Para uma vingança se servir fria, só é preciso ter paciência e boa memória. Joel Edgerton, lentamente a construir um nome para si durante as últimas duas décadas, decide finalmente pegar numa câmara grande e passar das curtas às longas-metragens. O actor, que já assinara o argumento de The Square (2008) para a câmara do irmão Nash e o de Rover (2014) para David Michôd, para quem representou em Reino Animal (2010), já tinha interpretado as suas próprias palavras em Felony (2013), mas ainda não o tinha feito para si próprio.
Um Presente do Passado é escrito, realizado, produzido e interpretado por Edgerton numa construção narrativa que encontra algum paralelo em The Cable Guy (1996), que a distribuidora portuguesa tão bem traduziu como O Melga. De forma enganadora, a trama desenvolve a visão do conhecido prestável (neste caso, um antigo colega de escola) que é visto como intrometido (pelo casal protagonista), que se acha bom amigo até perceber que a sua amizade incondicional é encarada com desconfiança e fica aborrecido. Quem vir o trailer, porém, não irá ter esta percepção, pelo que se adverte contra o referido visionamento.
O trailer serve tão mal o filme que anula as duas alternativas com que se filtra a superfície de um stalker thriller: ou se trata de um psicopata que escolheu a sua vítima por acaso ou tem uma agenda secreta. Um Presente do Passado resulta, principalmente, pelas duas surpresas que reserva à audiência. A primeira é a de que a inocência dos personagens poderá não ser tão cristalina como inicialmente imaginado e a segunda é a de que, au point para o que despoleta a intriga, a dúvida que o stalker planta é verdadeiramente destrutiva para o protagonista e para o seu ideal da unidade familiar, e isto partindo do princípio de que ele tem família para a qual voltar quando os créditos começam. Visto o trailer, fica tudo preto no branco.
Nem tudo funciona. Para começar, o título. Não há um presente, mas muitos, até sem contar os não embrulhados. A dada altura, a sua profusão já faz rir. Mas, lá diz o provérbio, beware of greeks bearing gifts (desconfia de gregos que trazem prendas) e um carrinho de bebé pode substituir um cavalo de Troia (inside joke). E Joel Edgerton acaba por ser o elo fraco do acting triangle, a prejudicar Jason Bateman e Rebecca Hall com o seu underacting que, num segundo visionamento, é demasiado óbvio que sabe mais do que os restantes e, num primeiro, é simplesmente amador (e não é só no visual, que foi ao ponto de mudar a cor de cabelo e dos olhos). Edgerton, apesar da muita oferta (até já foi faraó em Êxodo: Deuses e Reis, 2014), é apenas um actor mediano. Por fim, o ritmo. Quando chega a originalidade, muitos poderão já ter desistido pela falta dela.
The Gift 2015
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