Wednesday, November 30, 2016

Alerta Tsunami, de Roar Uthaug


Há imagens que valem mil palavras e filmes que não merecem uma única, pelo menos positiva. Alerta Tsunami segue à letra o genérico “cientista alerta para a desgraça iminente, ninguém lhe liga e a desgraça acontece”. Pierce Brosnan interrompeu as suas aventuras de fraque e pisco para fazer um sobre uma erupção vulcânica (O Cume de Dante, 1997) e a moda, durante algum tempo, pegou. Neste caso, é o aluimento de uma escarpa sobre um fiorde, que provoca uma onda de 80 metros de altura que arrasa a localidade mais próxima.
Filme-catástrofe tão básico que, sabendo depender exclusivamente do impacto de cinco minutos de uma frente de água, considera tudo o resto carne para canhão e convida ao fastforward até aos créditos finais, sem sequer interromper por ocasião da onda, quem viu uma viu todas e Hollywood fá-las melhores há duas décadas e meia (O Abismo, 1989). Não há desenvolvimento psicológico, introdução de personagens empáticos, vida pitoresca na aldeia que mereça salvar, nada.
Foi o candidato norueguês ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2016, mas não chegou à lista final de nomeados. É a quarta longa-metragem do realizador do primeiro filme-desastre escandinavo, que se estreou com o primeiro slasher norueguês Fritt Vilt (2006), uma medíocre variação do subgénero Sexta Feira 13. Em dez anos, Roar Uthaug não evoluiu significativamente, mas lá conseguiu que a sua onda fosse a produção cinematográfica mais vista no país de origem.
Bølgen 2015

Lights Out: Terror Na Escuridão, de David F. Sandberg

   
Assim como Mama (2013) começou por ser uma curta-metragem sobre uma mulher esquelética que saía das sombras de uma casa para assombrar os moradores, também Lights Out se desenvolveu a partir do mesmo formato e temática, desta feita a curta (dois minutos de duração) de 2013 de David F. Sandberg. Lotta Losten, que interpretava a vítima na curta, é a empregada do armazém de manequins que escapa ilesa no início do filme. Soft spoiler, é também a esposa do realizador e entrou nas oito curtas arrepiantes que fizeram juntos desde o casamento em 2013. Javier Botet e Doug Jones já têm concorrência à altura: com 1,75m de magreza, Alicia Vela-Bailey faz de fantasma Diana e é a dupla de Wonder Woman (2017), que também se chama Diana. E há que ter cuidado com ela, porque é especialista em artes marciais, tendo já substituído Milla Jovovich (Ultravioleta), Kate Beckinsale (Underworld e Total Recall) e Yvonne Strahovski (Chuck) nas cenas mais exigentes.
Lights Out é uma história de terror clássica, básica no seu conceito e simples na sua execução, mas tem alma e empenho e isso é quanto basta para mostrar a importância da eficiência. A par de Nem Respires (2016), é um dos mais assustadores filmes de terror a sair de um estúdio este ano. As actrizes Maria Bello e Teresa Palmer também estão de parabéns. Há algum facilitismo na obtenção de provas – afinal, está tudo à disposição no escritório do padrasto – mas tem lógica que ele tivesse investigado a situação, não sendo propriamente uma ponta solta. Não se percebe bem como é que o fantasma, que evita a claridade, se locomove durante o dia (quando o miúdo foge de casa e vai ter com a irmã, não só percorre a distância como bate à porta num corredor iluminado) mas, enfim, pode fechar-se os olhos a essa incoerência já que, face à maior parte das produções do género, não é um grande pecado.
Lights Out 2016

