Violência puxa violência e um sem-abrigo que vive no carro onde os pais foram assassinados é subitamente trazido à realidade quando recebe a notícia de que o homem condenado pelas mortes foi posto em liberdade. As acções têm repercussões e não surpreende que o desamparo dê lugar a um inesperado objectivo armado, longe de adivinhar a espiral de agressão que se seguirá.
A paródia sanguinolenta Murder Party (2007) já não se via do espelho retrovisor quando Jeremy Saulnier decidiu que teria de dar o tudo por tudo para que o seu sonho de tornar-se cineasta não morresse na distância. Realizador, produtor, argumentista e cameraman a trabalhar como director de fotografia em projectos de terceiros, apostou numa campanha Kickstarter para financiar-se e construiu o guião em redor da imagem do seu amigo de infância e protagonista do primeiro filme, construindo uma narrativa de vingança com os pés assentes na terra do baixo orçamento com ideias práticas, equilibrando o cérebro e o coração tanto na narrativa como na logística.
Macon Blair, protagonista de Blue Ruin (2013), não se confunde com Charles Bronson, pelo que todo o processo de vingança e de lidar com as pontas soltas é muito mais intensa e desesperada, assente no realismo da sua figura frágil, o que investe a audiência nos seus intentos em controlar as dificuldades criadas por não ter pensado num plano de acção, acabando por ter de reagir às consequências do seu primeiro impulso. Blair voltará a marcar presença nos filmes seguintes de Saulnier (Green Room, 2015, e Hold The Dark, 2018), com papeis mais modestos, tendo paralelamente co-escrito Pequenos Crimes (2017) e escrito e realizado I Don't Feel At Home In This World Anymore (2017), ambos para a Netflix. Em 2018, adaptou Hold The Dark para Saulnier, guardando um papelito para si e continuando na casa que a Netflix lhe arranjou.
Saulnier já acreditava que Blue Ruin marcaria o seu óbito como realizador, tendo gasto as respectivas economias no projecto e não encontrando receptividade por parte de estúdios ou distribuidoras, especialmente depois da rejeição da sua candidatura a Sundance, quando o Prémio da Quinzena dos Realizadores, secção paralela ao Festival de Cannes, o catapultou para a certeza de que a cinefilia gostava da sua voz particular e que queria ouvi-la de novo. Os seus filmes seguintes foram jogadas laterais, a apostar novamente no thriller modesto em lugares inóspitos, mas o realismo dos seus personagens em situações anormais continua a surpreender, ainda que um grande filme esteja ainda por revelar.
Blue Ruin 2013
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