Clássico giallo de Dario Argento, Suspiria é uma história de bruxas passada numa escola de dança alemã. O enredo é tão infantil que foi escrito para ser representado por crianças de doze anos, com a idade das actrizes a ser elevada para os vinte por critérios ético-comerciais impostos pela produção, não caía bem matar crianças inocentes em encenações de estética requintada em sadismo. Foi trocada a idade das vítimas mas mantida a ingenuidade dos diálogos, reage a essa imposição o realizador com um mergulho da imaginação no décor de padrões e palete a imitar Branca de Neve e os Sete Anões (1937) e a inquietante banda sonora dos Goblin (inspirada em Philip Glass) a tocar alta no set para arrancar representações de constante sobressalto, vive muito o suspense de Argento da constante colaboração com esta banda de rock progressivo italiana, com os cenários e a iluminação a lutarem por igual protagonismo.
Fiel à escola de cinema italiano, Argento conduziu as filmagens sem gravação de som, sendo a sonoplastia adicionadaem pós-produção, queixando-se Jessica Harper, a protagonista, da confusão de cada actor representar na respectiva língua, em autênticos diálogos de surdos, e haver carpinteiros a martelarem no estúdio ao lado durante a rodagem. Joan Bennett, como a directora da escola, queixou-se da desorganização e lentidão da produção italiana, em que a maquilhavam e vestiam para uma cena de uma fala com cinco horas de antecedência. A cidade alemã de Freiburg, onde se passa a trama, foi pronunciada Friburg na versão inglesa, cidade suíça sem relação. Uma frase em latim que soa clara na versão italiana é indecifrável na inglesa. A escola de dança foi recriada em estúdio em Itália, mas as cenas de exteriores foram filmadas na Alemanha. Há efeitos especiais de um amadorismo risível (uma personagem salta de uma janela para cima de vários rolos de arame farpado, mas é óbvio que se trata de arame normal, sem espinhos). Uma personagem com uma única cena (Udo Kier) traz luz a todo o mistério, falando de bruxas e complots despreocupadamente, algo que lhe terá sido confidenciado por uma personagem que parecia confidenciar também na protagonista, mas afinal a manteve na ignorância de todos os dados que lhe permitiriam fazer sentido dos acontecimentos bizarros que assombravam a escola.
Em larga medida, Suspiria é uma instalação artística de simplicidade naïf, mais preocupada com os sentidos do que com a concisão da narrativa e é nesse sentido que pode (e deve) ser saboreado, revelando-se quase inacreditável a competência da manta de retalhos num espectáculo audiovisual ditado pela surpreendente coincidência com que as partes se colam de forma coesa. É certo que ninguém ouve os saltos altos em soalho de madeira, mas também que asmaçanetas foram recolocadas à altura dos cotovelos das actrizes para que estas tivessem de abrir as portas com a mesma dificuldade que crianças.
Suspiria 1977