A história do Capuchinho Vermelho conta-se em duas penadas: uma menina vai visitar a avó doente, através de um caminho na floresta, e um lobo quer comê-la, mas receia fazê-lo
A Rapariga do Capuz Vermelho serve-se do título apenas como ardil. Em vez de inovar e expandir o conto dos Grimm ou de Perrault, plagia o conceito de A Companhia dos Lobos (1984), do mesmo Neil Jordan que surpreendeu igualmente ao abordar o universo vampírico (Entrevista Com O Vampiro, 1994). A realizadora Catherine Hardwicke, expulsa da saga Crepúsculo (2009) depois do primeiro tomo, manifesta saudades de Jacob e transforma o lobo do Capuchinho num lobisomem de CGI extremamente económico, tanto em técnica quanto narrativa, ao ponto de até ser bicho com aversão por prata. Como de lobisomens está o inferno cheio, abre-se o campo à inclusão de um ambiente roubado a As Bruxas de Salém, dramaturgia de Arthur Miller escrita em 1953 para reflectir sobre a lista negra do Senador McCarthy, mas dramatizando eventos reais de 1692, para confundir políticos menos capazes. Assim, impregna-se a aldeia do Capuchinho Vermelho com a desconfiança generalizada dos vizinhos e a acusação de bruxaria a mulheres locais. Porque Stephen Sommers pôs tudo o que era monstro sagrado da literatura no mesmo saco e abanou (Van Helsing, 2004), A Rapariga do Capuz Vermelho é, uma vez mais, pronta a copiar e introduz um padre de espada e armadura, a fazer as vezes do caçador de vampiros de Bram Stoker e ainda de inquisidor da Santa Sé, que se sabe que, de santa, nunca teve nada, e até há lugar para forjar uma espécie de O Homem da Máscara de Ferro.
Catherine Hardwicke, a cumprir as expectativas, não era a pessoa indicada para realizar mais uma história de sobrenatural adolescente. Aliás, pô-la atrás das câmaras é, inevitavelmente, equivalente a transformar uma grande encenação da Broadway numa modesta peça de escola.
Em mãos despreocupadamente incompetentes, a história tropeça de cliché em cliché, num amadorismo inadmissível que cruza na diagonal toda a produção. Não é só Hardwicke ou o CGI, também os actores revelam desnorte, a excluir Amanda Seyfried e Julie Christie, que se aguentam nos seus postos. O outrora fantástico Gary Oldman perde-se em excessiva lascívia, o que faz dele imediata persona non grata; Lucas Haas é a mais famosa testemunha de um crime numa casa de banho pública (A Testemunha, 1985), mas exprimir uma facada nas costas é coisa que ninguém se lembrou de ensiná-lo a fazer; Virgínia Madsen não tenta fazer mais com o que não tem. De Crepúsculo, Catherine Hardwicke não trouxe só o actor Billy Burke (o pai de Bella), mas também aquele que ela queria por força que representasse Edward Cullen (Shiloh Fernandez), mas Kristen Stewart rejeitou. Curiosamente, também Amanda Seyfried tentou recusá-lo
A Vila (2004), de M. Night Shyamalan, é a prova de que o material original dava para mangas, não só vermelhas, como muito mais criativas. Mas, não; tem-se apenas uma minúscula aldeia de lenhadores sem fibra, assustados perante um lobisomem durante vinte anos e a baixarem a cabeça ao salvador de cruz ao peito; onde uma mãe conta à filha da ilegitimidade da irmã desta, em plena praça cheia de gente, mas o sussurro deve ser suficiente para assegurar o segredo; se mata um lobo raquítico e se insiste que é a besta que amedrontou duas gerações; se diz que o lobisomem rompeu as tréguas que este nunca assinou com as suas patas pouco dadas a segurar canetas.
Insiste-se que o lobisomem é um morador da aldeia, de modo a instalar a desconfiança. Mas, se há uma lua cheia a cada trinta dias, como é possível que os familiares do lobisomem, em casebres de uma assoalhada com uma cortina a transformar em duas, nunca tenham percebido que este passou fora de casa duzentas e quarenta noites, precisamente as noites em que toda a gente tinha medo de pôr um pé fora da porta?
Red Riding Hood 2011
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