Thursday, February 9, 2012

Millenium1: Os Homens Que Odeiam As Mulheres, de David Fincher

O cinema sueco foi revitalizado em 2009, com a adaptação cinematográfica do sucesso literário de Stieg Larsson, a trilogiaMillenium, publicada em 2005. O primeiro capítulo foi entregue a Niels Arden Oplev e os restantes a Daniel Alfredson. Agora, a tripla entrega foi feita a David Fincher, para convertê-los para a língua anglo-saxónica.
Se algum remake era perfeitamente desnecessário, era este. Dito isto, é impossível não comparar ambas adaptações, porque partilham o enredo, o estilo e estão historicamente próximas. Pode, inclusivamente, classificar-se como fincheriana a atenção ao detalhe e o profissionalismo exemplar de Niels Arden Oplev, tenso e crispado na perícia com que conduziu o thriller original.
Não pode deixar de ser curioso, no mínimo, que seja precisamente David Fincher, (Sete Pecados Mortais (1995), Clube de Combate(1999), O Jogo (1997) e Sala de Pânico (2002) o responsável peloremake. Mas, neste braço-de-ferro, ganhou o dinamarquês, com um filme mais orgânico, fluido e misterioso. Fincher teve contra si uma pressão redobrada, é certo, mas a sua aposta peca por excesso de encenação, os eventos mais determinantes parecem construídos como blocos estanques, as alterações cirúrgicas no guião são reprováveis e a escolha de actores é infeliz.
Convém frisar que David Fincher já não é infalível desde Zodíaco(2007). Aborrecido Caso de Benjamim Button (2008) e A Rede Social (2010) deixaram muito a desejar e o caso repete-se, começando nos despropositados créditos iniciais. Apesar do protagonismo de Daniel Craig, Os Homens Que Odeiam As Mulheresnão é um fascículo de James Bond e este vídeoclip de cabeças femininas cobertas de petróleo e quebradas em estilhaços, para além de não ser visualmente estimulante, não encontra, excepto por parecer odiá-las, relação com a história que se segue. A intenção de Fincher foi destacar-se do filme original, desorientando o espectador. Consegue-o, mas o prémio é nulo.
A Adaptação do livro ficou a cargo de Steven Zaillian, oscarizado pelaLista de Schindler (1992) e com mais três nomeações (incluindo a deste ano, por Moneyball), mas cuja balança pesa negativamente porHannibal (2001) e Gangues de Nova Iorque (2002). Quanto a Os Homens Que Odeiam As Mulheres, Zaillian, provavelmente por causa do sucesso do filme original, que rendeu cento e cinco milhões de dólares globalmente (dez milhões dos quais nas bilheteiras norte-americanas), decidiu alterar alguns elementos-chave da trama, nomeadamente no clímax e desfecho, mas não foi feliz nas escolhas, que soam apenas a versões B.
Quanto ao elenco, Daniel Craig e Rooney Mara foram contratados para a trilogia, ainda que a modesta receita de bilheteira do primeiro tomo quase tenha deixado o projecto em suspenso. Seria a segunda vez que Daniel Craig passava por essa experiência, depois de A Bússola Dourada (2007). Como Mikael Blonkvist, Craig é fisicamente mais imponente (diz que ganhou peso para o papel) do que Michael Niqvist (o homónimo sueco), mas peca por uma prestação cansada e abatida, ao passo que Niqvist se mostrava mais focado na investigação e incomodado com a derrota judicial, onde fora injustamente condenado por difamação, o que no original implicava pena de prisão e na versão americana só o dever de indemnizar.
Quanto a Rooney Mara, as expectativas eram muito superiores, por causa da interpretação aclamada de Noomi Rapace, uma autêntica força da natureza, gato bravo de olhar inquisitivo, onde se sentia, a par da agressividade latente, a inteligência que as sobrancelhas oxigenadas de Rooney Mara evaporam. De constituição frágil e sem olhar ninguém nos olhos, esta americana de 27 anos tem ainda a agravante de não passar por 23 (Rapace também não, mas tinha tudo o resto a correr de feição), a idade da personagem.
Podem saltar este parágrafo, sob pena de revelações precoces, mas a verdade é que não chega a constituir surpresa que o culpado seja o personagem interpretado por Stellan Skarsgard, actor de expressão odiosa, mesmo quando sorri. Afinal, este é o homem que humilhou a esposa de mil e uma maneiras, a mando do igualmente misógino Lars von Trier (Ondas de Paixão, 1996). Mas, também, porque, de entre os suspeitos, é o único que o guião dá minimamente a conhecer, com quem Blomqvist chega a privar, e um dos maiores prazeres de um escritor policial (e por isso também uma das suas fraquezas, no que concerne ao perigo da previsibilidade), é familiarizar o leitor com o assassino, para depois o surpreender com a sua verdadeira identidade. Claro que isso só funciona quando há vários suspeitos em pé de igualdade e o culpado é o que menos indícios apresenta. 
Oportunidade tristemente perdida para David Fincher de voltar à velha forma. Um Daniel Craig desmotivado e uma Rooney Mara tímida fazem logo estalar a pintura, mas é a dispersão, em vez de concentração, da narrativa, o que mais desilude. No original, havia duas histórias paralelas, que eventualmente se sobrepunham (quando os protagonistas juntavam esforços), mas o puzzle era de tal forma intenso que as sabíamos peças do mesmo jogo. No remake, as cenas que ajudam a caracterizar Lisbeth Salander parecem descartáveis, como se o todo se aguentasse sem elas. A violação, por exemplo, é muito mais perturbadora no filme sueco, enquanto que aqui é um pró-forma, com o público mais preocupado em absorver a nudez da actriz do que em contorcer-se, face ao choque, na cadeira.  
No pior dos pecados, a personagem de Lisbeth Salander é tratada com desprezo por Fincher e Zaillian. No final do filme, é ela quem, segura e implacável, entrega à justiça aquele que representa a pedra no sapato de Blonkvist, numa oferenda única a este indivíduo que ela vê como o primeiro  homem em quem pode confiar desde há muito tempo. Mas o remake reduz isso a um fait-divers, que ela tem de completar com um blusão de couro, como se Blonkvist fosse dar mais importância a uma peça de vestuário do que à queda de um inimigo. E, frágil, ela ainda se põe a jeito de um desgosto amoroso, em vez de ser Blonkvist o elo confuso na sua atracção pela mulher que lhe salvou a vida, não uma, mas duas vezes (por falar em salvar a vida, de onde surge aquele providencial taco de golfe quebra-maxilares, quando nada é indicado sobre Martin Vanger, cujo desporto é a caça, se dedicar a tacadas na neve?). Nesta machista reviravoltamainstream, fica a dúvida no valor de investigador de Blonkvist, já que é a filha dele quem identifica as notas de Harriet como bíblicas e Salander quem converte essas notas na identidade das vítimas; tudo o que ele faz é recolher fotografias…
he Girl with the Dragon Tattoo 2011

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