Sem subterfúgios, levanta-se a cortina. Afinal, em menos de hora e meia estará tudo despachado. A primeira piscadela de olho é dada aTubarão (1975), ou não lhe fosse a Piranha original (1978) um directospoof (ao ponto de Roger Corman ter sido processado pela Universal). Richard Dreyfuss, o actor que há trinta e cinco anos escapou com vida a um grande tubarão branco, é a primeira vítima de um surto de piranhas pré-históricas, acabadas de escapar por uma fissura debaixo do Lago Havasu (Arizona). E é véspera de feriado, ocasião em que a marina estará sobrelotada de estudantes universitários em busca de bebida, banho e biquinis. Um festim para os recém libertados peixitos.
No início das suas carreiras, dois nomes grandes do firmamento de Hollywood (Joe Dante e James Cameron), dedicaram um recibo verde a estes peixes extremamente vorazes mas, pela amostra, nunca se olhará para cima para ver o francês Alexandre Aja. Aproveitando o sucesso do sobrevalorizado Alta Tensão (2003), rumou aos EUA para se dedicar a remakes dispensáveis: Terror Nas Montanhas (2006),Espelhos (2008) e Piranha 3D (2010). Venha o Diabo e escolha.
Os argumentistas Josh Stolberg e Pete Goldfinger decidiram jogar pelo seguro. Provavelmente a assistirem a um dos mais de cem vídeos softcore Girls Gone Wild, lembraram-se de que seria o ambiente ideal para largar um cardume de peixes assassinos. Ostoryboard dedicou-se, então, a pormenorizar as etapas da carnificina, mas deixou de lado o ingrediente secreto de um filme de terror: o terror. É verdade, há actrizes pornográficas (Riley Steele, Gianna Michaels e Ashlynn Brooke), mas não há suspense, medo nemcharacter development.
Se, do original para a sequela (Piranha 2, 1981), as piranhas ganharam asas, trinta anos depois adquiriram outra dimensão, mas não aquela que lhes fazia falta. Tubarão 3 (1983), afinal, já se via com óculos especiais e era risível. Tão inócuos como então, os efeitos visuais de Piranha 3D foram aplicados na pós-produção, na tentativa de apanharem o comboio do futuro na carruagem económica. Num spot publicitário, Adam Scott graceja que há CGI suficiente no filme para garantir-lhe uma nomeação para o Oscar de Melhor Animação.
O elenco parecia suculento, mas só se for ao quilo. Com personagens que se limitam a comer ou a serem comidas, os actores ficam limitados à mediocridade. As piranhas comem todos os banhistas, menos aqueles com boas apólices de seguro. Ainda assim, há sobreviventes a mais. Elizabeth Shue e Ving Rhames tentam manter a ordem (usar a hélice do motor de uma lancha como arma é uma estreia); Christopher Lloyd resume a imagem de cientista louco deRegresso Ao Futuro (1985), Adam Scott é um sismólogo que deixa o resto da sua equipa ser repasto (Dina Meyer ter apenas uma cena é o cúmulo do desperdício) e resta o silicone de Kelly Brook (para os fãs, tem um bailado subaquático lésbico nua, onde tenta por tudo estar sempre de costas para a câmara) e as presenças adolescentes da sensual Jessica Szohr e do atado Steven McQueen. Jerry O’Connell, histérico, interpreta o criador da série real Girls Gone Wild, reintitulado Wild Wild Girls. Eli Roth e Ricardo Chavira são quase miragens, convém não piscar.
A funcionar, é como paródia ou popcorn horror. Sabendo que a sua tarefa é apenas a de alimentar as estrelas de barbatanas, Alexandre Aja explora a básica diversão juvenil, com o silicone a brilhar mais do que as próprias piranhas. Os personagens são quase todos simpáticos, ao ponto de não haver ninguém que se queira especialmente ver devorado, e o gore é tão exagerado que rapidamente anestesia pela frontalidade, aliado a absurdos como o de matar piranhas a tiro.
A sequência do ataque à marina é composta por onze minutos de massacre, a cargo dos efeitos protésicos de Howard Berger e Greg Nicotero, misturados com gritos, água tingida e piranhas CGI. Nem tudo é competente, mas há imagens soltas que merecem referência: piranhas a comerem um pénis em close up, cabelo preso na hélices de uma moto de água (quando a hélice é posta a funcionar, o cabelo e a cara da vítima são arrancados, deixando o seu crânio à mostra), uma mulher cortada em duas por um cabo eléctrico (quando a parte de cima do tronco começa a separar-se da inferior, a qualidade do efeito é muito baixa), outra separada em duas metades quando, transportada por dois homens, aquele que lhe carrega as pernas tropeça, uma mulher de parapente que mergulha até ao peito e quando volta a subir já não traz tronco nem pernas…
Em suma, o filme falha o estatuto «demasiado mau para ser bom», mas o ritmo que o realizador lhe imprime é suficientemente energético para que as falhas sejam apenas perceptíveis após o fecho, ao fazer-se a retrospectiva do espectáculo, antes que a memória do evento se apague. Se os personagens tivessem oportunidade para respirar ou inúmeros figurantes não fossem pura e simplesmente carne para canhão ou esquecidos, o resultado poderia ter sido algo mais do que um mero remake dispensável. E já com sequela prometida.
Piranha 3D 2010