Fender Bender, de Mark Pavia

   
O estranho caso do realizador que, elogiado por Stephen King pela sua curta de estreia (Drag, 1993), foi convidado pelo escritor a adaptar um dos seus contos (The Night Flier, 1997) e só voltaria a sentar-se atrás das câmaras dezanove anos depois, num curioso trabalho de autor que homenageia os slashers de baixo orçamento dos eighties.
Antes de incidir sobre Fender Bender, cabe referir que Stephen King nem sempre foi bom nas suas predições, tendo vaticinado Clive Barker como o futuro do terror e tal parece já bem enterrado no século passado. Mark Pavia, empolgado com o seu próprio regresso, é um realizador feliz e deixa-se já entrevistar sobre o seu próximo projecto, uma antologia de curtas baseadas nos contos do já repetidamente mencionado escritor. Antes, portanto, desse novo fracasso (a par de praticamente todas as colagens de curtas metragens de terror, na sua maioria dedicadas ao Halloween), Fender Bender.
É um filme que começa com atitude e aguenta a atmosfera retro até ao final, mas vai dissolvendo a boa vontade à custa de clichés e uma dupla assassino / vítima principal não especialmente entusiasmantes. Após o beijo de pára-choques, o assassino aparece na forma de Bill Sage, outrora um dos actores fetiche de Hal Hartley (Trust, 1990, Simple Men, 1992 e Flirt 1995), cuja pinta de manequim se foi deslavando com o passar dos anos, sombra que já era visível em Mysterious Skin (2004) e não atenuou. Uma vez que se trata de uma personagem plana e sem contexto, este deve ser o serial killer de menor impacto da História dos slashers.
Consciente do seu aspecto humilde, caça com uma máscara de gás com furinhos para as narinas que lhe abre as portas de qualquer clube S&M e uma tosca e pindérica ponta e mola que segura, não pelo cabo, mas por um puxador de gavetas que aparafusou ao cabo (é uma escolha bizarra que faz sofrer todo o conjunto, sendo impossível não manifestar decepção perante o acessório que se quereria hipnótico e assustador). Este não é, de todo, um figurino icónico, ainda que o blusão de motard não esteja mal, alguma coisa o safe da indiferença total. Makenzie Vega é a jovem vítima que um papel fixo na série The Good Wife garante mais tempo de antena, mas é quando aparece a mais secundária Dre Davis que o público masculino realmente se preocupa. Por este prisma, para o público feminino não há mesmo nada que ver.
Paradoxo que se lamenta é esta nostalgia ser para maiores de 13 anos (Mark Pavia quer o máximo de audiência), prometendo e ficando aquém porque, noutro paradoxo, a dinâmica entre suspense e tédio é tão tangencial quanto a esperança de que os personagens não ajam como idiotas. As vítimas principais têm indicações de o assassino estar dentro das suas casas (à primeira, envia sms a desejar bom banho de imersão e à segunda tira fotos no duche, que esta a seguir confere no próprio telemóvel, do qual foram apagadas as fotos que ela tirou ao acidente), mas ambas se trancam com ele em vez de fugirem. O jogo de gato-e-rato tem alguns momentos cenicamente positivos (quando o assassino se materializa na sala, junto às vítimas, por ocasião de um relâmpago), mas a banalidade da história esbarra em poucas peripécias e muitas atitudes estúpidas (por exemplo, quando vê um embrulho em cima do capot do seu carro, no pátio à frente da vivenda, em vez de ligar à polícia, a jovem sai, sozinha e desarmada, para investigar, de costas para a porta que deixa aberta).
O facilitismo do assassino escolher uma adolescente que, por milagre, fica sozinha em casa durante o fim de semana e não tem vizinhos para acudi-la não ajuda e o texto tem os seus solavancos, como o assassino enviar à vítima um sms onde diz “Ainda bem que os teus pais tinham outro carro para usarem na viagem de fim de semana” (algo que ele não tinha forma de saber). A dada altura, e isto pode ser considerado um spoiler, a jovem incendeia o assassino com combustível e este revolteia antes de apagar-se num charco (foi uma noite chuvosa), sendo ainda mais spoiler que, após apagar as chamas, o casaco de couro, as calças de ganga e a máscara de borracha ficaram incólumes (até o telemóvel, no bolso, não fica contorcido); e o assassino volta a levantar-se e conclui o serviço (porque Michael Myers).
Concluindo, Fender Bender é frustrante, porque deveria ter sido capaz de uma entrega mais original, mais reflectida, mais confiante, mais intensa. Os slashers andam aí há décadas e, quando Wes Craven lhes deu um novo fôlego, Scream (1996) foi um sucesso; mas Mark Pavia não se mostra à altura. O filme não é, de longe, um completo desastre, mas é genérico na fórmula: personagens dispensáveis, assassino omnipresente, pouco carro, pouco suspense, pouco sangue, pouco cérebro. Teria sido uma fita banal nos anos oitenta, é hoje apenas um cromo numa caderneta sem memória. A música é do duo de retro electro Night Runner e soa a uma mistura entre Tangerine Dream e John Carpenter. Já agora, não se compreende que, nos EUA, os automobilistas não utilizem declarações amigáveis, limitando-se, à confiança, a trocar dados pessoais em pedaços de papel. Também não se entende o propósito da montage no centro de lavagem auto, num pseudo zen que nada acrescentou.
Fender Bender 20

