se a gritar e fugir. Ou seja, o episódio da morte da irmã é independente da vontade de querer espreitar o pós vida. Desta vez, ao contrário do original, aquilo que regressa com os personagens da curta passagem pela morte é um demónio que assume o pecado capital de cada um deles e os atormenta assumindo essa figura. Também ao contrário da honestidade moral do original, aqui a expiação de culpa é substituída pelo impulso egoísta de auto-sobrevivência e o pedido de desculpas mais não é do que uma fuga para a frente.
Niels Arden Oplev foi para os EUA com Os Homens Que Odeiam As Mulheres (2009) debaixo do braço, mas continua a ter nesse filme o único contributo para a sétima arte. Os nomes maiores do remake são Diego Luna e Ellen Page, que são nomes menores, mas todos se apagam à conta de um guião banal e de uma realização rasteira, estereotipada, a substituir o thriller sobrenatural atmosférico de Schumacher pela escola iniciada seis anos mais tarde por Kevin Williamson (Gritos e Sei O Que Fizeste), que Hollywood misturou com o J-horror de Ringu (1998) e Ju-On (2000) e entretanto se diluiu em pouco mais do que nada.
Em vez de quatro homens e uma mulher, em que dois lutavam por ela e um terceiro tentava protegê-la dos seus avanços, o remake coloca três mulheres e dois homens, não por feminismo, mas porque assim consegue dois casais enquanto descarta o que sobra. Em vez de cinco brancos, apresentam-se ao serviço um mexicano, uma negra, uma búlgara e dois americanos brancos, um que é criticado pelo seu privilégio e dinheiro e outra que não chega ao final. Assim vão as contas da superficialidade pós apelos à diversidade racial e de sexo.
Flatliners 2017
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