Inspirado no livro de Yoko Ogawa, O Dedo Anelar foi escrito e realizado pela francesa Diane Bertrand, que talvez alguém recorde deUm Sábado na Terra (1996). Enganadoramente, apresenta-se como um thriller erótico, mas está longe disso. Ainda que invulgar e curioso, é mais correctamente descrito como uma viagem ambiental sobre um território inquietante.
A personagem central, Íris, perdeu a ponta do dedo anelar na passadeira de montagem de uma fábrica de refrigerantes e procura novo emprego, divagando sozinha por sítios inóspitos (por exemplo, num estaleiro), aos quais a câmara de Alain Duplantier tira cauteloso partido. É por acaso que dá por si junto a um laboratório e se torna aí recepcionista. Simultaneamente à fria atracção que desenvolve pelo patrão, partilha o quarto de hotel com um marinheiro sem nunca se cruzar com ele, pois têm os horários cruzados: ele ocupa o quarto de dia e trabalha à noite; na véspera de embarque, quase invertem a situação, mas a concretização é frustrada.
O local de trabalho é um velho casarão perdido num bosque, ao qual Íris tem de chegar por ferry. A câmara não se detém muito no cenário exterior, preferindo a idade das paredes e o vazio interno. O laboratório é composto por corredores delapidados e escadas de madeira com corrimãos de ferro, quartos fechados e uma pequena piscina seca na cave. Anteriormente um albergue, mantém ainda duas hóspedes de idade, mas é dada a indicação de que há mais de 300 quartos e apenas um vazio, ocupado outrora por uma ex-recepcionista. Os diálogos são enigmáticos e esparsos, com alguns perto do final despudoradamente óbvios, mas nenhum chega a esclarecer os mistérios que circulam pela habitação.
O laboratório é especializado na preservação de objectos, que o perito chama de espécimes, e que define como coisas que as pessoas querem salvar, por motivos sentimentais, mas têm de esquecer para poderem prosseguir com as suas vidas. Uma menina quer conservar cogumelos que cresceram nas cinzas da sua casa incendiada, uma mulher a música de uma partitura, um velho oriental o seu tabuleiro de mahjong. Esses objectos não são restituídos ao donos, mas estes podem visitá-los se o entenderem. O que torna o negócio ainda mais bizarro.
A história é vaga e surreal, diluindo-se em matéria para conjunturas, mas a realizadora não dá mais do que pistas errantes para conclusões nunca abordadas, se é que as ambicionou. Essa indeterminação, em última análise, falha o filme enquanto história, pois tantas pontas soltas assumem-se como um trabalho incompleto, apenas esboçado. Podia ter sido mais.
Neste quadro de mistério e coqueteria visual, as melodias de Beth Gibbons, rosto feminino da banda Portishead, são como uma chuva de brilhantes que consolida o todo de forma deliciosa, faltando apenas mencionar o impressionante tour de force de Olga Kurylenko, estreia da bela actriz de Hitman (2007) e Quantum of Solace (2008). É a expressividade do seu rosto que encanta o cinéfilo, com o lamento de que o seu corpo seja desamparado pela má gestão de Diane Bertrand, que não consegue invocar o erotismo para além da embaraçada exposição da modelo. O enigmático e hirto Marc Barbé, como o responsável pelo laboratório, podia ser sósia de Aidan Quinn.
Quanto ao enredo, na sua etérea digestão, presta-se ao inquisitivo da temática e à multi-interpretação do desfecho. Terá sido tudo um sonho? Afinal, Íris desmaia após perder um dedo na fábrica e o filme termina quando ela parece ter feito as pazes com esse trauma, descalçando os sapatos oferecidos pelo patrão e saindo para a luz, leia-se realidade. Mas, também pode concluir-se que ela é a recepcionista do quarto vago, que o patrão soltou para “arejar” e que no final volta para a prateleira. Duas conclusões antagónicas, com espaço para mais, ficando o catálogo aberto para quem vier a seguir.
L’Annulaire 2005
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