Wednesday, November 16, 2016

Pedido de Amizade, de Simon Verhoeven

   
Pedido de Amizade é tão indigente que faz Unfriended (2014) parecer uma obra-prima. Simon Verhoeven é irmão do actor Luca Verhoeven e filho do realizador Michael Verhoeven, mas nenhum deles é o Verhoeven que interessa, ou seja, Paul. Aliás, são alemães e não holandeses. Simon é actor, argumentista, realizador, compositor, produtor mas, por tudo o que é mais sagrado, não lhe aceitem o pedido de amizade.
O fantasma das redes sociais continua à solta e tem alma penada de mafioso: quando escolhe a vítima, mata-lhe primeiro os amigos e familiares, um a um, para que fique sozinha, e saboreia o momento em que os amigos virtuais desaparecem, numa debandada homérica que começa em 857. Portanto, e para que fique bem claro, o objectivo deste espírito maligno é fazer com que uma estudante universitária popular perca todos os amigos virtuais, ofendidos com os vídeos da morte dos amigos reais, que vai postando em nome dela na rede social genérica. Mas, em mais de 800 amigos virtuais, não há um único que goste deste tipo de vídeos e queira continuar a ter acesso aos mesmos?
Pedido de Amizade não prima pela inteligência do guião. A vilã aparece como uma emo exageradamente carente e sem um único amigo virtual, a protagonista é popular, mas literalmente a única pessoa que lhe foi simpática; como não foi convidada para a festa de anos da nova amiga, conhecendo-se há menos de 15 dias, a vilã tem um acesso de raiva, suicida-se e torna-se num espírito mau. Como viu The Ring (2000), a heroína sabe que tem de investigar o passado da vilã para compreendê-la, encontrá-la e trazer-lhe paz, antes que seja tarde demais. Entretanto, a polícia distrai-se a comer donuts e ninguém se apercebe de que a vilã anuncia a próxima vítima com antecedência, distorcendo-lhe a foto de rosto na rede social. Um amigo tenta interromper a cadeia de mortes de forma esperta, mas mal concretizada, acaba por apressá-la.
Quanto ao casting, há a lamentar estudantes universitários representados por actores de quase trinta anos (William Moseley, Brit Morgan e Sean Marquette) e uma protagonista tão serôdia (Alycia Debnam-Carey) que torna fastidioso assistir à sua odisseia. Em relação ao enredo, é uma actualização de Pulse (2006), que já era um remake de Kairo (2001), onde os fantasmas acediam ao nosso mundo através da internet. Para fechar numa nota positiva, a banda sonora é de George Shaw, que compôs a espectacular música de Marcus (2006) quando ainda estava na Universidade, mas o que parecia o início de uma carreira fulgurante não colocou o seu nome no mapa, independentemente de estar creditado em 117 projectos (principalmente curtas metragens) até à data.
Friend Request 2016

