Wednesday, January 26, 2011

O Demónio, de John Erick Dowdle

O homem que pôs o mundo a ver mortos sedentos de socorro (O Sexto Sentido, 1999) recusa-se a reconhecer que também precisa desesperadamente de ajuda. O maior susto pregado por M. Night Shyamalan é também a sua grande lição: o sucesso é uma estrela cadente. Em apenas dez anos, a sua carreira foi reduzida a pó, encontrando, este ano, forma de se anular enquanto realizador (O Último Airbender) e autor (O Demónio).

A estreia de John Erick Dowdle foi através de um sub-produto da moda pseudo-voyeurista de câmara subjectiva (The Poughkeepsie Tapes, 2007), ao qual se seguiu a recolha das migalhas do bem sucedido filme de zombies espanhol [Rec] (2007), que os americanos se apressaram a copiar para a língua de Shakespeare (Quarentena, 2008). Apesar de ressentido por ter dirigido um remake de um filme de outrem e ninguém querer fazer um do seu, volta a provar que escolheu a carreira errada.

O Demónio (no original, mais correcto, O Diabo, porque demónios há muitos, mas Diabo só há um) é um manjar de mediocridade que poderia ter dado um snack mediano. Cinco pessoas aparentemente aleatórias entram num elevador, em simultâneo, e o mesmo interrompe a subida a meio do trajecto. A partir daí, desconfiam umas das outras e vão sendo mortas uma a uma, de cada vez que as luzes se apagam. Não há dúvida de que, se fosse um mistério de Agatha Christie, se ficaria de boa aberta com as conclusões (ou não tivesse ela usado do mesmo artifício no excelente Convite Para A Morte, publicado em 1939) mas, O Demónio dissipa as dúvidas à partida. O narrador revela que a mãe costumava contar uma história sobrenatural sobre o Diabo andar entre os vivos e a colher a alma dos viciosos através de pequenos jogos de gato-e-rato que começavam sempre com um suicídio.

Brian Nelson, argumentista, pegou no esboço de M. Night Shyamalan e desenvolveu a narrativa com este pressuposto. Ou seja, lá está o irrelevante suicídio, para começar, e os actores de pouco préstimo no elevador. Quando já se sabe quem é o assassino e que este é invencível, que surpresas podem esperar-se? Se responder não muitas, saiba que a resposta certa é nenhuma.

O suicídio da abertura conduz um detective da polícia ao prédio endemoninhado e toma algumas decisões duvidosas: quando cinco pessoas fechadas num elevador ficam reduzidas a três, a prioridade é evacuar o edifício. Pergunto: se a cena do crime é um cubo de metal sem ligação ao exterior, portanto, um ambiente contido e isolado, qual a correlação? Também a solução de resgate apresentada pelos bombeiros é estranhíssima. Estando o elevador encravado entre dois andares, a opção não é a de abrir as portas do elevador no andar acima e tentar recolher os passageiros pelo tecto falso, mas fazer um buraco numa parede de cimento para chegar… ao quê? Um elevador tem três paredes sólidas e um lado vazio, que comunica com os andares pela porta contida em cada andar. Ora, se não se faz o acesso através das portas, qualquer buraco que se faça numa parede do corredor vai dar a uma das paredes laterais do elevador. Por outras palavras, vai ser necessário abrir dois buracos, um na parede de cimento e outro na parede de ferro. Faz sentido?

And then there was none, termina o livro de Agatha Christie supra-mencionado. Aqui, não será bem assim, mas fica a questão: tanto espalhafato por causa destes anónimos? Não dava para incluir um político corrupto, um militar sádico ou um corrector de bolsa ou investidor imobiliário, culpados pelo tão actual colapso bolsista de 2008? Já se percebeu que o Diabo, quando não tem mais o que fazer, gosta de andar de elevador, mas não haveria alvos mais merecedores do que um condutor bêbado, uma chantagista, uma carteirista, um trafulha e um bruto do guetto?

O Demónio é adiantado como o primeiro filme de uma trilogia, intitulada Crónicas da Noite. O próximo versará sobre um júri que debate um caso de tribunal e o último irá aproveitar as ideias de Shyamalan para uma suposta sequela de Unbreakable (2000). Pela amostra, mais valia ficarem-se por aqui. Já que não vão a tempo de nem sequer começar.

Devil 2010


4 comments:

  1. ...de facto!, quando vi o trailer pela prima vez fiquei moderadamente entusiasmado, trazia a marca do Shyamalan, e, apesar dos seus filmes terem decrescido claramente de qualidade (desde A Vila nunca mais se viu nada, a Senhora das Águas nem aquece ) resolvi dar o benfício ao homem e fui ver Devil.
    Como em tantos outros casos de pretensos filmes de terror de há muitos anos a esta parte, o verdadeiro terror que se vive está na verificação de quão má a película é (o que fizeram ao Pesadelo em Elm Street devia ser criminalizado)!
    Fiquei muitíssimo desiludido com o autor de O Protegido, uma das minhas histórias cinematográficas de eleição, sobretudo porque sempre reconheci no M. Night Shyamalan o saber contar uma história, e não se percebe o que o homem fez desse seu dom...

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  2. No meu entender, O Sexto Sentido é uma pequena obra prima. pode ver-se pela segunda, terceira ou quarta vez e a sua construção apresenta-se sem falhas. «I can see dead people» ficou como quote, para todo o sempre. Unbreakable demorou demasiado a definir-se, esticando as cenas até ao limite da tolerância, mas no final compensou cada minuto.
    O Sinais e A Vila já eram só medianos e A Sra Da Água perdeu-se nas fantasias infantis que tentou instilar.
    O Acontecimento é o maior falhanço de Shyamalan, um filme horrível e boçal do início ao fim, com tantos loose ends e plotholes que até mete impressão.
    Este Devil nunca chega a sair da cepa torta, mas onde se espalha mais descaradamente é nas mortes. a luz apaga-se e não só se parte o espelho como um caco mata um dos passageiros; a luz apaga-se e uma mulher aparece enforcada... e isto no espaço de segundos. nenhum ser humano conseguiria fazê-lo tão bem e tão depressa. O segurança que insistia que era obra do diabo era outro lorpa e a imagem do diabo que aparece na gravação é ridícula.

    Quanto ao realizador, se tiveres oportunidade de ver o seu primeiro filme, The Poughkeepsie Tapes, experimenta. É fraco, mas sempre consegue ser o melhor dos três filmes que fez.

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  3. Apesar de tudo, nao é uma hora e meia mal passada. A historia é razoavel, a cinematografia é muito boa. Nao é um filme para prémos, mas nao chega a ser uma banhada estilo skyline ou Fourt Kind. Shyamalan ainda nao bateu no fundo, e espero que recupere. Nem todos melhoram com a idade?

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  4. leonel, é uma hora e meia desperdiçada. a única coisa minimamente inovadora no filme é o genérico com a cidade de cabeça para baixo. no final do gnérico, pode sair-se da sala.

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