Saturday, October 1, 2011

O Caçador de Trolls, de André Ovredal

Três universitários decidem seguir um indivíduo misterioso que, segundo os caçadores da região, não tem licença de caça, mas aventura-se nas montanhas todas as noites. Quem será? O título não deixa muito à imaginação. O prólogo, com letras brancas em fundo negro, também não. Afirma que dois discos rígidos foram encontrados e que o resultado, após montagem, é o que pode ser visto adiante. Pois sim.

Portanto, devemos acreditar que três imberbes estudantes se aventuraram no meio dos fiordes noruegueses para filmarem um documentário cujo propósito não é claro (a época de caça ao urso?), seguindo indiscretamente (com equipamento de imagem e som profissional) um indivíduo armado e perigoso, que poderia pôr-lhes termo à vida em qualquer bosque nocturno. Sem mencionar que poderiam ter sido alvo de qualquer outro caçador de ursos do território, a andarem furtivamente pelas matas à noite.

André Ovredal não sabe fazer cinema. Não sabe escrever, não sabe contar, não sabe filmar. Há dez anos atrás, ele e um amigo fizeram uma porcariazita (Future Murder, 2000) que nem como curta-metragem se safava e agora volta à carga, com o que achou ser a solução para a sua ineptidão: um filme de câmara ao ombro, sem preocupações com enquadramento, gestão de espaço, direcção de actores, montagem ou guião. Afinal, se outros levaram a sua água ao moinho em detrimento da falta de talento, porque não ele.

Desde que Blair Witch Project (1999) fez disparar o género, qualquer zé ninguém com uma camcorder se tem empenhado em vender às distribuidoras os seus vídeos caseiros, ao ponto de estas ripostarem com as suas próprias encomendas. Histórias de terror simplórias, com entidades sobrenaturais ou serial killers (The Poughkeepsie Tapes - 2007, Alone With Her - 2006), cingindo-se ao interior de uma casa (Actividade Paranormal - 2009), prédio (Rec - 2007) ou cidade inteira (Cloverfield - 2007), invulgarmente espalhando-se por um terreno mais alargado (Monstros - 2010, O Diário dos Mortos, 2008). Até já assim se filmou no interior de uma gruta (A Caverna – Within2005) e nas casernas do Iraque (Censurado). Em 2008, os americanos fizeram o remake de Rec (Quarentena) e a Summit Entertainment já comprou os direitos de O Caçador de Trolls para um remake a estrear em 2014.

O Caçador de Trolls usa o mesmo artifício que Blair Witch Project: as filmagens foram encontradas, editadas e exibidas e está tudo dito, se não prestam a culpa é de uns estudantes que desapareceram. Esse é o primeiro defeito de O Caçador de Trolls. Não se interessar por apresentar um objecto coeso nem criar empatia com o público. Estudantes de quê, de jornalismo, de cinema, de política ambiental? Nenhum dos três jovens explica isso, nem têm entre si conversas que nos permitam perceber que são alunos, colegas de trabalho ou, sequer, amigos. O cameraman morre na incursão a uma gruta e a única preocupação dos restantes está em substituí-lo; não informam a família, a polícia ou a faculdade, apenas se limitam a contratar uma nova operadora de câmara. O caçador de trolls é outro: a sua missão é secreta e sancionada por uma unidade governamental, mas ele não se importa de levar os documentalistas consigo nem de contar-lhes todos os segredos do ofício, apesar de ser avisado a não fazê-lo. No final do filme, é suposto essa mesma unidade governamental fazer desaparecer os estudantes. Mas não teria sido mais simples confiscar-lhes o equipamento? Quem iria acreditar na sua história?

O que dizer dos trolls, propriamente ditos? São criaturas peludas, desengonçadas, pouco ameaçadoras e que têm cabeças que são um cruzamento entre papa-formigas e os velhos dos Marretas. Não passam de decalques na própria película, metade fatos de Carnaval, metade desenho animado. E os ursos utilizados foram comprados na mesma loja que os porteiros das lojas Natura. Ah, e os trolls tornam-se violentos quando cheiram cristãos, o odor do catolicismo é-lhes insuportável. A que cheira uma religião? Só eles sabem.

Dizer que a profissão de caçador de trolls é solitária é um eufemismo. É que a equipa atravessa regiões inteiras da Noruega e não há um segundo caçador à vista. Não deveriam cruzar-se com outros operacionais? Ou Hans é o único, para tantas dezenas de trolls? Ficam as paisagens naturais, entre chuvosas e nevadas, para quem tiver a Escandinávia como destino turístico em mente.

Trolljegeren 2010


Actividade Paranormal 2, de Todd Williams

Em 2007, foi efectuada uma enorme campanha de promoção a um filme de terror amador, filmado com uma câmara de vídeo pessoal, técnica que, desde Blair Witch Project (1999) já tinha sido utilizada por uma grande quantidade de gente. O selo de qualidade vinha de uma cópia caseira ter eventualmente assustado tanto Steven Spielberg que este tivera de deitar fora as cuecas usadas durante o visionamento e o leitor de DVD onde assistira ao filme, com medo de tocar no disco. O que só prova que Spielberg se assusta com qualquer coisa ou já dera início à campanha de promoção de Actividade Paranormal, cuja distribuição sugeriu ele próprio à Paramount, e ainda que fosse alterado o final, de maneira a tornar possível uma sequela.