Tuesday, November 15, 2016

Unfriended, de Levan Gabriadze

   
Em tempos de alerta ao cyberbullying, Unfriended é a vingança da vitima. Inspirado pelos casos reais de Amanda Todd e Audrie Pott, adolescentes que encontraram no suicídio a única resposta para a humilhação de que foram alvo através da internet e das redes sociais, o filme segue o videochat de seis amigos, que começa inocente, mas se vai tonando tenso pela presença de um sétimo ícone, sem foto, supostamente alguém que assiste à conversa sem se anunciar. Mas, como é o aniversário do suicídio de uma colega, o tema é aflorado e, obviamente, não há coincidências. O penetra vai-se tornando cada vez mais activo e provocador, revelando os segredos que, afinal, estes amigos escondem uns dos outros e, assim que esgotam a sua utilidade, mata-os um a um e aterrorizando os que sobram.
Por imposição do produtor Timur Bekmambetov, o layout da realização consistiu no monitor do computador pessoal de um dos participantes de uma videoconferência e nos dados que essa adolescente foi digitando ao longo da conversa, procurando pistas e trocando notas privadas com o namorado, que também participa na videoconferência. O argumentista Nelson Greaves e o realizador Levan Gabriadze gravaram cinco versões diferentes da história, com os actores em diferentes compartimentos da mesma casa, em longos takes sem interrupções, indicando a uns e outros como reagir impromptu através de earpieces, e foi um destes takes que chegou à versão comercial, apesar de outros terem sido exibidos em festivais de cinema, com títulos provisórios, para testar o produto e ganhar tracção.
Tecnicamente, Unfriended é parente directo de Open Windows (2014), filme com Elijah Wood onde tudo o que se vê é também o que aparece no laptop do protagonista, e um parente indirecto de O Projecto da Bruxa de Blair (1999), já que, no fundo, este é o passo tecnologicamente seguinte do found footage (género que o produtor Bekmambetov experimentou com Apollo 18, de 2011). A simplicidade do mistério e a entrega dos jovens actores (as caras mais conhecidas são as de Shelley Hennig e Will Peltz) transforma as limitações em mais valias e estar tudo concentrado num monitor de PC apenas aumenta a claustrofobia. Bom terror até ao final que, claro, é do mais previsível que há mas, ainda assim, é muito superior a grande parte da oferta actual.
Unfriended 2014

Viral, de Lucas Figueroa

   
Argentino a residir em Madrid, Lucas Figueroa passou dos anúncios televisivos para a curta metragem e Viral é o seu primeiro filme, onde demonstra que o product placement foi a prioridade. Situa a acção dentro de uma loja Fnac e cada enquadramento tem de promover um artigo ou marca. Não dá provas de saber fazer outra coisa, porém. Escreveu, realizou, editou e estendeu o chapéu virado ao contrário.
Comédia de fantasmas inepta, narra a aventura do concorrente a um prémio da Fnac, após ter sido eleito para permanecer no interior da loja da Plaza de Callao, em Madrid, e alcançar os 10 mil gostos no site da iniciativa. Para isso, não pode sair do estabelecimento durante uma semana, sob nenhum pretexto, e o convívio com o exterior está restringido às redes sociais. De dia exibe-se na montra ou passeia-se pelos corredores, à noite investiga a misteriosa aparição de uma menina que arrasta a boneca por entre os escaparates. Tenta também arrastar a asa a uma empregada de caixa. É tão incompetente quanto o realizador.
Aura Garrido é a namorada de serviço e Dafne Fernández (com Miguel Ángel Muñoz, atingiram ambos o estrelato na serie Un Paso Adelante) surge brevemente em lingerie, o que se revela suficiente para obter destaque no genérico de abertura. O primeiro segurança tem a música do Exorcista (Tubular Bells, de Mike Olfield) como toque de telemóvel. Convinha alertar o guionista de que destruir uma maçaneta à cacetada não faz destrancar a fechadura.
Viral 2013

