Bem Vindo Ao Turno Da Noite, o anterior filme de Sean Ellis, é uma curiosa fantasia pueril, que funcionou enquanto curta metragem (2004) e, numa cartada bem sucedida, como longa (2006). Estilhaços De Medo evidencia uma intenção similar. O guião, também de Ellis, pouco mais daria do que para uma curta metragem, mas, ao ser-lhe impresso um registo lento, introspectivo e complacente, dá por si com uma duração de 93 minutos.
Filme de terror atmosférico, tão sombrio e indefinido como a Londres que lhe serve de cenário, Estilhaços De Medo circunscreve-se no campo do suspense psicológico, a viver de um delicado poder de sugestão. Infelizmente, é um filme canibal, que se alimenta das carcassas de inúmeros antecessores, e tem muito pouco de intrigante, porque se lhe vêem as costuras depressa demais.
Quanto ao primeiro ponto, cabe desvendar, minimamente, o enredo. Durante uma reunião familiar, o espelho da sala parte-se, sem razão aparente. A partir do dia seguinte, outros espelhos vão ter o mesmo destino e sósias dos membros dessa família saem do interior. Não há aqui nada de surpreendente. Substitutos de humanos polvilham o imaginário das diversas versões de A Invasão dos Violadores (1956, 1978, 1993 e 2007). O Homem Que Assombrava A Si Próprio, filme de culto de Basil Dearden (1970, com Roger Moore), tem por base a existência de um duplo do protagonista. Os espelhos como janela para outra realidade também não são novidade, tendo-se o terror sul coreano apropriado desse artifício já neste século (Geoul Sokeuro, 2003), com remake americano incluído (Espelhos, 2008). Eles (2003) utilizava a escuridão de forma semelhante.
A Invasão dos Violadores, incontornável no género, vivia da insegurança de um punhado de humanos à preocupante proliferação de sósias, exacerbado com a dúvida da identidade de amigos e familiares. Estilhaços De Medo envereda por aí, mas a nível pessoal, sem envolver a ideia de conspiração global. A protagonista pensa ter visto uma mulher igual a ela, na véspera de sofrer um aparatoso acidente de automóvel, e que o seu namorado deixou de ser a mesma pessoa. Relativamente ao conceito da convicção de alguém estar na presença de um impostor idêntico a alguém que conhece, é curioso saber que a comunidade científica já catalogou esta ilusão em 1923, como síndroma de Capgras. Era este o pressuposto do filme A Mulher Do Astronauta (1999).
Estilhaços De Medo, pelas suas limitações, fica a moer no vazio, a anhar uma ameaça sem rosto e sem intenção definida, sem que fique explicado quem são estes sósias, de onde vêm nem o que querem. É um filme estático e abstracto, ao que não é estranha a presença do mono Richard Jenkins (Sete Palmos de Terra, O Visitante). Isto explica-se pela natureza de curta metragem, onde Sean Ellis se sente mais à vontade, mas que insiste em esticar até ao formato comercial, sem dar nada em troca senão um ambiente frio e soturno, uma banda sonora incomodativa e a bela Lena Heady (As Crónicas de Sarah Connor, 300), com direito a desnecessário mas grato instante de nudez. Michelle Duncan, também convincente de carnes, recria uma variação da cena de duche de Psico (1960), que coabita estranhamente com uma de Espelhos, do mesmo ano, onde outra loira (Amy Smart), igualmente nua, vê (e sente) ser-lhe impunemente feito algo desagradável a nível oral.
Estilhaços De Medo vive do seu twist final, daqueles que não explicam nada mas se pretende que, pelo menos, surpreendam pela sua inteligência. Claro que não há inteligência nenhuma no mais do que previsível twist. Esse filão foi esgotado por M. Night Shyamalan, em O Sexto Sentido (1999), onde o psicólogo que queria ajudar um menino que via fantasmas era, ele próprio, sem estar consciente disso, um fantasma. O chileno Alejandro Amenábar, autor dos fabulosos Tese (1986) e Mar Adentro (2004), ingressou por aí em Os Outros (2001), encalhando no mesmo ponto que Sean Ellis: depois deO Sexto Sentido, a mais ínfima pista denuncia o esquema.
The Broken 2008
Seus comentários são um desastre para quem ainda não viu o filme, pois você conta partes que deveriam ser descobertas ao longo do mesmo e mostra cenas que só deveriam ser vistas em seu momento.
ReplyDeleteentão é melhor veres o filme primeiro...
ReplyDeleteé impossível comentar certos filmes sem referir cenas específicas, ou porque estão bem feitas, ou porque não fazem sentido para a história, ou porque são a única coisa que os define.