Os gritos podem não se ouvir no espaço, mas há mais de três décadas que têm repercussão por todo o planeta Terra. A princípio, nenhum estúdio queria pegar em Alien (1979), pelo seu elevado grau de violência, e só quando o realizador Walter Hill mostrou interesse pelo projecto é que a 20th Century Fox lhe deu luz verde. Apesar das rescritas que Hill (e David Giler) infligiu ao guião original (de Dan O’Bannon e de Ronald Shusett), não conseguiu sentir-se à vontade no ambiente de ficção científica e preferiu produzir apenas.
Ridley Scott, só com um filme no currículo (O Duelo, 1977), inspirou-se em Star Wars, 2001: Odisseia no Espaço eMassacre no Texas (que Dan O’Bannon insistiu que visse), para realizar o que foi vendido aos produtores como “O Tubarão no espaço” e se tornou um dos maiores sucessos de terror e ficção científica de sempre, despoletou três sequelas e engalfinhou-se com outro monstro sagrado, Predador, antes de regressar às origens.
Depois do reptilóide desenhado por H.R. Giger ter passado pelas mãos de James Cameron, David Fincher e Jean Caro, retorna às de Ridley Scott, que já em 2003 montara um director’s cut, justificado exclusivamente por ter sido encontrado, em Londres, um cofre com mais de cem bobinas consideradas perdidas. O realizador, porém, prefere a edição comercial de 1979. O mesmo acontece após assistir-se a Prometheus.
O que é, então, Prometheus? A Fox anunciou-o como reboot de Alien, mas Ridley Scott insiste que se trata de uma prequela indirecta, não só porque fica sempre bem inventar termos novos, mas porque o objectivo é amealhar com uma trilogia paralela. Nesse sentido, Prometheus tem tanto de prequela quanto, por exemplo, A Coisa (2011), que se limita a colocar outros personagens na mesma situação e deixa alguns cenários com o aspecto encontrado no original.
Portanto, os factos abordados em Prometheus precedem os de Alien, mas os paralelismos são tantos que é impossível não ligar os pontos: uma nave espacial (da tripulação, constam duas mulheres e um cyborg) é atraída para o mesmo planeta que a Nostromo (Alien), envia uma sonda ao planeta, são encontrados casulos e uma nave danificada, dois membros são atacados por facehuggers (agora parecem cobras), um membro feminino que é alvo de fecundação (Alien 3) e o monstro sai do seu abdómen (agora através de uma operação cirúrgica), a missão do cyborgnão é proteger a tripulação humana e no final acaba desmembrado.
Por aqui se vê que Prometheus não capitaliza em originalidade narrativa. Jon Spaihts escreveu o guião e Damon Lindelof andou a fazer-lhe anotações durante oito meses, durante os quais terá coçado tanto a micose como a cabeça. Para quem se tiver questionado sobre o space jockey encontrado pela tripulação da Nostromo no planeta abandonado, foram inventados os Engenheiros, que estarão na origem dos seres humanos. Quando são dois palentólogos que assim chamam aos antepassados do Homem, é porque se identificam como algo saído de uma linha de montagem e não de um laboratório de pesquisa. Caso contrário, chamá-los-ia de cientistas, não? Claro que a ideia de que a origem da vida na Terra é extraterrestre, se os Engenheiros fossem chamados de Cientistas, podia parecer provir, não dos escritos de Erich von Däniken, mas da interferência de L. Ron Hubbard. Quanto ao traço humanóide dos Engenheiros, nota-se a clara influência de Jean Giraud (Moebius), já inspirador dos storyboards de Alien, apesar dos produtores insistirem que vem da escola renascentista.
O rumo tomado por Prometheus é chão que já deu uvas. Reconceptualização indigente, podia perfeitamente intitular-se Alien 5, tendo-se limitado a um baralhar e voltar a dar descarado e pastoso. A estética das cabeças humanas gigantes já vem da Ilha da Páscoa e foi repescada por As Crónicas de Riddick (2004), os capacetes de astronauta parecem os globos das máquinas de brindes com cabeças de Barbie dentro, as imagens holográficas com recriações do passado activam-se porque sim, os antepassados dos humanos são skineads musculados com três metros de altura… mas o cúmulo da estupidez atinge-se quando uma mulher decide fazer um aborto num módulo operatório, com anestesia injectada pela própria durante o processo, sem perder a consciência nem a capacidade de locomoção, saltando da marquesa pelo próprio pé, com os agrafos de cicatrização acabados de aplicar.
Guy Pearce, numa apressada máscara de látex, desmoraliza em comparação com a inicialmente pretendida presença de Max Van Sydow e a banda-sonora de Marc Streitenfeld resume-se a adaptar à acção as dissonâncias que Jerry Goldsmith compôs para Alien. Gostava de ter uma palavra positiva sobre Noomi Rapace, Charlize Théron ou Michael Fassbender, mas nenhum justifica a caridade. Nada em Prometheus cativa, maravilha, encanta ou entretém. Parece tudo recauchutado, higienizado e insípido.
Prometheus 2012