Wednesday, January 26, 2011

Black Water, de David Nerlich e Andrew Traucki

Black Water interpreta-se melhor depois de assistir-se ao filme seguinte de Andrew Traucki, O Recife (2010). A continuidade do tema, uma história de sobrevivência australiana, com predadores subaquáticos, supostamente baseada em factos reais. O Recife tem um tubarão branco como predador e Black Water um crocodilo.

Três turistas na Austrália do Norte vão pescar num barco a motor e o pântano onde estacionam chama-lhes um figo. O barco é virado e o guia não vem à tona. Os três sobreviventes trepam a uma árvore que assenta na água e aí resguardam-se, enquanto entabulam planos de acção e observam os leves rasgos de ondulação criados por um possível crocodilo, que se imagina grande para poder ter revirado um barco sem esforço. O rio é opaco e, na maior parte do tempo, a única prova de que há perigo são ocasionais bolhas de ar à superfície da água.

O realismo é conseguido pelo trabalho dos actores e pelos cenários naturais, com alguns diálogos a reforçarem o que, de resto, não é mais do que um compasso de espera. É de realçar que um crocodilo não está no mesmo patamar do imaginário universal que um tubarão branco e que o assomar de uma barbatana dorsal provoca muito maior crispação do que uma lagartixa gigante completamente submersa.

Já antes do filme começar, quem se aventura nele já sabe ao que vai. Vítimas acossadas de um crocodilo gigante, sem terem para onde fugir, são comidas uma a uma, a menos que o bicho se sacie primeiro, o que nestes títulos nunca acontece. Mas, em vez de gato por lebre, receia-se que, pior do que uma história sobre uma criança a brincar com a comida, seja ficar a ver a comida arrefecer sem ninguém que brinque com ela. Metade da película sem o menor vislumbre do crocodilo é suficiente para esmorecer a sensação de ameaça que deveria, pelo contrário, crescer. A banda sonora ambiental de Rafael May é criativa, assente em violoncelo e em guitarras eléctricas distorcidas duas oitavas, mas não chega. Um filme sobre um crocodilo precisa de um crocodilo.

Admite-se que a primeira aparição do réptil é impressionante e justifica a espera, com o bicho a erguer atleticamente todo o corpo acima do nível da água, na tentativa de morder uma das sobreviventes, que se esticava num ramo alto, mas volta a desaparecer por novo período considerável. Diana Glenn e Maeve Dermody são razoavelmente bonitas e naturais, capazes de gerar tensão e nervosismo, ao que o estilo de documentário dos realizadores não é alheio. Os diálogos são simples e desmistificadores, preferindo até o silêncio a frases involuntariamente anedóticas. As mulheres não se preocupam com as unhas nem gritam por tudo e por nada, o que só conta a seu favor.

Até à recta final, o filme aposta na antecipação, sem esticar a corda uma única vez, o que se aceitava por basear-se ostensivamente em factos reais mas, subitamente, avança pelo descrédito quando o crocodilo se torna uma entidade diabólica. A dada ocasião, desmotiva uma vítima subindo à superfície e ficando a boiar à distância de meio metro dela, sem atacar. Noutra, abocanha-a e rodopia com esta debaixo de água (em imagens de contra-campo, vemos a vítima afundar e vir à tona, mas nunca rodopiar), mas a vítima é capaz de escapar apenas com uma mordida na perna. Finalmente, o crocodilo transporta uma das vítimas para a margem, sem lhe fazer mal nenhum, aí a abandonando com pernas e braços que lhe permitiriam fugir. Esse jogo de gato-e-rato desvirtua a credibiliade documental que Black Water se esforçara por recriar, porque não se espera do predador que reaja com requintes de maldade, característica demasiado irreal para se engolir.

Quanto à rodagem, a equipa filmou o enredo em pântanos situados a apenas 25 minutos de Sydney, tendo depois seguido para regiões mais interiores capturar imagens de crocodilos de água salgada, integrando ambas através de CGI. O crocodilo é verdadeiro, mas nunca esteve próximo dos actores. Se alguns dos defeitos de BlackWater foram resolvidos em O Recife, em Black Water já não foram a tempo. Também da Austrália, chegaria em 2008 Rogue, de Greg McLean, a despejar mais actores num pântano habitado por um crocodilo gigante, criado integralmente por computador. Apesar de contar com actores conhecidos como Radha Mitchell, Michael Vartan e Sam Worthington, é pior do que Black Water.

Black Water 2010


2 comments:

  1. Eu até veria, nao fosse este um tema tão gasto... alguma vez isto traria algo de novo? Mais uma anaconda. Mas os apreciadores do género, ou malta mais jovem ainda podem engolir o engodo.

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  2. os crocodilos não estão assim tão vulgarizados como os tubarões.
    este filme tem alguns méritos. uma boa banda sonora e um enredo minimamente credível, antes de estragar tudo nos 15 minutos finais. e os personagens passam demasiado tempo quietos em cima de uma árvore, à espera.

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