O sueco John Ajvide Lindqvist adaptou o seu romance Let The Right One In, publicado em 2004, ao cinema (Deixa-me Entrar, 2008), uma história de vampiros passada nos arredores de Estocolmo, no início dos anos 80. O realizador Thomas Alfredson, pouco versado no folclore de caninos afiados, filtrou o argumento, despojando-o de praticamente todo o mito e conservando apenas o básico. Isso provou ser exactamente o que o filme precisava, já que, desta forma, pôde centrar-se nas duas crianças protagonistas, um menino alvo de bullying na escola e uma menina que não se lembra da última vez que soprou velas de aniversário.
Ser aclamado pela crítica e por júris internacionais tornou inevitável um remake americano e Matt Reeves, sem nada para fazer desdeCloverfield (2007), regozijou quando Thomas Alfredson recusou a oportunidade de voltar a fazer o mesmo filme. E copiar foi o que aconteceu, de forma tão abusiva que, nesta recriação cena a cena do original, a única diferença é, praticamente, a insistência no tom sépia e as feições dos actores. Que Matt Reeves se atribua créditos de argumentista é tão abusivo como aconteceu com Quarentena,remake do espanhol [Rec] (2007), onde John Erick Dowdle se apropriou do argumento de Jaume Balagueró e Paco Plaza e colocou nos créditos que era seu e da esposa.
Esta sensação de papel químico faz de Deixa-me Entrar (2010) um objecto redundante, já que as únicas alterações são dois fugazesframes, um que tira do original e outro que lhe imprime. No romance, a vampira não era uma menina, mas um menino capado num estranho ritual. Em Deixa-me Entrar (2008), optou-se pela indistinção de um relance genital, onde são visíveis cicatrizes inexplicadas; Deixa-me Entrar (2010) omite a vagina mutilada, não questionando o género sexual da personagem. O frame acrescentado é de uma foto antiga, que mostra a vampira com um rapaz, presume-se que o seu protector, no original presumivelmente pedófilo, simplesmente cuida dela desde a adolescência (algo que cria um paralelismo com a situação actual, mas uma incongruência: como é que duas crianças de doze anos sobrevivem fora do radar tanto tempo?). Tirando isso, o enredo é igual nos dois Deixa-me Entrar (a distribuição portuguesa, ao atribuir o mesmo título a ambas versões, ainda o acentua). Muitos elementos do romance continuam, portanto, fora da película.
A nota central de Deixa-me Entrar é a melancolia, arrastando a história por lugares comuns sem encontrar o seu nicho, pecando por preocupar-se exclusivamente com a estética e esvaziando os personagens de emoção, marionetas sonâmbulas que se deixam conduzir sem motivação para além da escrita. Enquanto que, emDeixa-me Entrar (2008), se vive uma história de amizade entre duas crianças de doze anos, em Deixa-me Entrar (2010) repete-se a mímica, mas com uma frieza que raia a indiferença. Kodi Smit-McPhee (A Estrada, 2010) e Clöe Moretz (Kick Ass, 2010) não têm a menor convicção, reduzindos a meras figuras friorentas num ambiente que as transcende. O trio de bullies também é desprovido de alma e nem o sorriso malicioso de Dylan Minnette (será possível alguém ter realmente este apelido?) lhe dá a menor intensidade.
Deixa-me Entrar (2010) é desprovido de chama, mas não deixa de ter a mesma história consistente e o mero seguimento do storyboardgarante a qualidade do entretenimento, lamentando-se só não ter havido uma entrega mais emotiva, uma maior paixão pelo material.
Let Me In 2010
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