Tuesday, November 24, 2009

As Colinas de Sangue, de Dave Parker


As Colinas de Sangue começa com uma ideia minimamente inspirada e curiosa, o que no panorama actual quase passa por original, e isso que dá vontade de abordá-lo numa nota positiva, mas rapidamente se percebe que as estrelas de um hotel não podem contabilizar-se pela apresentação do átrio, quando o elevador não funciona, as escadas não têm luz e os quartos não são arejados.

Um estudante de cinema (Tyler) decide fazer um documentário sobre um filme maldito de 1982, um slasher do tipo Sexta Feira 13 (1981), retirado das salas devido a protestos populares. A não existência de cópias e o desaparecimento de todos os envolvidos na rodagem desperta o interesse, tanto mais que a única prova de que tal filme alguma vez existiu é um trailer grosseiro a flutuar na internet. Após encontrar a filha do realizador, uma criança à data da rodagem, Tyler reúne a sua equipa (o melhor amigo e a namorada) e os quatro seguem em busca dos locais de filmagens e das bobinas originais.

Dave Parker começa o filme de modo promissor. Uma legendagem sinistra, ao jeito da de Massacre No Texas (1974), a situar a acção face ao mistério da fita perdida, entrecortando o relato com uma criança a retalhar o próprio rosto, com efeitos visuais suficientemente credíveis para se querer mais. Fastforward para o presente e a impetuosidade do estudante de cinema, decidido a recolher o máximo de elementos sobre o filme The Hills Run Redpara o seu documentário. São situados os personagens e as diversas motivações. Segue-se a viagem. Vulgariza-se a trama. Entorna-se o caldo.

A ideia de um filme retirado de exibição devido a piquetes de protesto pelo seu conteúdo não é insólita, sendo notório o caso deSilent Night, Deadly Night (1984), em que comissões de pais se opuseram ao facto de o assassino se vestir como Pai Natal. Referência incontornável é também a lista dos video nasties inglesa, em que o BBFC (Entidade que classifica filmes e vídeos na Grã-Bretanha) baniu ou exigiu cortes a dezenas de filmes, que eram inclusivamente confiscados de clubes de vídeo.

As Colinas de Sangue peca, infelizmente, por desfazer a inventividade inicial numa poça de trivialidades. Primeiro, começam a surgir inconsistências e por fim os dois twists adivinham-se com incrível antecedência. Entre as fragilidades, a filha do realizador maldito, em adulta interpretada por Sophie Monk (é muito parecida com a actriz pornográfica Sylvia Saint), não aparenta sequer a idade do celulóide (a actriz tinha 3 anos em 1982); é feito o desmame involuntário a uma toxicómana numa curta montagem, após o qual ela fica totalmente restabelecida (no motel onde tem lugar a intervenção, nem gerente nem camareiras interromperam o processo, independentemente dos gritos da drogada); o melhor amigo e a namorada de Tyler têm sexo na ausência dele e o facto não volta para assombrá-los, o que torna a cena totalmente dispensável.

Apesar dos defeitos, As Colinas de Sangue apresenta um maníaco icónico, que devia ter sido melhor aproveitado. De seu nomeBabyface, ostenta uma máscara que está ao nível das de Michael Myers, Jason Voorhees e Leatherface. A carantonha conjuga o rosto de um bebé de porcelana com a mandíbula inferior visivelmente deslocada, dentes podres e, claro, uma careca com meia dúzia de fios de cabelo, porque nenhum monstro de baixo orçamento usa Dercos. Duas cenas acima da média merecem referência em relação a esta criatura. Ao contrário do comum dos maníacos do bosquedo, que só usa armas brancas, Babyface dispara casualmente sobre uma vítima que o defronta munida de flares, lembrando Indiana Jones e o árabe com duas espadas (Salteadores da Arca Perdida, 1981). Após ficar estabelecido pelo seu modo de deslocação e mutismo que é atrasado mental, ele sai-se com uma deixa absolutamente surpreendentemente: para tentar acalmá-lo, uma vítima embála-o com uma canção infantil, que parece fazer algum efeito, pela maneira como ele posiciona a cabeça; inesperadamente, ouve-se através da máscara, em tom perfeitamente normal: «Podes continuar a cantar, se te faz sentir melhor». Mas a deixa é claramente um add-on em pós-produção, porque o personagem não diz absolutamente mais nada, nem quando se debruça sobre a mãe assassinada, no seu momento Bambi.

Assim como Tarantino foi buscar o título de Inglorious Basterds ao nome alternativo de um obscuro filme de guerra italiano dos anos 60, também The Hills Run Red já foi um western de 1966. Eu teria preferido The Rivers Run Red, pela sonoridade mais completa, tanto mais que há rios que correm por entre zonas florestais, mas enfim. Se Dave Parker tivesse arriscado mais e filmado no estilo camp de Tobe Hooper, As Colinas de Sangue podiam ter atingido, na recta final, o pretendido nível de pesadelo, que só por inépcia nem sequer orlam. Os actores, apesar de não desmerecerem, também não são a mais fina flor. O único veterano da película é William Sadler, que nunca foi grande actor e a quem falta intensidade. Tad Hilgerbrink (Tyler) falha na cena mais exigente, em que deveria enlouquecer, como consequência do seu momento Laranja Mecânica sem pinças nos olhos (em Terror na Ópera, Dario Argento mimetizara o método de Kubrik com a simplicidade de um adesivo com agulhas). Pelos seus defeitos, As Colinas de Sangue ficam mais próximas de Hatchet(2006) do que de Sexta Feira 13. E fica por entender a razão para ter sido filmado na Bulgária, quando há bosques como aquele em todo o lado.

The Hills Run Red 2009

No comments:

Post a Comment