Tuesday, June 12, 2012

A Divisão, de Xavier Gens


Dizer que Xavier Gens está como em casa não é muito. Em 2007, banhou-se em gore com Frontier(s) e tentou repeti-lo em Hitman, mas a Twenty Century Fox desligou-lhe a torneira, ao ponto de fazer tantos cortes e refilmagens que o nome do realizador chegou a estar em risco de não figurar nos créditos. Fechado no seu quarto a carpir tristezas e a incompreensão dos estúdios, Gens cruzou-se com o guião de A Divisão e imaginou-se a cumprir pena com aqueles personagens. O pior é que fez o mesmo à plateia.
A Divisão é uma trama pós-apocalíptica, com um grupo de sobreviventes barricado na cave do seu próprio prédio. Filmes sobre pessoas em espaços apertados vão sempre dar ao mesmo, ratos de laboratório que substituem a civilidade pela desconfiança, mesquinhez, paranóia e inevitavelmente terminam em violência e brutalidade.
É, então, neste arco de degradação física e mental, até à abjecção, que se espelham as relações de poder da sociedade feudal, com pendor para a humilhação física e psicológica. Invariavelmente, são filmes misóginos, onde o número de mulheres é inferior e, indefesas, acabam por submeter-se à simulação de aparelho sexual (até o comentário displicente do advogado à namorada: "Quando te conheci, não passavas de uma drogada"; não podia haver uma mulher profissionalmente bem sucedida, ali dentro?).
O homem é o seu pior inimigo, como tão bem sintetizara William Golding no seu livro O Senhor das Moscas e aqui não há desvios. O resto é papel de parede. Houve um ataque bombista, presumivelmente atómico, à cidade de Nova Iorque, que Xavier Gens soube veicular de forma excelente. Isto é, o primeiro impacto da bomba é visível através de uma janela e o pânico põe todo o prédio em corrida desenfreada pelas escadas abaixo, com um pequeno grupo a refugiar-se na cave, onde mora o porteiro. Tirando essa imagem reflectida no olhar da protagonista, não há mais explosões, notícias televisivas, informação relevante sobre quem terá lançado a bomba, nem efeitos especiais. Resta a cave suja e menos de uma dezena de actores a perderem peso, cabelo e o juízo.
A meio, uma estranha equipa de resgate, vestida em fatos protectores (emprestados de Armageddon, 1998, mas com capacetes do jogo de consola Halo) e armada até aos dentes, parece disposta a apenas resgatar crianças e mulheres bonitas, numa situação que corre mal e despoleta todo o tipo de desvios comportamentais. Ainda que dessa cena não advenha nenhum mal, o mesmo não poderá ser dito da outra, em que um dos sobreviventes utiliza o fato de um invasor morto na contenda e se aventura no exterior. É aqui que o argumento mais peca. Se houve, de facto, um ataque terrorista e Nova Iorque está em escombros, que corredores tubulares, calafetados e tentaculares, são estes por onde o personagem se aventura, que começam logo na porta da cave (como se esta tivesse importância) e como é possível que o piso esteja aplainado e liso, quando deveria ser uma montanha de cacos de muito difícil acesso? Já há retroescavadoras a limpar os detritos? Foi um ataque isolado? Qual será o perímetro afectado e quantos anos demorará a radioactividade a ser tolerada pelo ser humano? Bom, nada disto tem resposta, claro, porque o filme rapidamente regressa à cave bafienta.  
Outro facto ignorado é o da estranha subsistência de oxigénio, durante o que parecem semanas, num espaço fechado, cheio de pó e de pessoas a libertarem continuamente dióxido de carbono. Não se sabe a que propósito é blindada a porta para a cave, ou porque tem o porteiro do prédio uma despensa cuja porta é aberta por combinação, como a de um cofre, nem porque armazenou comida que daria para um exército. Além de que a porta da cave é aberta por duas vezes, permanecendo assim durante toda a cena em que a equipa de resgate se aventura no local – ora, se a radiação se transmite pelo ar, não interessa fecharem a porta ao fim de um quarto de hora de exposição directa.
No elenco, destaque para Michael Biehn, outrora o actor fetiche de James Cameron, e para a lindíssima Lauren German, mas também por lá andam Rosanna Arquette e Milo Ventimiglia. Referência final à frase que, nas circunstâncias certas, funcionou como a punchline do dia: “Estás orgulhoso de ti?”
A Divisão 2011

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