O estranho caso do realizador que, elogiado por Stephen King pela sua curta de estreia (Drag, 1993), foi convidado pelo escritor a adaptar um dos seus contos (The Night Flier, 1997) e só voltaria a sentar-se atrás das câmaras dezanove anos depois, num curioso trabalho de autor que homenageia os slashers de baixo orçamento dos eighties.
Antes de incidir sobre Fender Bender, cabe referir que Stephen King nem sempre foi bom nas suas predições, tendo vaticinado Clive Barker como o futuro do terror e tal parece já bem enterrado no século passado. Mark Pavia, empolgado com o seu próprio regresso, é um realizador feliz e deixa-se já entrevistar sobre o seu próximo projecto, uma antologia de curtas baseadas nos contos do já repetidamente mencionado escritor. Antes, portanto, desse novo fracasso (a par de praticamente todas as colagens de curtas metragens de terror, na sua maioria dedicadas ao Halloween), Fender Bender.
É um filme que começa com atitude e aguenta a atmosfera retro até ao final, mas vai dissolvendo a boa vontade à custa de clichés e uma dupla assassino / vítima principal não especialmente entusiasmantes. Após o beijo de pára-choques, o assassino aparece na forma de Bill Sage, outrora um dos actores fetiche de Hal Hartley (Trust, 1990, Simple Men, 1992 e Flirt 1995), cuja pinta de manequim se foi deslavando com o passar dos anos, sombra que já era visível em Mysterious Skin (2004) e não atenuou. Uma vez que se trata de uma personagem plana e sem contexto, este deve ser o serial killer de menor impacto da História dos slashers.
Consciente do seu aspecto humilde, caça com uma máscara de gás com furinhos para as narinas que lhe abre as portas de qualquer clube S&M e uma tosca e pindérica ponta e mola que segura, não pelo cabo, mas por um puxador de gavetas que aparafusou ao cabo (é uma escolha bizarra que faz sofrer todo o conjunto, sendo impossível não manifestar decepção perante o acessório que se quereria hipnótico e assustador). Este não é, de todo, um figurino icónico, ainda que o blusão de motard não esteja mal, alguma coisa o safe da indiferença total. Makenzie Vega é a jovem vítima que um papel fixo na série The Good Wife garante mais tempo de antena, mas é quando aparece a mais secundária Dre Davis que o público masculino realmente se preocupa. Por este prisma, para o público feminino não há mesmo nada que ver.
Paradoxo que se lamenta é esta nostalgia ser para maiores de 13 anos (Mark Pavia quer o máximo de audiência), prometendo e ficando aquém porque, noutro paradoxo, a dinâmica entre suspense e tédio é tão tangencial quanto a esperança de que os personagens não ajam como idiotas. As vítimas principais têm indicações de o assassino estar dentro das suas casas (à primeira, envia sms a desejar bom banho de imersão e à segunda tira fotos no duche, que esta a seguir confere no próprio telemóvel, do qual foram apagadas as fotos que ela tirou ao acidente), mas ambas se trancam com ele em vez de fugirem. O jogo de gato-e-rato tem alguns momentos cenicamente positivos (quando o assassino se materializa na sala, junto às vítimas, por ocasião de um relâmpago), mas a banalidade da história esbarra em poucas peripécias e muitas atitudes estúpidas (por exemplo, quando vê um embrulho em cima do capot do seu carro, no pátio à frente da vivenda, em vez de ligar à polícia, a jovem sai, sozinha e desarmada, para investigar, de costas para a porta que deixa aberta).
O facilitismo do assassino escolher uma adolescente que, por milagre, fica sozinha em casa durante o fim de semana e não tem vizinhos para acudi-la não ajuda e o texto tem os seus solavancos, como o assassino enviar à vítima um sms onde diz “Ainda bem que os teus pais tinham outro carro para usarem na viagem de fim de semana” (algo que ele não tinha forma de saber). A dada altura, e isto pode ser considerado um spoiler, a jovem incendeia o assassino com combustível e este revolteia antes de apagar-se num charco (foi uma noite chuvosa), sendo ainda mais spoiler que, após apagar as chamas, o casaco de couro, as calças de ganga e a máscara de borracha ficaram incólumes (até o telemóvel, no bolso, não fica contorcido); e o assassino volta a levantar-se e conclui o serviço (porque Michael Myers).
Concluindo, Fender Bender é frustrante, porque deveria ter sido capaz de uma entrega mais original, mais reflectida, mais confiante, mais intensa. Os slashers andam aí há décadas e, quando Wes Craven lhes deu um novo fôlego, Scream (1996) foi um sucesso; mas Mark Pavia não se mostra à altura. O filme não é, de longe, um completo desastre, mas é genérico na fórmula: personagens dispensáveis, assassino omnipresente, pouco carro, pouco suspense, pouco sangue, pouco cérebro. Teria sido uma fita banal nos anos oitenta, é hoje apenas um cromo numa caderneta sem memória. A música é do duo de retro electro Night Runner e soa a uma mistura entre Tangerine Dream e John Carpenter. Já agora, não se compreende que, nos EUA, os automobilistas não utilizem declarações amigáveis, limitando-se, à confiança, a trocar dados pessoais em pedaços de papel. Também não se entende o propósito da montage no centro de lavagem auto, num pseudo zen que nada acrescentou.
Fender Bender 20