Possuída por conjunturais vagas de embrutecimento, Hollywood conjura autênticos desperdícios de película, e nem sequer pisca os olhos. Entregar um argumento sem madeira a um realizador sem faísca e ainda deitar-lhe um balde de água fria, com a escolha do actor principal, não é, decididamente, a melhor forma de conduzir um auto de fé.
Algures pelo século XIV, dois sanguinários cavaleiros abandonam as Cruzadas, devido à desavinda com um clérigo. Sim, até aí apostavam alegremente em quantas centenas de homens conseguiam trespassar com as suas espadas (seiscentos era a proposta para a primeira batalha onde os encontramos), mas ao invadirem uma cidade fortificada onde matam mulheres e crianças, decidem desertar. Enviuvar e orfanar está muito bem, agora trespassar inocentes (aparentemente, os homens são inerentemente culpados) é que não. Ao regressarem ao país natal, têm a cabeça a prémio e aceitam uma incumbência em troca da absolvição: levar uma prisioneira, suspeita de bruxaria, até um mosteiro longínquo, para que seja julgada e a peste negra, que assola a região, se extinga com ela. Ainda atormentado por ter morto mulheres (só o vemos matar uma) em África, o herói (se acaso pode chamar-se assim a um assassino) hesita entre condenar à partida a prisioneira à sua guarda ou considerá-la mais um bode expiatório da superstição local. No final, ficam os efeitos especiais risíveis e uma produção constrangedora. Há demónios, mas antes não houvesse.
Apesar do argumento de Bagi F. Schut andar por aí desde 2001, o início de Época das Bruxas parece imitar o de Robin Hood (2010), o que só por si não é coisa boa, e piora. Por outro lado, um filme tão mau dá espaço para que se entretenham interpretações tangenciais à trama e se disseque a História, extraída de frases e situações avulsas. Primeiro, o discurso belicoso dos clérigos que comandam os Cruzados: «Em nome do Senhor, matar os infiéis, matar, matar». A Igreja lidera pela ameaça e pelo medo. A absolvição dos pecados faz-se em troca de militância, numa visão que privilegia a conveniência e não a abnegação. A quebra de contrato com a Igreja não dá excomunhão, mas cadeia. As mulheres menos submissas aos desígnios masculinos são condenadas por bruxaria. As confissões de bruxaria são extraídas com a sempre fiável tortura.
Estas ideias interessantes são servidas como fast food, meras palavras ocas, copiadas e proferidas sem conhecimento do seu significado, compostas apenas para preencherem o cenário enquanto as espadas não se erguem. Depois da trôpega mas racional crítica à igreja católica, chega a melhor frase do filme, Vamos precisar de mais água benta (referência a Vamos precisar de um barco maior, deO Tubarão) cujo efeito anedótico só merece a resposta de que, nem com toda a água benta do mundo…
De resto, é mais um filme com Nicolas Cage, outrora um actor de talento razoável, que depois do Óscar (Morrer Em Las Vegas , 1995), achou que nada mais tinha a provar e desenvolveu um conjunto de tiques para simular reacções específicas, alheando o cérebro do processo de representação; pode ter funcionado para ele, mas o público nunca confundiu o equívoco. No mesmo ano, enfrenta bruxas e faz de feiticeiro (O Aprendiz de Feiticeiro, 2010) com o mesmo desinteresse.
Dominic Sena é outro equívoco. No meio de videoclips para Janet Jackson e Sting, estreou-se na sétima arte com o curioso mas desperdiçado Kalifornia (1993), regressando atrás das câmaras apenas ao virar do milénio, trabalhando com Nicolas Cage (60 Segundos, 2000) e com John Travolta (Swrdfish, 2001). A luz do dia só voltaria a vê-lo no amaldiçoado Whiteout (2009), um projecto de Joel Silver (produtor de Matrix) que a Warner Bros hesitou durante dois anos em distribuir, entendendo-se perfeitamente a sua opção.Época das Bruxas é outro que nem devia ter sido feito.
Os efeitos especiais estiveram a cargo da Tippet Studio. Phil Tippett destacou-se como animador de stop motion na Industrial Light & Magic (primeira trilogia da Guerra das Estrelas e Indiana Jones) e criou a sua produtora para desenvolver RoboCop (1987), mas com o advento da CGI passou para a supervisão de efeitos: Parque Jurássico (1991), Coração de Dragão (1996) e Soldados do Universo(1997). Recentemente, encontramos a sua produtora associada aos vergonhosos efeitos da saga Crepúsculo (2009-2011). Em Época das Bruxas, a sua prestação é embaraçosa, comparável a um banalvideojogo com demónios.
Season of the Witch 2010
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