Saturday, November 17, 2012

The Nature of the Beast, de Victor Salva


Mesmo um filme menor de Victor Salva (Clownhouse e Jeepers Creepers), aprendiz de Coppola e realizador maldito, é interessante. Representações sólidas de Lance Henriksen e de um inacreditavelmente magnético Eric Roberts trazem o suspense ao limiar do sustentável e a interrogação é clara: o que vai acontecer a seguir?
Escrito e realizado por Salva, este filme não teve o impacto de Duel (1972) ou The Hitcher (1986), mas não deixa de ser um superior encontro entre dois desconhecidos na aridez do deserto americano e as consequências de um estranho jogo de gato e rato. Somos brindados com dois factos, logo à cabeça: há um assassino em série à solta na região e alguém roubou um casino e está em fuga. Será possível que essas duas pessoas estejam a partilhar o mesmo carro, ignorando quem é o outro? E qual o crime que cada um cometeu, será aquele que imaginamos ou o inverso? Ou será coincidência e temos apenas um mero oportunista a tentar fazer a vida de um coninhas num inferno? 
Talvez haja a lamentar coincidências a mais (estradas cortadas e a carrinha do casal ganzado) ou as inconsistências que o desfecho comporta (quantas horas se respira dentro de uma cova?), mas aceita-se que sejam consideradas amolgadelas ligeiras que não depreciam o veículo. A barriga falsa de Henriksen é que se nota a milhas…
The Nature of the Beast 1995

Actividade Paranormal 3, de Henry Joost e Ariel Schulman



Como aborrecer de morte um cinéfilo continua a seguir a cartilha da vídeo-vigilância, desta vez com um fantasma que não gosta de mobiliário ou trabalha para a IKEA. Depois de Oren Peli ter dado o pontapé de saída (2007) e de Todd Williams ter mantido a bola em jogo (2011), saltam dois realizadores para o seu lugar, o que podia não ter sido má ideia, já que o seu falso documentário Catfish (2010) usava a câmara subjectiva de forma sustentada. Mas, se o primeiro filme era uma curiosidade e o segundo insultava a audiência (pela repetição da fórmula), à terceira a culpa é de quem se predispõe a assistir.
Exceptuando o masoquismo, não há uma única razão para aguentar mais hora e meia de vídeos caseiros com eventuais portas que abrem ou vultos imóveis na sombra. O segundo filme levantava algum do véu, apresentando o fantasma como uma entidade demoníaca que fizera um contrato com a bisavó da família em troca de riqueza e agora, depois de dois lares terem sido possuídos e não sobrarem irmãs, viaja-se ao passado. Em 1988, o VHS era rei, as câmaras pesadas e a família ainda estava junta, pronta a sofrer as agruras de Toby, criatura invisível com ar de velho (diz a irmã Kristi, a única que consegue vê-lo) mas atitudes de imberbe. Se, no segundo filme, é dado a entender que o dito quer um varão para reencarnar, a verdade é que, neste capítulo, interrompe diversas vezes o ambiente copulativo ao casal que poderia dar-lho. Caminha-se a passo de caracol para um final anedótico e deste para um quarto filme. Deus tenha piedade dos pobres de espírito.
Paranormal Activity 3 2012

