É uma verdade tão inatacável para Terminator como para Alien, a veneração terminou no segundo. Ridley Scott, sem um blockbuster desde Gladiador (2000), voltou à franchise para despoletar e desenvolver uma série de prequelas, que o que anda para a frente, mais cedo ou mais tarde, anda para trás. E esta é uma saga que já não sabe para que lado vai.
Se o projecto reatado com Prometeus pretendia incidir na origem do space jockey de Alien (1979), a parca adesão ao filme conduziu à eliminação sumária da avançada raça dos engenheiros e Covenant volta à mitologia do modernoPrometeus de Mary Shelley, com David a fazer de Frankenstein, tanto o cientista como o monstro (um fenómeno presente em quase toda a ficção científica, conhecido como tecnofobia, segundo o qual os humanos desconfiam da autonomia das máquinas).
Da mesma maneira que Hugh Jackman se apoderou dos X-Men, Michael Fassbender tornou-se uma presença tão desproporcional em Alien que ter tido a cabeça arrancada em Prometeus se resolve com cuspo e fita-cola, desconsiderando que a única sobrevivente humana era uma arqueóloga sem conhecimentos de robótica (numa curta metragem concebida como tie in, o assunto é resolvido em segundos, com Shaw a reparar David e a pôr a nave dos engenheiros a funcionar por magia, quem carrega nos botões todos há-de eventualmente acertar no correcto). A forma como foram exterminados os engenheiros é igualmente simplista, bastou imitar os duches nazis, nem perdeu tempo a apresentar-se.
A pergunta que se impõe, claro, é geopolítica: uma raça tão avançada ocupa apenas uma cidade dentro de um único planeta? Deve ser a mesma estratégia de contenção do universo Super-herói: Batman fica em Gotham, Superman em Metrópolis, Arrow em Sterling City; a Marvel tem artistas ainda mais limitados: Demolidor em Hell's Kitchen e Luke Cage em Harlem, meros bairros dentro da cidade de Nova Iorque. É verdadeiramente estranho que, num período de dez anos, não tenham aparecido mais engenheiros, nomeadamente familiares de visita ou trabalhadores interplanetários em serviço ou reabastecimento. E, tendo em conta todos os mecanismos de segurança existentes nos aeroportos do planeta Terra do século XXI, admira que um povo tão avançado tenha descurado esse pormenor. Enfim, é bem feito, que mais se pode dizer.
O início poderia ser o setup para uma aventura do Predador. Em vez deste atacar na selva terrestre, eram os humanos a invadir o seu planeta e cair na boca do lobo. Mas este não é esse filme, ainda que pareça tão exploitation como se fosse. Basicamente, Covenant mistura a premissa de Passageiros (2016) – também ocorre durante uma interrupção na criostase de uma viagem interplanetária de colonização – com a de Alien (1979) e junta-lhe personagens que, não alertados para todas as condutas que não devem ser tomadas num filme de terror, cometem os pecados todos. É caso para dizer: ainda bem que não será Ridley Scott a realizar a sequela de Blade Runner (2017).
O enredo funciona à custa de coincidências, sem nunca se preocupar com contingências. Os tripulantes da Covenant são acordados do seu hipersono para repararem a nave, danificada por uma imprevisível explosão electromagnética, e escutam uma transmissão que só chega ao capacete de um dos astronautas que se encontram no exterior, mas não aos instrumentos da nave, que deveriam ser mais sensíveis e precisos. Esse sinal condu-los a um planeta que a aeronáutica terrestre não detectou, apesar de estar a enviar a missão para um planeta sinalizado a sete anos de distância (ou seja, num território que deveria estar mapeado). A equipa decide investigar o planeta com fardamenta comprada na Decathlon, em vez de protectores trajes da NASA, assim permeáveis a factores respiratórios hostis. Em vez de aterrarem na cidadela dos engenheiros, de onde é emitido o sinal que os orientou, fazem-no a quilómetros de distância, sem terem sequer sobrevoado o objectivo. Quando dois tripulantes manifestam mau estar, dá-se o pânico; quando se enviam 2000 colonos para o espaço, a tripulação não inclui um serviço de escolta, profissionais de combate, ninguém que não quebre sob pressão ou ataque? Aparentemente, não. David, sozinho no planeta, recebe os sobreviventes numa espécie de caverna sem