Assim como o reboot de Ghostbusters (2016) não tem a ver com feminismo por trocar o sexo aos protagonistas, também Get Out (2017) não versa sobre racismo apenas por ter um namorado negro apresentado aos pais abastados de uma branca sulista. Esse filme chamou-se Adivinhe Quem Vem Para Jantar (1967).
Aparentemente, a Academia embaraçou-se tanto com a acusação de branqueamento da cerimónia dos Oscares de 2016 que a peneira passou a reter muito mais do que antes. Não só nomeou três filmes com protagonistas negros para distribuir prémios (Moonlight, Vedações e Elementos Secretos), como Hollywood decidiu louvar o filme de estreia de Jordan Peele, actor e cantor satírico para a MadTv. O título, Get Out, serve de aviso à navegação, só vê o resto quem quer. Mas não há óleo que estrele este ovo podre.
Get Out é um objecto híbrido, que se pretende sátira de terror, misturando Adivinhe Quem Vem Para Jantar comStepford Wives (1975 e 2004), Invasion of the Body Snatchers (1956, 1978 e 1993) e uma pitada de Body Double(1987). A questão do racismo escreve-se, em grande medida, sozinha, pois a realidade norte-americana encarrega-se de preencher as omissões, e é aqui que se entra no campo da incoerência. Ao cabo de uma hora, já há pistas suficientes para que o resto se torne tedioso e previsível, mas a falta de explicação para que os hospedeiros sejam, invariavelmente, negros é gelo demasiado fino para que não abra rachas na pintura: mesmo argumentando que os convidados do fim de semana, ansiosos por licitarem no prolongamento da própria vida através da aquisição de um jovem hospedeiro, não são racistas, dificilmente haveria muitos pretendentes à mudança de cor. Um dos comentários que se ouvem é, mesmo, aburdo: o preto está na moda.
Como sátira, falta graça a Get Out. Assim como lhe falta originalidade e a crítica social verifica-se circunstancial, interpretável e vaga. No clímax, quando o herói escapa das grilhetas (tecnicamente, correias) «apanhando algodão» (forma como tem sido explicada a sua protecção contra o hipnotismo), sorri-se à sua inventividade, apenas para, quando a surpresa se esbate, vir ao de cima a suspeita e o descrédito: conseguiria ele, imobilizado pelos pulsos e tornozelos, introduzir o algodão nos ouvidos? A menos que fosse contorcionista nas horas vagas, é muito duvidoso.
Inexplicavelmente, o filme teve imediata adesão e as suas receitas mundiais aproximam-se dos 200 milhões, o que, para um orçamento de apenas, 4,5 milhões, são excelentes notícias. Contudo, o comentário social mal amassado, a desmotivante previsibilidade, a ausência de justificação para a cor dos hospedeiros [se tem a ver com a polícia investigar menos o desaparecimento de negros do que de brancos, a teoria foi desmistificada há muito por Hard Target(1993)] e o transplante não fazer sentido científico nem para um leigo (se o cérebro do hospedeiro é substituído pelo do transplantado, como é que o hospedeiro mantém uma réstia de consciência? Se ambos cérebros coabitam o mesmo crânio, há espaço realmente para dois cérebros num único crânio?), todos estes factores desiludem. Salva-se, talvez, o desfecho não ser óbvio, ao contrário do primeiro guião, que ia por uma mais realista culpabilização do protagonista pelas mortes a que a sua fuga obrigou, em legitima defesa (e é por se ter pensado imediatamente que ele ia ser condenado por toda a matança que não funciona a racionalização de tantos brancos não se importarem em ser negros, o que é uma incoerência recorrente do filme). Já agora, porque é que havia uma caixa cheia de polaroids incriminadoras por trás de uma porta do quarto de dormir que insistia em se abrir sozinha? Ah, pois é, o enredo está cheio de facilitismos.
Get Out 2017
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