Tuesday, May 14, 2019

Jogo Perigoso, de Mike Flanagan

Em 1992, Stephen King publicou dois romances autónomos, cujas narrativas corriam independentemente uma da outra, mas se cruzavam num momento de telepatia durante o eclipse que escureceu simultaneamente ambos cenários. Terror psicológico no seu melhor, Dolores Clayborne foi dedicado à mãe e O Jogo de Gerald à esposa e às irmãs dela. Dolores Clayborne foi tristemente adaptado ao cinema em 1995 por Taylor Hackford, incapaz de instilar emoção aos personagens sonâmbulos, apesar do guião de Tony Gilroy. O Jogo de Gerald apresentava um desafio superior, razão provável para ter demorado tanto a ser adaptado.

Mike Flanagan tem criado um nome para si no nicho dos realizadores-co-argumentistas de terror, com Jeff Howard aajudá-lo a transpor Occulus (2013), Somnia: Before I Wake (2016) Ouija: A Origem do Mal (2016) e dois episódios dA Maldição de Hill House (2018), entretendo-se ambos actualmente na adaptação de Sei O Que Fizeste No Ano Passado(remake do filme de 1997), ainda sem realizador anunciado]O Jogo de Gerald acaba por ter mais a ver com Hush(2016), que Flanagan escreveu com a namorada (entretanto esposa), em que uma surda-muda tentava sobreviver ao ataque de um serial killer dentro da sua casa no campo. Em O Jogo de Gerald, este e a mulher chegam à casa de campo para uma escapadela de fim de semana quando ele tem um ataque de coração e a deixa algemada à cama, a lutar pela própria sobrevivência enquanto um cão vadio se entretém a comer o cadáver e uma criatura de trevas a visita de noite. Stephen King, que nunca foi um mero escritor de sustos, colocou a protagonista (o livro mais valia ter-se intitulado Jessie's Escape) em constantes diálogos interiores com a versão puritana dela própria, uma boa amiga e a ex-psicóloga. O filme substitui estas duas últimas vozes pela do marido e a economia funciona, com Carla Gugino a fazer um brilharete e Bruce Greenwood a ajudar a cada passo. Kate Siegel, esposa do realizador, tem um pequeno cameo, ela que, em Hush, já tivera a oportunidade de, brevemente, partilhar o ecrã consigo própria. Henry Thomas, o Elliot de E.T. (1982), faz de pai em flashbacksMencione-se que a Netflix, no mesmo ano, estreou também a adaptação de 1922, outra história de King.

O Jogo de Gerald é a adaptação possível do romance híbrido, que liga a urgência da luta contra a morte por parte da protagonista com um lavar de roupa suja interior que lhe permitirá, finalmente, renascer como uma fénix, sem se esquecer da ligação ao eclipse que une a história à de Dolores Clayborne, menos evidente por não se sentir a necessidade de clarificá-la sem que haja intenção por parte da Netflix em readaptar esse livro. Há urgência na vontade de sobreviver para além das algemas que a prendem à cama de uma casa onde irá passar fome e sede até desfalecer numa morte agonizante, sem ninguém à vista para além de uma criatura fantasmagórica que a visita à noite e não deixará de ser esclarecida a contento. As soluções não são rebuscadas e, não se não se apoiando em óbvios jump scaresa narrativa vai-se alimentando da curiosidade da audiência até drená-la de qualquer relutância.

Gerald's Game 2017

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