condições, porque os engenheiros eram avançados, mas não eram arquitectos. Como não há tempo a perder, David mostra a Walter (o sintético que vinha a bordo da Covenant e é a cara chapada de David, cujo nome completo, para quem já não se recorde, era David 8 em Prometeus, prova de que não é um ser único, já havia 7 antes dele) as carcaças das suas experiências com o mutagénio alien. Tendo provocado o genocídio dos engenheiros à chegada ao planeta, desconhece-se em quem terá ele, para além da arqueóloga, experimentado. O piloto da Covenant, tendo recebido uma mensagem de socorro da esposa em terra, decide ir buscá-la na nave-mãe, porque aparentemente só há um shuttle e já foi usado pelos outros. É uma missão de colonização de um planeta novo, a anos-luz de distância, mas não têm mais do que um shuttle. Até o Titanic tinha vinte barcos salva-vidas. Enfim, contra todos os protocolos e regras de segurança, a nave parte para o planeta, apenas soltando uma embarcação mais pequena já na atmosfera. Graças a um facehugger de boas noites, há um novo alien à solta na Covenant, como em 1978 havia um na Nostromo e é preciso expulsá-lo por um exaustor; só falta o gato. Há dois ciborgues com a mesma cara, um é bom e o outro é mau, os dois lutam e só um sobrevive. Se for o mau a fazer-se passar pelo bom, teve de, em tempo recorde, derrotá-lo, reparar o modulador de voz que ficou danificado durante a luta, despir-se, despi-lo, vestir a roupa dele, cortar e tingir o cabelo e ainda derreter uma mão com ácido. E, não se sabe como, obter de Walter os seus códigos pessoais de acesso ao comutador-mãe da Covenant. É o mau, claro, que nas horas vagas é o Flash. E tem 2000 colonos em hibernação com quem brincar ao Dr. Moreau até ao próximo filme.
Em referência aos colonos, porque são também os tripulantes da Covenant casais? Para terem filhos, naturalmente, mas as relações não são necessariamente para a vida inteira, as pessoas desentendem-se, nem todas as relações dão frutos. Mais eficaz seria, como em Passageiros (2016), que o mérito e a competência determinassem a selecção dos profissionais e as pessoas, uma vez no colonato, encarregar-se-iam da sua vida social, sentimental e sexual, como acontece na Terra. O pré-requisito conjugal parece inapto, como se comprova. Ninguém age racionalmente quando os seus entes queridos estão em perigo.
De entre todas as desilusões a nível narrativo, David afirma a perfeição das suas criações. Mas, para um ser que valoriza a arte, qual o atributo das suas máquinas de matar, quadrúpedes sem capacidade comunicativa nem aparente inteligência, num planeta irradicado de ameaças? Nesse mesmo prisma, o que terá motivado a contratação do highprofile James Franco num cameo de segundos, ou as de Danny McBride e de Jussie Smollett como pilotos da Covenant, o primeiro esgotado como malcontente de comédias brejeiras de Seth Roger & James Franco e o segundo abertamente gay na soap opera Empire e no filme The Skinny (2012), o primeiro sem qualidades para integrar um filme desta envergadura, o segundo sem papel para mostrar quaisquer qualidades, mas com uma cena de duche entus(i)asmado com a companheira de viagem. Dos restantes, o veterano Billy Crudup aparece despido de autoridade e Katherine Waterston de carisma. Se o seu personagem de mulher que ascende à posição de oficial superior no decorrer do filme e expulsa da nave o alien de serviço no clímax pretendia ser uma homenagem à Ripley de Sigourney Weaver, revelou-se apenas mais uma nódoa numa toalha bem gasta.
Enfim, lamenta-se a tolerância dos fãs para comerem tudo o que se lhes coloca à frente, desde que embrulhado com um nome familiar. Alien Covenant é um digno sucessor de Prometeus, no sentido em que nenhum faz jus ao hype. Covenant não é inteligente, interessante nem emocionante. Não há suspense, não há horror, não há efeitos especiais memoráveis. É mais do mesmo, sendo isso muito pouco. Do outro lado de espectro, o guitarrista australiano de blues Jed Kurzel compõe pela quarta vez consecutiva para um filme com Michael Fassbender (depois de Slow West, MacBeth e Assassin's Creed). Apesar de se apoiar bastante na partitura de Jerry Goldsmith para o Alien original, não desmerece.
Alien: Covenant 2017
No comments:
Post a Comment