The Fits, de Anna Rose Holmer

   
Seis alunas de dança de um ginásio sofrem um episódio de espasmos cada, sendo que o espaçamento entre cada caso cria um ambiente generalizado de inquietação. Contudo, o filme furta-se à apresentação de explicações e ao desenvolvimento de personagens. Sabemos tão pouco sobre a protagonista no final como no início do filme. Toda a acção se passa dentro e em redor do edifício e apenas fugazmente se assiste à presença de adultos. O resto são adolescentes de diversas idades a terem excertos de conversas banais. A realização sonolenta não ajuda a criar empatia com nada para além do relógio, especialmente depois do espectador se aperceber de que tudo não passou de um rato a correr numa roda de exercício.
Em retrospectiva, The Fits é um filme frustrante. Os factos são observados da linha do fundo por uma protagonista nada empenhada ou curiosa, que olha desinteressadamente, sem participar ou questionar. É inegável que a actriz de onze anos Royalty Hightower (há com cada nome), escolhida logo ao primeiro dia de um casting (então com nove anos) que envolveu centenas de dançarinas, faz o seu papel na perfeição, mas mantém uma expressão impenetrável durante todo o processo, ao ponto de, quando alguém sugere que os espasmos poderão ter a ver com o fornecimento da água, suspeitarmos dela (tratar-se-á de uma pequena sociopata a eliminar a concorrência?).
Em oposição ao que as press releases afirmam, sobre tratar-se de uma menina que se esforça desesperadamente por ser aceite dentro de um novo grupo (passa do treino de boxe com o irmão mais velho para o salão de dança no piso de cima do centro comunitário), não se verifica o menor esforço em integrar-se, limitando-se a sua adaptação à aprendizagem do número de dança eliminatório. Também há quem opte pelo outro extremo do espectro e fale de isolamento psicológico, mas também tal não colhe, porque a protagonista, ainda que solitária, é capaz de conviver quando necessário (uma personagem secundária, mais faladora e sociável, torna-se sua amiga e passam a dialogar diariamente).
Temos, então, uma menina de 11 anos que convive com rapazes porque o irmão trabalha no ginásio e decide ingressar no grupo de dança, que é exclusivamente feminino. As quatro raparigas mais velhas têm um caso de desmaio precedido de convulsões cada e, antes que a idade seja prognóstico, o mesmo ocorre à mais nova. Curiosamente, as ditas convulsões confundem-se com o estilo de dança do grupo, uma espécie de confronto competitivo, agressivo como uma batalha, próximo do krump.
Por outro lado, e mesmo revelando-se uma desilusão pela sua inconsequência, The Fits é um pequeno projecto independente que merece atenção. Pelo seu inconformismo e abstracção, produzido no contexto de um programa do Biennale College Cinema, cujas regras obrigam, entre outras restrições, a realizar um filme em menos de um ano e por menos de 150 mil dólares. Esteticamente irrepreensível, conta com uma banda sonora que procura o desequilíbrio átono e actores estreantes promissores. Simplesmente, nos seus 72 minutos de duração, podia ter havido lugar para aprofundar o tema e os personagens. É no enredo que o filme mais falha.
The Fits 2015

Tuesday, November 8, 2016

Nem Respires, de Fede Alvarez

   
Clássico instantâneo. Depois de uma cabana no bosque, uma vivenda num bairro fantasma. Se a dupla Fede Alvarez e Rodo Sayagues não estiveram à altura de Sam Raimi no remake de Evil Dead (2013), é com este guião original que se multiplicam as comparações (com tantos filmes que mais parece uma mana de retalhos). Sem elementos de sobrenatural, o guião segue um trio de adolescentes que assaltam casas e se apercebem, tarde demais, terem subestimado o proprietário da sua última investida, um cego com mais recursos do que o inicialmente previsto. É uma trama tão simples quanto o aviso “não entres na casa de estranhos, porque não sabes o que vais encontrar” e, claro, ante da noite acabar, mais do que um deles vai lamentar as suas escolhas profissionais.
É um thriller básico, mas eficiente, que leva a bom porto a regra segundo a qual não importa o tema, mas o que se faz com ele. Com exteriores filmados em Detroit e interiores na Hungria, o filme conta com os olhos vivos de Jane Levy e a musculatura de Stephen Lang, muita tensão e algumas gaffes, umas mais desculpáveis do que outras. Por exemplo, o cego reage prontamente a determinados ruídos, mas outros passam-lhe ao lado; as janelas do quarto onde dois protagonistas se escondem estão gradeadas, mas um deles é projectado através desta quando um cão se lança sobre ele; o cego desliga o quadro eléctrico geral, na cave, mas a máquina de lavar roupa é usada, mais tarde, para confundi-lo; o saco com dinheiro está do lado de fora da porta do carro, mas quando a câmara aumenta o ângulo de visão, a mala desapareceu, reaparecendo na sequência seguinte.
Dos diversos filmes a que vai buscar inspiração (Cujo, Silêncio dos Inocentes, People Under The Stairs), deve tirar-se o chapéu ao twist dado ao elemento roubado a O Segredo dos Seus Olhos, o qual teria sido excepcional no pedestre remake de Billy Ray.
Don't Breathe 2016

