O uruguaio Gustavo Hérnandes decidiu fazer um filme de terror de baixo orçamento, com uma máquina fotográfica Canon EOS 5D Mark II, sem tirar o dedo do disparador. Isto é, filmar em plano sequência uma longa-metragem de 74 minutos, passada exclusivamente num velho casebre de campo e quinhentos metros em redor. Do ponto de vista técnico, o filme cumpre os requisitos da câmara subjectiva, com o realizador a rodopiar em redor da protagonista, ocasionalmente mostrando o que ela vê mas, de resto, a mostrá-la a ela. É um teste aos limites do interesse visual do espectador numa adolescente alta, magra, sem peito, de cabelo liso, top de alças e calças de ganga justas.
Pai e filha chegam ao casebre através dos campos e reúnem-se ao dono da propriedade, que aparentemente os contratou para tornarem a habitação decente para venda. Pai e filha deitam-se em sofás poeirentos, protegidos por mantas, para passarem a noite, e Laura ouve barulho no andar de cima, que o proprietário os alertou que não pisassem. Convence o pai a ir espreitar e este, dois ruídos secos mais tarde, aparece morto e amarrado. Há mais alguém na casa.
Esquizofrénico e absurdo, A Casa Muda decepciona, especialmente, pelo desplante de desafiar a lógica a cada compartimento do imóvel e, no final, propor-se, sem mais, resgatá-la. Uma vez que o casebre não dispõe de electricidade, a jovem orienta-se com o auxílio de uma candeia, o que permite inegáveis jogos de sombras e desfocados, garantindo uma atmosfera tensa, mas raramente inquietante. Isto porque as acções da franzina adolescente são incoerentes: face à proximidade de alguém ou algo que lhe dominou o pai em segundos, o amarrou e esfaqueou, ela não foge para fora da casa, antes a percorrendo muito devagar, inspeccionando atentamente o mobiliário e as peças decorativas cheias de pó, de costas voltadas para as portas, como se inventariasse o cenário, abstraída do perigo.
O aspecto virginal e indefeso da estreante Florencia Colucci, a protagonista, permite que o subterfúgio narrativo seja autorizado durante mais tempo que o previsto, mas até este discreto voyeurismo tem limites. Mesmo depois de ver que há um adulto com uma faca a persegui-la na casa, a jovem não se coíbe de caminhar arqueada, a observar o bric-a-brac, o que faz durante três quartos de película digital. No final, uma pseudo-explicação, de difícil deglutição, para os eventos, deixando inúmeras pontas soltas e corrompendo a ideia, pelo menos original, de deixar as imagens falarem por si.
A Casa Muda é um artifício baratucho, que inquina pela inconsistência da trama. A técnica da câmara subjectiva, ou câmara ao ombro, já foi iniciada há 12 anos, por Blair Witch Project (1999) e teve apogeu em Cloverfield e Rec (ambos de 2007). Nada de novo.Actividade Paranormal (2009) também exorcizou uma casa assombrada com câmaras digitais. Babysitter Wanted (2008) joga muito melhor o gato-e-rato entre vítima e carrasco. Ainda assim, a dupla Chris Kentis e Laura Lau, respectivamente o realizador e a produtora de Open Water (um filme caseiro onde um casal ficava á deriva num mar infestado de tubarões, de 2003), têm já um remakeà consideração do público.
Fica, então, o ardil pelo pormenor técnico, ainda que seja duvidoso afirmar que a filmagem não teve cortes, quando há duas ou três cenas de completa escuridão e ainda uma exposição em powerpointcom polaroids e frases esclarecedoras para os mais intelectualmente debilitados, antes do epílogo.
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