Apesar dos palhaços usarem flores de plástico (que esguicham), este foi um jardim que floriu em sangue durante a década de 1980. A chegar depois de Terror On Tour (1980), The Funhouse (1981), Blood Harvest (1987), Funland(1987), Out Of The Dark (1988) e Killer Klows From Outerspace (1988), a inócua profissão do serial killer John Wayne Gacy teve o seu maior momento quando Stephen King criou Pennywise para o seu livro de 1986, It, identificável com o actor Tim Curry desde a minissérie homónima (1990) até 2017, com a passagem de testemunho para Bill Skarsgard na primeira adaptação cinematográfica.
Clownhouse dificilmente descobriu a pólvora, mas Victor Salva tinha alguns truques na manga. O financiamento chegou directamente das mãos de Francis Ford Coppola, juiz num concurso da Sony a que Salva, com Something in the Basement (37 min, 1986), concorreu. Coppola é conhecido pela trilogia O Padrinho (1972-1794-1990), mas o seu primeiro filme foi uma baratucha fita de terror para Roger Corman (Dementia 13, 1963) e, tendo acabado de criar a Commercial Pictures, Clownhouse foi a sua primeira aposta: 25 mil dólares e o empréstimo das câmaras com que George Lucas filmou American Graffiti (1973).
As bilheteiras começaram por prometer um inesperado sucesso, mas a acusação feita pelo púbere protagonista Nathan Forrest Winters (que já fizera parte do elenco de Something in the Basement) de que o realizador os tinha filmado em práticas de oralidade arrefeceu os ânimos e aqueceu-lhe uma cela, já que o realizador se declarou culpado (e as buscas à sua casa tinham revelado mais gravações). Depois de cumprida metade da pena de três anos e apesar do contínuo apoio de Coppola (visita assídua na prisão), o regresso à carreira fez-se sob a sombra de boicotes e protestos. Foi assim com Powder (1995), Jeepers Creepers (2001), Peaceful Warrior (2006) e o muito adiado mas finalmente concluído Jeepers Creepers 3 (2017).
Clownhouse, como o nome indica e o género prenuncia, é uma história de terror onde palhaços assassinos assombram uma casa habitada por três irmãos menores, um mais impressionável do que os outros, até faz xixi na cama por causa dos pesadelos da praxe. São também três os palhaços, foragidos de um hospício local, que matam três profissionais do circo, se afeiçoam às fantasias coloridas e em passeio nocturno se cruzam com uma casa já em preparação para o Halloween, a duas semanas de distância. A mãe está fora e o pai ausente, há três miúdos para assustar e um deles até tem medo de narizes vermelhos.
Michael Becker e Thomas Richardson assinaram a banda sonora e, apesar de nenhum deles se ter distinguido (ambos se estrearam aqui e o segundo aqui desapareceu), estendem uma adequada tapeçaria sonora de desconforto e inquietação que a câmara de Victor Salva amplia com excelente aproveitamento das sombras, iluminação artificial e montagem, num jogo de prestidigitação com o espectador, que antecipa cada passo num crescendo de ansiedade, habilmente manipulado por um realizador que joga as notas certas desde o pesadelo de abertura (um simples panfleto do circo que gravita até à janela, provando que pouco pode ser muito).
Passa-se meia hora a estabelecer a premissa (a relação entre os irmãos, o medo de palhaços e a troca de identidades), outra meia a desenvolver a atmosfera e finalmente meia para correr e gritar. Para além da total ausência de gore, o filme enche apenas quatro caixões, três dos quais os palhaços originais e, quatro, uma vítima de ocasião (os restantes três, aposto que se adivinham). Dos três irmãos, o mais crescido e antipático, interpretado por Sam Rockwell (Nathan Forrest Winters e Brian Hugh, os outros irmãos, que já vinham de Something in the Basement, nunca voltaram a representar) é o único que cai vítima dos palhaços doidos, mas é mais tarde encontrado inconsciente, vivo.
Para filme de terror, deita demasiada água na fervura, mas como exercício de supense, Victor Salva demonstra conhecer todos os truques, aos trinta anos, prova de que as curtas metragens a que se dedicava desde o liceu não eram obra do acaso. Claro que, ao seguir a regra de Alfred Hitchcock de trabalhar ao máximo o factor da antecipação, retardando o desfecho das cenas até ao limite do tolerável, o mero acto de brincar ao gato e ao rato com o espectador desafia, por vezes, a lógica. Por exemplo, os antagonistas parecem não fazer o menor ruído enquanto se espalham maldosamente pela casa dos protagonistas, com sapatos de palhaço em soalho de madeira; chegam a eclipsar-se instantaneamente quando, na presença de Sam Rockwell, este se vira para eles e, numa troca de ângulos, não os vê; um deles agride Sam Rockwell através da porta de vidro que dá para o pátio da casa, mas arrasta-o para o primeiro andar, onde o esconde dentro de um armário só para criar um susto posterior; Nathan Forrest Winters esconde-se à vista, debaixo de uma mesinha de canto numa saleta, mas o vilão não o nota, inclusivamente colocando as mãos à frente do corpo como se estivesse às escuras, quando a saleta é bem iluminada; o final, muito abrupto, deixa-nos sem moral da história, isto é, não é o protagonista, que deveria enfrentar os seus medos e sair triunfante, que mata nenhum dos vilões (co-mata um deles, vá, mas não chega).
Em conclusão, Clownhouse é um bom primeiro filme. Mesmo tendo em conta o número de fitas de terror com palhaços assassinos, que o século XXI também já contribuiu com uma longa lista (mais de 25), aguenta-se pelo respeito pelos personagens, pela composição das cenas, pela construção da atmosfera inquietante e pela consciente ausência degore. Mesmo com atitudes parvas como a voltar para dentro de casa quando se sabe que está lá um assassino, compensa as falhas com os momentos mais eficientes, entre os quais não será alheio o facto de apenas mostrar a cara do líder lunático sem maquilhagem uma vez, de relance.
Clownhouse 1989
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