Thursday, November 8, 2012

Noriko’s Dinner Table, de Sion Sono


Alienada da família e da pequena localidade onde habitou os primeiros dezassete anos da sua vida, a introvertida Noriko foge para Tóquio, onde habitam as amigas que mantém através de um fórum de Internet. Lá conhece Kumiko ao vivo e entra no estranho negócio de roleplaying de que esta faz parte, num universo relacionado com o Clube Suicida, longa-metragem anterior do realizador (2001).
A Mesa de Jantar de Noriko é uma obra metafísica, transcendental, bizarra e onírica, centrada em personagens ambivalentes, perdidas e desnorteadas, alvos fáceis para o processo de lavagem cerebral que a sua inadaptação à realidade facilita e os media propiciam.
Depois do metafórico Clube Suicida dar rios de tinta em interpretações, o realizador sentou-se à secretária e escreveu Círculo Suicida: Edição Completa, um livro narrado por diversos personagens, em primeira pessoa, e que conta, de forma não linear, eventos anteriores, posteriores e passados durante o suicídio de cinquenta e quatro liceais que dá início à trama de Clube Suicida (2001). Esse livro daria origem ao filme A Mesa de Jantar de Noriko, onde, uma vez mais, o tema é o generation gap entre pais e filhos na sociedade japonesa actual, vazio que os jovens preenchem com o recurso aos media, seja através da televisão, música ou Internet, desligando-se assim de si próprios (adoptando nicknames) e dos seus (fugindo de casa). Estas famílias disfuncionais e as dos gatos vadios (expressão com significado interno) são, então, cortadas e fatiadas como sushi ou salmão e servidas à mesa em formato filme de terror.
A Mesa de Jantar de Noriko não é de digestão fácil. Bizarro na concretização do seu simbolismo, a mistura de realidade e fantasia embarga a percepção do espectador, pela inconstância do fio de terra, e a sua extensão (159 minutos) é excessiva. Sente-se, também a ingerência de saltos no tempo, como se o autor não se preocupasse em como passar de um ponto a outro, optando por ignorar acontecimentos intermédios em que não quis pensar.
Estruturalmente disposto por capítulos, como no livro que lhe deu origem, o filme demora a cativar, assentando pesadamente na narração analéptica, as imagens a funcionarem como gravuras da voz off e as pontas deixadas soltas por Clube Suicida não são atadas: o objectivo do suicídio em massa das cinquenta e quatro estudantes e a fonte do site de Internet com as cinquenta e quatro bolas vermelhas permanecem inexplicados. A tratar-se de uma acção concertada da Organização que se financiava coma a actividade de roleplaying, foi, no mínimo, um despedimento colectivo. Mas, não se tratando de uma sequela directa, importa dizer que o tratamento da trama central atinge graus de elevado suspense e satisfaz plenamente, ainda que entre pelo campo do surrealismo e tenha dificuldades em regressar, resvalando e chiando em mais do que uma ocasião.  
De notar que 2005 foi um ano cheio para o realizador, que também completou Into A Dream e Strange Circus. O primeiro foi mais tarde desenvolvido em livro e, no segundo, reuniu as qualidades de realizador, argumentista, compositor e director de fotografia. Mais recentemente, desenvolveu a trilogia do ódio: Love Exposure (2008), Cold Fish (2010) e Guilty of Romance (2011).
Noriko No Shokutaku, 2005

The Suicide Club, de Shion Sono


Suicídio ou homicídio, parece ser a questão que se coloca depois de cinquenta e quatro liceais se lançarem de mãos dadas à linha do comboio, a tempo de espalharem sangue e órgãos por quem ficou na plataforma. O mistério adensa-se consoante a população cai como moscas, aparentemente influenciada pelo sucedido na estação de Tóquio, ou manipulada pelo mesmo responsável. Sacos Sport Billy com rolos de pele humana, cosidos em pequenos rectângulos, são deixados nos locais. Um site da Internet configura cinquenta e quatro bolinhas vermelhas. Uma voz de criança, constipada, pergunta ao telefone se o interlocutor se sente em contacto consigo próprio.
Escrito e realizado pelo controverso poeta e artista plástico Shion Sono, Clube Suicida tem de ser enquadrado na ambiguidade de uma instalação artística, apenas parcialmente interessada numa narrativa linear. Assim se compreenderá que as pistas, por mais intrigantes que sejam, não tenham o propósito de fazer avançar a acção, mas atrasá-la. A projecção parece, inclusivamente, perder o rumo, ao cabo de uma hora, esticando-se num medley onírico onde ninguém está a salvo da loucura suicida. Para além de eliminar o suposto protagonista ainda no adro, o final sabe pouco a desfecho. Fica por negar a capacidade de Shion Sono em criar uma atmosfera incomodativa e delinear um mistério coeso.
Spoiler interpretativo: Há quem encontre a resolução do enigma no conto do flautista de Hamelin (Pied Paper), mencionado de passagem por um polícia que o compara à televisão, e assiste-se ao obsessivo bombardeio de excertos de uma canção de sucesso, dirigida ao público escolar, que funcionaria como a melodia de lavagem cerebral, através da qual o flautista conduziu as crianças de Hamelin até ao abismo, de onde se lançaram: a estação de comboios. Fica por deslindar se o realizador japonês terá adaptado o conto germânico, confundindo a audiência com pistas falsas, já que os rectângulos de pele que o misterioso adulto encapuçado arranca às omoplatas das crianças com uma plaina ficam por explicar, assim como a sua motivação, mas a metáfora é sã: a obsessão pelos media leva a nova geração ao abismo e só se salvará quem se lhe provar imune (estar em contacto consigo próprio), os outros estão a desperdiçar a sua vida e, como tal, não merecem vivê-la (sucedendo-lhes a morte através da instigação ao suicídio).
Jisatsu sâkuru 2001