Entretanto, o manto de autenticidade foi levantado e Actividade Paranormal 2 não passa de um mal necessário. Quatro argumentistas e um realizador com mais experiência (A Porta No Chão, 2004) não trouxeram nenhuma mais valia. A escolha de uma actriz (Sprague Grayden) já sobejamente conhecida da televisão também não ajudou à credibilidade. A sequela é igualmente uma prequela, com lugar antes, durante e depois do que aconteceu no primeiro filme. Agora, a acção passa-se na casa da irmã de Katie e Micah (os protagonistas do primeiro filme). Se aqueles não eram intelectualmente estimulantes, a família de Kristi vai pelo mesmo caminho. Pelo menos, Molly Ephraim, a representar a filha adolescente, é agradável à vista, se comparada às filmagens monótonas dos vários locais da casa protegidos com vídeo-vigilância.

Não há como adoçar a pílula: Actividade Paranormal 2 é uma frustrante perda de tempo e uma lição a quem não a aprendeu com o original. Uma vez mais, é um filme que põe a audiência a olhar para gravações vídeo onde nada acontece, atenta a cada sombra que justifique o compromisso. Aos 35 minutos, o único facto assustador é uma panela que cai do suporte vertical, na cozinha (provavelmente, o fantasma queria uma omeleta e não sabia pedir). Mais tarde, a entidade aprende a ligar a televisão durante a noite e, numa dessas sessões, deve ter visto o Sexto Sentido (1999), porque se lembra de abrir todas as portadas dos armários da cozinha de uma só vez, assustando a dona da casa, que até então andava só desconfortável (a queda da panela não lhe saía da cabeça). Também retira um bebé da sua cama gradeada, mas numa montagem cheia de cortes, para não se perceber como foi feito. A cena que envolveu mais logística terá sido outra, onde Kristi é sugada do primeiro andar até à cave. Ou usaram um aspirador industrial, ou apagaram os cabos na pós-produção.

Se fosse feito um fastforward para as cenas boas, rapidamente encontraríamos os créditos finais. Quanto às explicações para o mistério, não há como a imaginação de uma adolescente e a Internet. Meia dúzia de clics e já aventura que uma bisavó de Kristi poderá ter feito um pacto com um demónio para se tornar rica e que o demónio quer em troca o seu primogénito, coisa que não nasce de um ventre da família desde a década de 1930. Mas, cabe perguntar, se aquilo que a entidade quer é o bebé Hunter, para que desperdiça a sua eternidade a abanar panelas e a bater com portas, em vez de ir directamente ao pote? Teve meses para fazê-lo. Até podia ter largado uma panela na cabeça do bebé.

O uso da câmara subjectiva também se torna anedótico, pelo uso excessivo. Em muitas cenas, não é mesmo aceitável. De qualquer modo, reconhece-se o esforço de tentar manter a essência do filme original e unir as pontas soltas, nomeadamente como o fantasma transitou da casa de Kristi para a de Katie. Claro que, se o que o fantasma quer é o bebé, não faz o menor sentido. Oren Peli, o realizador do original, ocupa funções de produtor aqui e em Insidioso(2010), uma variação do mesmo tema.

Paranormal Activity 2 2010


Catfish, de Henry Joost e Ariel Schulman

Abby Pierce, uma menina de oito anos do Michigan, enviou ao fotógrafo nova-iorquino Nev Schulman, de vinte e três, uma pintura baseada numa fotografia dele. Nev ligou-lhe a agradecer. Antes que se desse conta, tinha adicionado à sua conta do Facebook Abby, a mãe dela, Ângela, e a meia-irmã, Megan, uma cantora e modelo de dezanove anos com quem entabulou uma relação mais íntima, através da Internet e telefone. Nev, o irmão Ariel e o amigo Henry Joost vivem e trabalham juntos, na área do audiovisual, pelo que foi natural para todos que os eventos fossem filmados desde o primeiro momento. E se tenham sentido compelidos a continuar, mesmo quando os contornos da história se tornaram menos claros.

Depois de apanhar Megan numa primeira mentira, Nev começa a reavaliar toda a relação idílica entretanto construída ao longo de meses. Enredado nas dúvidas de uma teia de enganos, decide confrontá-la, longe de imaginar o que iria encontrar na pequena cidade do interior rural do Michigan onde mora a denominada família Pierce. O mistério é desvendado, mas tem o seu preço.

Muitas vozes têm duvidado de autenticidade de Catfish enquanto documentário, mas nenhuma do seu poder intrigante ou da agitação provocada enquanto thriller. Nev, Ariel e Henry sustêm que tudo o que foi filmado é real, apenas sujeito a montagem (com introdução de separadores animados ilustrativos e da reprodução posterior de algumas páginas do Facebook, entretanto apagadas), mas que nenhum evento foi encenado para enfatizar o seu efeito. Esta óptica tem sido contestada por parte da crítica e do público, que considera demasiado conveniente existir metragem desde o inocente início da narrativa, quando não se adivinhava que fosse dar material para comercialização. A mesma asserção consta de dois processos judiciais a correr contra a distribuidora de Catfish, por infracção de direitos de autor relacionados com canções utilizadas na banda sonora. Há uma autorização tácita para o seu uso por documentários, que pela própria natureza não podem controlar o que rodam, enquanto que uma obra de ficção carece de permissões das discográficas, que não foram pedidas.