Uncanny, de Matthew Leutwyler

    
Deus ex machina é uma expressão latina nascida no teatro clássico grego, criada para as resoluções saídas da cartola. Historicamente, muitas peças terminavam com Deus a aparecer em cena para pôr fim a uma trama humana que já esticara toda a corda da imaginação dramatúrgica do autor mas, actualmente, qualquer elemento inesperado e fora da lógica interna, que venha resolver uma situação insolúvel, é aceite (por exemplo, quando um crime parece perfeito, surge a confissão). Recentemente, a expressão tem aparecido no campo da inteligência artificial, já que, literalmente, significa Deus saído da máquina.
Ex-Machina (2015) é um filme de Alex Garland sobre a semana que um humano passa a conhecer o protótipo de um androide desenhado com padrões estéticos femininos, experiência desenvolvida e controlada pelo próprio cientista inventor. Atraído pela imagem angelical da máquina, o incauto decide retirá-la às malhas do cientista e vem a sofrer com esse jogo, num final que poderá ou não servir a conclusão de que as mulheres são, por natureza, frias. Uncanny, estreado no mesmo ano, parte da mesma matéria, mas mudando a óptica pela troca de sexos: um androide e uma humana. Temos, então, uma semana de entrevistas de uma jornalista especialista em robótica ao laboratório de um cientista e ao seu protótipo de androide. Neste caso, ela deixa-se atrair pelo cientista e não pela máquina. A máquina reage.
Ex-Machina é um filme previsível, que explora a sensualidade das actrizes Alicia Vikander e Sonoya Mizuno, enquanto Uncanny se mostra mais recatado, mas ambos apostam no factor comportamental psicológico com pendor para a sexualidade inata. Curiosamente, ambos seguem construções lógicas simples, com um mecanismo de surpresa não dissonante preparado para o final, pelo que nenhum deles é, afinal, exemplo de deus ex machina no sentido clássico. Considerando que ambos, de certa forma, se complementam e merecem atenção, salienta-se a superioridade de Uncanny e desiste-se da demanda de reclamar qual o projecto que terá arrancado primeiro, uma vez que Alex Garland fala de inspirações que datam ao seu primeiro computador pessoal e Shahin Chandrasoma (guionista de Uncanny e médico urologista que emprega robótica em operações cirúrgicas) diz que o primeiro computador pessoal que viu foi o de Arthur C. Clarke, autor de 2001: Odisseia no Espaço, pelo que decifrar o vencedor do braço de ferro não é fácil. Como achas para a fogueira, invoca-se as filmagens de Uncanny decorreram em 2012 (dificuldade das produções de baixo orçamento) e que o anterior guião de Garland, Dredd (2012), foi criticado por semelhanças com The Raid (2011). Lucy Griffiths (agora na série Preacher), Mark Webber e David Clyaton Rogers centram o elenco.
Uncanny 2015

Regressão, de Alejandro Amenábar

   
Cai o Carmo e a Trindade quando Alejandro Amenábar, indelevelmente associado ao mais ternurento filme sobre eutanásia (Mar Adentro, 2004) e ao mais inquietante filme sobre snuff (Tese, 1996), assina o mais olvidável dos psicothrillers. Não se entende que este brilhante realizador não seja capaz de segurar a expectativa do espectador com um guião escrito pelo próprio, debruçando-se sobre uma pequena trama policial onde uma acusação de incesto ganha contornos satânicos e a falta de provas conduz à extrapolação. A técnica da regressão, espécie de interrogatório sobre hipnose, não é aprofundada, mas criticada por uma relevância que não se lhe encontra.
Será, eventualmente, o filme mais banal de Amenábar, a não estimular o intelecto nem as emoções mais básicas. Tudo nele é mecânico, artificial, sem alma. Ethan Hawke tornou-se um valor seguro do género, depois de Sinistro (2012) e A Purga (2013), mas Emma Watson não é convincente e David Thewlis nem se esforça. Lembra Livrai-nos do Mal, de Scott Derrickson, o que é outro ponto negativo. Música de Roque Baños, a manter a nova tradição de que os seus piores filmes são musicados por terceiros (Dario Marianelli compôs Agora, 2009). Grande desilusão neste pálido regresso aos temas de Tese (1996), Abre Os Olhos (1997) e Os Outros (2001).
Regression 2015