O sucesso do Lobisomem na década de 40 fê-lo surgir em quatro outros filmes, sempre como personagem secundário (Frankenstein Meets Werewolf, House of Frankenstein, House of Dracula e Abbott & Costello Meet Frankenstein) e com o mesmo actor por baixo da pilosidade excessiva (Lon Chaney Jr.). Os anos 80 viram-no ressurgir em massa, com as novas técnicas animatrónicas e de maquilhagem a permitirem mutações mais visualmente gratificantes. São casos disso a saga The Howling (com seis filmes entre 1981 e 1991), O Lobisomem Americano em Londres (1981), A Companhia dos Lobos(1984), O Lobijovem (comédia adolescente com Michael J. Fox, 1985), Bala de Prata (Baseado no livro de Stephen King, Cycle of the Werewolf, 1985) e até o videoclip de Thriller, do cantor Michael Jackson (dirigido por John Landis, realizador de O Lobisomem Americano em Londres). Os anos 90 cansaram-se do bicho, com O Lobisomem Americano em Paris (1997) a ser recebido com frieza.
No novo milénio, nem Ginger Snaps (2000), apesar de ter tido uma sequela e uma prequela, nem Dog Soldiers (2002) saíram da obscuridade e a dupla Kevin Williamson e Wes Craven (Gritos, 1996) envergonharam-se com a apresentação de Amaldiçoados (2005). Quem restabeleceu a dignidade do mito foi Stephen Sommers que, depois de se ter divertido duas vezes com A Múmia (1999 e 2001), juntou no mesmo saco Drácula, Frankenstein e Lobisomem contra o desenvolto Van Helsing (2004).
Quando Mark Romanek (Câmara Indiscreta, 2002) se fartou das intromissões engravatadas da Universal e bateu com a porta, Joe Johnston ocupou-lhe o lugar à frente do remake de 2010. Responsável pelos efeitos ópticos das miniaturas na primeira trilogia da Guerra das Estrelas (1977 a 1983) e de Salteadores da Arca Perdida (1981), Johnston saltou para trás das câmaras da Disney comQuerida Encolhi Os Miúdos (1989) e As Aventuras de Rocketeer(1991). Seguiram-se alguns episódios do Jovem Indiana Jones,Jumanji (1995), Parque Jurássico III (2001) e Hidalgo (2004). Na senda, Capitão América (2011).
Johnston entregou o argumento já desenvolvido por Andrew Kevin Walker a David Self, para ditos melhoramentos. Walker é o escritor de Se7en (1995), um dos thrillers mais fascinantes de sempre, mas deixou o seu nome morrer na praia, remontando a 1999 os seus últimos contributos para a Sétima Arte. 8MM é interessante, podendo ter sido mais chocante se não tivesse sido estrelado pelo apático Nicolas Cage (Joaquin Phoenix bem se esforçou por compensar essa falha) e A Lenda Do Cavaleiro Sem Cabeça, um dos trabalhos mais criativos de Tim Burton, até se move numa realidade próxima à doLobisomem. Self, pelo contrário, é um nome que nunca teve brilho. Duas adaptações vergonhosas é tudo o que salta à vista no seu minguado currículo: A Mansão (1999) e Estrada da Perdição (2002).
Esta desconstrução do tema só tem pertinência para explicar o falhanço do projecto. Primeiro, o enredo. Traz de volta os personagens clássicos, mas esquece-se de que deveria ser um romance desfigurado em tragédia por uma horrenda maldição. Desvia a atenção do casal para concentrá-la na relação parental, mas nem uma nem outra têm força para se erguerem. É uma história sem garra, onde os actores não têm emoção, nada se lendo nos seus olhos cansados para além das olheiras do aborrecimento. Anthony Hopkins, que já provou carne humana na saga de Hannibal Lecter (1991 a 2001) e se comportou como um animal em Instinto (1999), parece unicamente preocupado em pronunciar as suas falas com precisão, perdendo em dicção para Hugo Weaving, que já mostrara saber debitar Vs sem se engasgar (V de Vingança, 2005). Benicio Del Toro e Emily Blunt não sentem nada um pelo outro, caindo assim metade do enredo na inconsistência.
O monstro, em si, é uma criação muito limitada, seguindo-se o modelo semi-realista de A Maldição do Lobisomem (1961). A maquilhagem ficou a cargo de Rick Baker, Oscar de Melhor Maquilhagem por O Lobisomem Americano em Londres e responsável pela mutação de Michael Jackson em Thriller. A passagem de homem a lobo, porém, foi toda feita em CGI, assim como grande parte da corrida pelos telhados e ruas de Londres, pela necessidade de velocidade (a sequência da palestra e subsequente fuga recorda King Kong em Nova Iorque, num tom mais discreto). O resultado é um lobisomem muito mais humano do que lobo, com excesso de pêlo e patas de animal (que se vêem muito pouco). Os dentes, infelizmente, incidem para a frente (a dentadura é colocada à frente dos dentes do actor), atribuindo-lhe feições, não ferozes, mas imbecis.
Para além de referir que, da primeira vez que se vêem as garras do licantropo, este as move com o mesmo efeito que Freddy Kruegger em Pesadelo Em Elm Street (1984), detenho-me noutro pormenor. NoLobisomem de 1941, o protagonista compra uma bengala com cabeça de lobo num antiquário, por se ter apaixonado pela lojista, que viria a ser o seu interesse sentimental nesse filme. Agora, é um desconhecido, interpretado por Max von Sidow, quem lha oferece, numa viagem de combóio. O objectivo desta oferta não é claro. Poderia ser para desviar a atenção sobre quem era o verdadeiro lobisomem (se seria ele), mas a verificar-se pela negativa, a cena é insustentável (fala-se de um extended cut a ser editado em DVD, com mais 17 minutos de enredo, que desenvolve esse personagem). Insustentável é também a banda sonora de Danny Elfman, que a compôs integralmente plagiando a de Wjociech Kilar para o Drácula de Francis Ford Coppola (1992). Depois de a montagem cortar meia hora de película, o estúdio contactou Paul Haslinger (compositor deUnderworld (2003), outro filme com vampiros e lobisomens), mas acabou por voltar atrás (a proposta electrónica de Haslinger não se enquadrou no espírito vitoriano de 1891) e a reaproveitar a partitura de Elfman, um erro evidente, porque cola desnecessariamente os dois ícones.
No fundo, o que pode dizer-se de O Lobisomem é que perde a oportunidade de marcar o seu território. Passa-se em pleno período vitoriano (1891) e desperdiça a oportunidade gótica, o que seria uma verdadeira homenagem ao género do terror. Lobisomem não assusta nem parece preocupar-se com isso, como se a transformação do monstro fosse como ver o Super-Homem despir-se numa cabina telefónica. Ele é mais um super-herói, incompreendido como quase todos (em vez de ser mordido por uma aranha radioactiva, foi mordido por um lobo), uma espécie de Incrível Hulk ou de King Kong. A referência a Hulk até permite uma piscadela de olho à versão de Ang Lee (2003), onde pai e filho se enfrentam até à morte. Sem dar o menor peso aos personagens, como espera o filme capitalizar em sentimento se o lobo se limita a matar figurantes, não convence no par amoroso e desfaz o infortúnio em bocejo? Sem a elegância ou a fluidez narrativa do original, o remake não passa de mais uma fita de lobisomens.
The Wolfman 2010
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