Factual ou ficcionado, Catfish circunscreve-se num ciclo de filmes que se tem centrado no logro perpetrado através das novas tecnologias, nomeadamente das redes sociais, a maior parte das vezes por parte de predadores sexuais que visam jovens adolescentes para fins criminosos (Megan Is Missing, Perigo Online). A premissa de Catfish é, nessa perspectiva, original, tornando-se ainda mais arrepiante pelo facto de, vamos acreditar, reflectir factos reais. Mas, mesmo se seja rejeitada a tese da veracidade da história, identificando-se na sua génese como algo próximo de Blair Witch Project (1999), continua a ser um documento (não documentário) importante na desconfiança com que a Internet continua a ser encarada.

Outro elemento introduzido por Catfish é o do roubo de identidade virtual, tão simples como criar um perfil falso e adicionar fotografias de terceiros, atribuindo-lhes nomes, conversações e vivências. O trio vem a descobrir que a persona online de Megan se alicerçou em fotos de Aimee Gonzales, modelo canadiana e fotógrafa amadora, copiadas do seu MySpace e do site Model Mayhem, sem o conhecimento desta. Esta invasão de privacidade é apenas uma das confissões de Angela Wesselman-Pierce, mãe de Abby, num clímax intenso e surpreendente.

No meio do suspense, fica também a desculpabilização pela criatividade, sendo a Internet um meio tão peculiar e cheio de possibilidades, que permite em simultâneo alguém ter milhares de amigos e seguidores, mas não apaga a frustração de uma existência presencial vazia e solitária. Há muitas formas de encarar Catfish: logo à cabeça, como documentário ou fraude, mas também como uma intriga criminal e advertência aos perigos da Internet. Seja qual for a óptica, permanecerá como o filme que, em 2010, mais interrogações e polémica gerou, tanto pelo tema como pela forma. A usurpar ou não o género documental, é um objecto consistente, curioso e emocionante.

Catfish 2010


Desabitado, de Bill Bennett

Um casal propõe-se passar dez dias numa paradisíaca ilha deserta dos recifes australianos, mas não conta com a presença de um fantasma. Para um realizador com 17 títulos no currículo, Bill Bennettmais parece estrear-se com Desabitado, porque se associa um primeiro trabalho a algo tosco, porventura promissor, mas longe de ser um objecto acabado. Desabitado não é promissor.

Tirando a esguia presença da agradável Geraldine Hakewill, nem as paisagens naturais compensam o argumento preguiçoso e estéril, que acaba por definir-se por uma cabana no meio da ilha, onde repousa um livro que conta a história de uma indígena que foi violada por sete brancos, na década de 1920, que leva o fantasma da vítima a vingar-se em todos os homens que chegam à ilha. Como é uma ilha minúscula perdida no oceano, a fantasma já deve estar destreinada das artes da vingança, porque leva vários dias a fazer o que afinal não demora mais do que alguns minutos, que é apunhalar o turista. Durante esses dias intermédios, limita-se a remexer a bagagem do casal recém-chegado e a cirandar à sua volta, deixando na areia pegadas que se perdem no vazio, emitindo de longe ruídos próximos do choro de uma criança.

Por explicar fica como é que a fantasma sabe reconhecer e identificar um telemóvel, tecnologia inventada mais de meio século depois da sua morte, ou manuseia com facilidade uma câmara de vídeo de bolso, adivinhando por impulso o significado de botões como rec e zoom. Antes de atribuir a culpa dos insólitos à fantasma, o casal protagonista convence-se de que é tudo acto de crianças (as pegadas encontradas são pequenas), apesar de terem viajado para aquela ilha de veleiro e não haver nenhum sinal de humanos em redor… terão imaginado que essas crianças viveriam sozinhas, como no livro O Senhor das Moscas, ou que eram nadadores olímpicos, capazes de atravessar longos braços de mar entre ilhas distantes? A meio do filme, o casal é atacado por um par de marinheiros que falam uma língua do leste, amarrado e amordaçado, mas depois de conseguirem libertar-se, não ficam de vigília até de manhã, preferindo dormir ao ar livre, dentro dos próprios sacos-cama – sem medo de que os meliantes regressem.

Se a própria história do fantasma não fosse pindérica o suficiente, as falhas de lógica apontadas só afundam mais o projecto. E é embrutecedor como uma cientista (bióloga marinha) acredita tão facilmente em almas penadas, mesmo sob a veemente súplica racional do namorado (de profissão incógnita). No cartaz e no prólogo, tem ainda o desplante de afirmar que se baseia em factos reais. Provavelmente, estes cirgir-se-ão à existência da ilha.

Uninhabited 2010