Da imaginação de Donald E. Westlake (multi-premiado autor pela Mystery Writers of America) e da visão neo noir do realizador Joseph Rubin, surgiu em 1987 Padrasto Assassino, um thriller psicológico sobre um psicopata que almejava a relação perfeita, através de contínuas tentativas com viúvas e divorciadas com filhos, a cujo seio faltava a figura paternal. Se a família escolhida não se portasse bem, cortava o mal pela raiz e começava de novo.
O actor Terry O’Quinn revelou-se um autêntico diamante em bruto, capaz de incendiar a tela com a sua multifacetada interpretação, mas a película sofreu uma distribuição limitada e foi um fracasso de bilheteira, ainda que tenha colhido algum merecido culto e despoletado duas sequelas. Apenas o facto de O’Quinn ser um indivíduo magro, calvo e não especialmente atraente impediu que a sua estrela brilhasse mais e mais depressa (algo que, em 1996, julguei que fosse acontecer a Edward Norton, mas esse sempre tinha cabelo). O’Quinn lutou por evidenciar-se nas séries JAG e Millenium,esta última de um Chris Carter que soube ler o seu olhar de sacrifício humano na cena de abertura do filme X Files Fight The Future(1995). Hoje, O’Quinn é Jonh Locke, na série Perdidos.
Contextualmente, O Padrasto é um fenómeno previsível. Sabemos o seu propósito e com quem vai lidar. Um homem simpático chega aos subúrbios, disposto a ser aceite pelos demais e a constituir família. Era o sonho americano dos anos '50, reabilitado pelos valores sociais da governação Reagan da década de '80, mas essa aparência de normalidade voltou a diluir-se na Wisteria Lane das Donas de Casa Desesperadas e na Disturbia (2007) do novo milénio, para dar só dois exemplos. O Padrasto Assassino construía-se pela interdependência dos personagens, todos eles parte de um projecto pronto a ruir como um castelo de cartas. Daí a importância de um realizador que soubesse apresentar as pequenas nuances de forma sub-reptícia, até não poderem mais ser imperceptíveis e com elas fazermos um colar de presságios, e de um actor que soubesse usar esse colar com orgulho. Em 1987 isso foi conseguido. Em 2009 atingiu-se o desnecessário.
A dupla Nelson McCormick (realizador) e J.S. Cardone (argumentista) não trazem nada de novo. Da mesma forma que se tinham enterrado com o nulo remake de Prom Night (2008), limitaram-se a pegar em alguns actores de televisão e em mexer um ensopado de restos. Dylan Walsh (Nip/Tuck, série 2003-2010) é embaraçosamente bidimensional como o padrasto titular, com um interruptor para acanhado e outro para indisposto. Sela Ward poderá ter sido escolhida devido à sua prestação como a divorciada mãe de família da série Começar de Novo (1999-2002), mas não se lhe vê a menor centelha da inteligência que terá interessado o Dr. House na temporada de 2006. Penn Badgley vem da série Gossip Girl e de outras de daytime TV e não é desta que se emancipa. Amber Heard é quem tem mais horas de longas-metragens no currículo, mas a loira voluptuosa entretanto perdeu as curvas e as bochechas e não passa de um caramelo anoréctico, sem o exotismo que se lhe lia desde All The Boys Love Mandy Lane (2006). Em O Padrasto está constantemente de biquini, mas em Os Informadores (2008) opta pelo topless.
Quando, em pleno clímax, o padrasto confunde as suas identidades e solta a confusa tirada «Quem é que eu sou aqui?», o público podia rir nervosamente com Terry O’Quinn, mas Dylan Walsh não encontra a menor boa vontade por parte da plateia entediada com uma premissa estafada e um desenvolvimento sem originalidade. Walsh é apenas um dissimulado Michael Myers com a máscara do pacóvio cirurgião plástico da série Nip/Tuck. Não é simpático nem tem presença, ficando por determinar o que pode a bonita Sela Ward ter visto nele (o que dizer então do seu visual na cena de fecho). Também não se assiste a um esforço consciente e continuado por parte dele em tentar manter a família unida, como se fosse suficiente matar quem se lhe mete no caminho. Os homicídios são entediantes e apressados, só para constarem, e falham em plausibilidade (o som de um videojogo é suficiente para ofuscar um homicídio no andar de baixo).
Paranóia sem sustos, O Padrasto é abismalmente inferior ao original e conta ainda com um final insatisfatório. Qual é o psicopata com fobia em ser reconhecido que deixa passar mais de um mês sem regressar para silenciar as testemunhas que deixou vivas? Especialmente quando uma delas está indefesa numa cama de hospital, em coma? E qual a marca do adesivo que usa ao pescoço, aparentemente milagrosa o bastante para curar uma ferida em comprimento no pescoço, que deveria ter rompido diversas veias indispensáveis à sobrevivência humana?
The Stepfather 2009