Monday, March 22, 2010

Órfã, de Jaume Collet-Serra

Não há muito território por percorrer no que toca a crianças malévolas. A contrariar a imagem romântica da criança como símbolo da inocência, deriva do Antigo Testamento (Reis 2:23-25) que as crianças também trazem a maldade dentro de si, e nos últimos dois mil anos o material foi já esgotado pela literatura e pelo cinema. É nesse sentido que Órfã não traz nada de novo.

O autor William March, no ano da sua morte (1954), publicou A Semente Maligna, um romance sobre uma criança assassina de oito anos de idade, que dois anos depois contava já com uma adaptação teatral e cinematográfica (The Bad Seed, 1956) e um remake (1985).A Aldeia dos Malditos (1960) multiplicou as maldades e Damien, o Anti-Cristo de The Omen (1976 e remake em 2006), singularizou-se no território onde, desde os anos 80, Stephen King montou a toalha de piquenique nos campos de milho de Children of The Corn(fenómeno que despoletou seis sequelas, de 1986 a 2001). Se esquecermos que o Anti-Cristo de Rosemary’s Baby (1968) já era mau no ventre da mãe, foi Stephen King quem deu rosto ao mais jovem assassino do celulóide, o Gabe de três anos de idade deCemitério Vivo (1989).

Dos pequenos gatunos de Oliver Twist e de Pinóquio até ao Stewie da série Family Guy (quantas vezes tentou esse diabo matar Lois?), a passar inevitavelmente pelo Pimentinha e por Matilda, são tantas as crianças psicopatas do celulóide que Esther, de Órfã, não arranca mais do que um bocejo, especialmente se a compararmos com a terrível Sadako/Samara, de The Ring (versão japonesa de 1998 e americana de 2002).

Órfã é um pobre thriller não fantasmagórico sobre uma menina que se revela bem menos angelical do que vinha na brochura. A família que a adopta devia ter mais juízo, mas os pais nestes filmes são tão estúpidos como os argumentistas encostados contra a parede da falta de imaginação. Com dois filhos pequenos, um nado morto, a recuperação de alcoolismo por parte da mãe e a memória de uma infidelidade por parte do pai, John e Kate decidem adoptar uma menina que, naturalmente, já vem com as suas próprias manias, ou não estivesse ela praticamente na puberdade. Rapidamente, os sorrisos de Esther transformam-se em esgares e as maldades têm início, mas John e Kate divergem quanto à autoria das mesmas, apesar das evidências. Esse atrito é só o início de um rol de fragilidades que culmina em facadas, tiros e uma desilusão que vem desde a cena de abertura (literalmente, que pesadelo surrealista mal elaborado).

Quanto à desconfiança por parte de Kate, cabe mencionar tristemente que nunca chega a haver a menor aproximação entre ela e Esther, o que faz questionar toda a decisão de adoptar. Mas, enfim, adiante, porque as inconsistências não se ficam por aqui. Primeiro, o desleixo face à natural psicologia infantil: quando ela pergunta aos filhos se se dão bem com Esther e eles acenam, seria impossível não reparar que estão apavorados. Não se percebe a razão pela qual guardam segredo sobre as acções criminosas da recém chegada. Essa atitude só é de esperar quando as crianças têm medo que não se acredite nelas, e no filme sabem que a mãe quer forçosamente provas de que a órfã não é quem diz ser. E também não se compreende a negligência grosseira de Kate, que acha que Esther quer mal aos seus filhos, mas simultaneamente deixa-os à solta com ela, em vez de ter sobre eles uma vigilância constante.

Órfã soma clichés que apresenta orgulhosamente como novidades, tornando-se autista e cansativo. O realizador (Casa de Cera, 2005), pelo seu lado, a nadar num lodo de mau argumento, opta por exaustos e estagnados efeitos visuais a gritarem lobo. E toda a gente sabe que, quando o lobo finalmente ataca Pedro, já ninguém se rala. No final, à custa de uma deficiência pituitária, o twistaproxima-o de O Padrasto (1987 e com remake em 2009), onde um homem procurava a família perfeita, disposto a eliminar as candidatas quando estas não se mostravam à altura do objectivo.

Vera Farmiga e Peter Sarsgaard não estão apenas débeis no plano da representação, mas também exauridos fisicamente, pois de outra forma não se entende como, na cena climática, são incapazes de controlar uma franzina menina de nove anos. Aryanna Engineer, a actriz mais credível do filme (no papel de Max e não de Esther), é realmente surda e sabe linguagem gestual.

Orphan 2009

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